segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

ADEUS ANO VELHO, QUE VENHA O NOVO!!!



Salve, salve rapa. O ano de 2009 está indo embora. Esse foi um ano muito difícil para a galera de esquerda que acredita, sonha e luta por um mundo melhor. O tal mundo socialista possível, muitas vezes, se torna utópico e nos faz pensar e repensar para não cairmos no dogma ideológico de acreditar que um dia viveremos num mundo perfeito. Mas, ao mesmo tempo, o mundo capitalista se mostrou inviável e anti-humano. Um sistema que coloca o dinheiro em primeiro lugar e que valoriza mais o patrimônio do que a vida não é aceito pelos seres- humanos humanos, pensantes e críticos. Em 11 anos, só no Rio de Janeiro, a polícia assassinou 10 mil pessoas. Em nossa Foz do Iguaçu a juventude está sendo exterminada. Como aceitar um sistema de governo que não dá valor nenhum à vida, que trata o ser humano de forma descartável?

Essa edição do Fanzine traz uma coletânea de textos carregadas de frustrações, de pessoas que lutam, lutam, lutam e que não conseguem visualizar as mudanças. Apesar de todo o esforço de milhares de pessoas que não aceitam a dominação, a escravidão, o genocídio, o sistema capitalista avança à passos largos, inclusive tramando golpes de Estado pela América Latina.

Num texto de Danilo George lemos: “A vida nossa de todos os dias é a síntese da relação contraditória da nossa existência infame, aquela vida que quando chega no domingo a noite bate aquela tristeza: “ah! amanhã começa tudo de novo”. Ora se o capitalismo é bom, então por que sentimos isso? Por que lamentamos o começo de mais uma semana? (...) mas para mim e para essa juventude tomara que tenhamos novos dias, e que o novo não seja assim tão velho”.

2010 está vindo aí, que todas as nossas velhas frustrações sejam enterradas e que floresça o nosso mundo novo tão sonhado e almejado. Que todo o suor derramado seja recompensado.

Show do Cartel do Rap




Cartel do Rap Apresenta:

Lançamento da Nova Coleção:

Nègre Hip-Hop, Verão de Vida Loka 2010

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Data: 19/12/2000 e 9

Início: 23:00hs

Ingresso: R$ 5,00

Local: Otroplano
(Rua Mandaguari, 461, Vila A, ao lado da ACDD)

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Presença Confirmada:

Santiago
Leviticos
Mano Zeu
Verso de Honra
Aliados da Periferia
Cartel do Break
Cartel da Arte

+ Freestyle
E Dj’s

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Faixa Etária:

Maior de 16 anos com Doc’s na mão.

BUSQUE A FELICIDADE ( Por: Santiago)



O natal está aí e o Papai Noel te pergunta

- o que você quer? Quando

Se quiser briga, briga você terá;
Se quer paz a paz já está convosco
Quer armas ou livros armados de informação?
Busca a felicidade própria
ou a própria felizcidade?
Só para você ou pra todos nós?
Na minha felizcidade as pessoas
se conhecem e se reconhecem reciprocamente.
Participam de famílias
e os familiares são participativos.
Não tem corpos vazios e sem ética
lotando os lugares rumo à cadeira elétrica;
Mas pessoas e lugares
com conteúdo significativo.
Não existe rixa entre segmentos musicais,
de raça, grana, bairro A ou B, partidária
ou de movimentação
social cultural representativa.

Existe sim lutadores e lutadoras
que não se importam em não aparecer
na foto, na mídia, dar entrevista
ou liderar uma ou outra consciência.
Nessa felizcidade de que falo a maldade
está guardada numa caixinha de chumbo
e enterrada bem funda no meio da praça pública;
esperando ser desenterrada por pessoas
que tem medo da chuva
ou que não assumem responsabilidades éticas.
Mas o povo da felizcidade busca a felicidade
e não deixa ninguém tocar na maldade
e é esse pessoal todo
que manda um recado pra você;

-- Gente busque a felizcidade.

Santiago agora ta mais Woloco do que nunca;
fala pra todos que a festa de encerramento
da semana da consciência negra foi adiada
porque choveu e por que a maioria das pessoas
tem medo de se molhar.
Pede para que a maldade continue enterrada
e quem ler esse texto pegue as palavras finais
de todos os parágrafos e desvende
a soma total da minha e possível nossa felizcidade.

EMICIDA

1º FESTIVAL CULTURAL FALA FAVELA (Por: Eliseu Pirocelli)

As vozes da Favela dentro da universidade.


Grafite realizado pelo Coletivo Raízes em Movimento

Na quinta feira, 19 de novembro, véspera do feriado do dia da Consciência Negra, aconteceu em Niterói o 1º Festival Cultural Fala Favela. Foi o resultado do projeto de Extensão Universitária e do Curso de Formação de Agentes Culturais Populares. O curso teve seu início em abril na UFF - campus Gragoatá - e visou identificar, capacitar e qualificar jovens e adultos moradores de favelas que já desenvolvem atividades no campo da arte e da cultura. Segundo Adair Rocha do Minc, “só se pode falar de direitos quando se dá o acesso”, então o curso além de estimular essas iniciativas, propicia o conhecimento para que os agentes possam se beneficiar dos editais para a captação de recursos públicos ou privados.

O Festival de finalização do curso aconteceu na UFF com o intuito de apresentar a diversidade da produção cultural popular, na contra-corrente das visões estigmatizantes e das políticas criminalizantes que hoje se voltam para o povo favelado. A historiadora Adriana Facina, coordenadora do curso diz que “a favela é muito mais do que a mídia apresenta. Queremos que as políticas públicas de cultura dialoguem com essas práticas de produção cultural nos meios populares”. Acentuou ainda que apesar de toda essa violência promovida pelo Estado na favela a arte pulsa.

O evento contou com o debate “Cultura é Favela, Favela é Cultura”, Oficinas e Apresentações Culturais. O debate teve início as 10h da manhã com a participação de Adair Rocha (MinC), Deley de Acari (poeta e animador cultural), Victor Hugo Adler Pereira (UERJ), Severino Honorato (Agente Cultural Popular). Muito produtiva, a troca de idéia mostrou como as pessoas estão dispostas a discutir as mazelas e as contradições dessa sociedade e a quebrar conceitos pré-estabelecidos. Severino Honorato disse que a favela é fruto da coerção das políticas do Estado e Adair Rocha completa que a existência da favela é a própria violência instituída. Falou do processo de resistência dessas comunidades, acentuando que o local onde a expressão da vida está mais presente é na favela e que a grande possibilidade de mudança revolucionária é a cultura. Victor Hugo mostrou como estamos num terreno escorregadio. Enquanto as políticas de cultura impõem um padrão de cultura nem sequer investiga as culturas praticadas na favela. “Ocupam as pessoas em atividades inofensivas, para que não se envolvam em atividades culturais que denunciem, que busque um novo mundo”. Falou com emoção de que não devemos perpetuar a subalternidade e devemos combater a cultura bastarda e lazeroza. O poeta e animador cultural Deley de Acari agradeceu a oportunidade, uma das poucas oportunidades que ele como morador de favela teve de poder falar dentro de uma universidade. Deley focou a discussão na cultura africana e mostrou como falamos bem mais palavras de origem africana do que européia. Disse dos cientistas neo-racistas e intelectuais criados pela elite com o papel de desinventar as raças em uma época de políticas de ações afirmativas e movimentos de reparação. “Valendo-se das pesquisas e conhecimentos “científicos” de seus cientistas que validaram cientificamente a superioridade de uma raça sobre a outra, a burguesia branca justificou e justifica até hoje a dominação, a exploração, a escravidão e o genocídio de bilhões de não brancos”.


Abel Luiz e amigos

As oficinas iniciaram-se às 14h com Circo, B.boyng, Literatura, Fotografia, Música e Grafite. O Coletivo Raízes em Movimento, que ministrou as oficinas de grafite, grafitou uma enorme parede em frente ao palco onde rolou as apresentações culturais dos alunos do curso. As apresentações começaram às 20h com a Troupe Circense Orilaxé. A coordenadora Dirce Galvão comandou a apresentação dos alunos mostrando o resultado das oficinas que a Troupe desenvolve. Na seqüência houve apresentação de capoeira com o Grupo Kabula de Capoeira Angola, sobre o comando do mestre Leandro Bicicleta. Um dos momentos altos do evento foi a apresentação do Coral Sacro N'Korin Olóôrum. Sobre o comando do Maestro Claudecir Francisco o Coral louvou os orixás com cânticos em Yorubá.


Grupo Kabula e Capoeira Angola

Depois as apresentações aconteceram em blocos. No bloco 'Raízes' apresentaram-se o cordelista Don Severo e o sambista Abel Luiz. No bloco 'Outros Caminhos' apresentou-se Ludi Um e o grupo de Break CJ Hip-Hop. No bloco 'Nossa Voz' teve apresentação de Rap com Mano Zeu e Roda de Funk com a ApaFunk.

Em 11 anos 10.000 pessoas foram assassinadas pela polícia a título de “auto de resistência” no Rio de Janeiro. Festivais como esse tem um papel importante para denunciar as atrocidades desse Estado que criminaliza e extermina o povo pobre e para criar e propagar uma cultura de não violência. Severino Honorato enfatizou em sua fala que o povo favelado deve ser entendido como criatura criadora e criativa. Disse que não vale aprender e guardar para si, é preciso disseminar e partilhar o conhecimento.


Severino Honorato

A socialização dos saberes é um passo importante para a emancipação e libertação do povo favelado.

FESTIVAL FALA FAVELA


Mc Pingo (Apa Funk)


Mano Zeu (Cartel do Rap)


Ludi Um - Música Black contemporânea


CJ Hip-Hop


Coral Sacro N'Korin Olóôrum

RODA DE FUNK NA CDD

POESIAS E PENSAMENTOS

A Vida
A vida tem algumas surpresas
e algumas surpresas me fazem chorar,
Sempre acreditei na intensidade de tudo
mas algumas surpresas me fazem chorar
sempre acreditei que cada dia deve ser único
mas as surpresas...
reencontros inesperados
fazem meu coração saltar!
Que absurdo!!!!_ penso eu
chorar por tão pouco,
mas que graça teria essa jornada finita
se algumas surpresas
não se fizessem chorar

(Mysk, Foz).

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BARATA

Sou uma sombra.
Aos seus olhos ameaçando,
ameaçadora.
Sou o fim em mim mesma,
isolada.
Minhas asas, meu mísero corpo,
para ti se resume:
Em nojo, ou nada;
Mas tenho nome, me chamo: barata.
Entre meus iguais, não ando atarantada.
Não tenho medo de sua fúria absurda.
Não tenho medo de nada.
Enfeito os seus lixos.
Governo frestas e cantos.
Não, não tenho canto, que me anuncie.
Apenas vivo por ti, em disparada
Me chamo, Barata.

(Fábio Lino da Silva)

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A luta

Contendas em minha vida
Quase fico parado
Os passos são curtos
Escorbutos em jornada
Aquele que não acreditar
Não servira para nada

O imaginário aparece
Na vida de todos
Quinado em parcerias
Aquele que dizer
Saberá de sua opinião
Se ler

Acreditara em nossa nação
Acreditara na literatura
Em nossa concentração
No grupo que formamos
Em nossa constituição
O direito que temos
Colocaremos em exposição

(Edson de Carvalho, Foz)


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Cadáver no asfalto.
Do alto do viaduto
aplaudem o salto.

Chuva na avenida.
Cão desbrida na enxurrada.
Luta pela vida.

(Glauco Mattoso)

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A madrugada é longa...
Seu braço me envolve
Seu beijo molhado me apaixona
E de madrugada quando nos encontramos
Esqueço o cansaço, esqueço da dor
Esqueço que tento te esquecer

(Carol, Foz)


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INIMIGO DO ARCO-ÍRIS

inimigo de raças,
inimigo das etnias,
inimigo dos povos,
inimigo das nações,
inimigo do seu próprio povo
pois que o cega
com seu ódio racista
e o impede de ver a beleza
que outros povos possuem.

todo racista...desses que erguem muros
de rancor e desumanidade para dividir
e separar seres humanos que poderiam
ser irmãos e não inimigos....
esse racista um dia terá o muro que construiu
como sua lápide.

todo racista precisa ser combatido
vencido e destruído já que é uma ameaça
letal à biodiversidade étnica
e natural.

e pode a qualquer momento fazer
do seu ódio desumano um míssil
e bombardear o arco-íris
só por não achá-lo bonito.

(Deley de acari)


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Saudade de Casa

A saudade de casa
Não me abandona
Saudade de acordar cedo
Molhar as plantas
Cuidar da horta
Sujar as mãos e os pés de terra
Tomar tererê na sombra
Do pé de acerola
Ver as crianças correndo
Indo e voltando da escola
Saudade de caminhar pelas ruas
Do bairro Cidade Nova
No sol de 40 e tantos de Foz
Tomar café na casa dos amigos
Saudade de caminhar
uma hora e meia
Até o Jardim Paraná
Duas horas de ônibus
até o Porto Meira
As ruas cheias do Paraguai
O sorriso daquela garota
O olhar daquela garota
Saudade de tudo
De quase tudo
Menos dos enquadros da polícia.

(Lizal, Foz).


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Devolva-me
entregouminhasroupas
meusbibelosmeupijama
entregoumeutravesseiro
meuslençoisminhacama
soesqueceudeentregarminhaalma

(Carol, Foz)


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LUTO DECRETADO LANÇA SEU CD NO CIDADE NOVA


A Rapa Compareceu!!!

O grupo de Rap Iguaçuense Luto Decretado lançou o seu Cd no dia 07 de novembro. Sobre o título de “Esse é o Nosso Depoimento” o álbum traz canções que narram o cotidiano da periferia. Mostra um dia a dia triste dos moradores da favela e denuncia sem meias palavras as atrocidades do Estado, violência policial, abusos de autoridade, execuções, corrupção e falta de vontade política, falta de estrutura na favela. Cantam a morte de um amigo, de um rato de varal, de um policial, a solidão e o sofrimento do presidiário, as traições e armadilhas da vida do crime. O grupo teve sua primeira formação em 2007 e lançou um single em 2008. Passou por outras formações até chegar a essa família (literalmente). Hoje o grupo é formado por dois irmãos e um primo (Xanddy, Elias e Dj Caverinha) e não abandonaram a proposta inicial do grupo que é fazer um som gangsta “sem meias verdades”, o estilo mais pesadão dentro do movimento Hip-Hop de Foz.


Grupo Levíticos - Na Paz do Senhor.

O show do dia 07 de novembro reuniu amigos, parentes, e pessoas que acompanham a trajetória do grupo. O evento rolou em sua quebrada, Cidade Nova, na lanchonete do Meio Quilo, um mano que sempre deu uma força pro grupo. Os manos correm junto com o Cartel do Rap, o Coletivo de Hip-Hop que foi responsável pela organização do evento. Na parede atrás do palco projetava-se fotos de eventos realizados na zona norte e na parede em frente o mano Woloco desenvolvia um grafite representando o Cartel da Arte.


Aliados da Periferia

Os B.boys do Cartel do Break abriram o evento com as performances
energizantes da dança de rua. Na abertura do show do Luto Decretado passou um vídeo de três minutos produzido por Lizal. O vídeo despertou um certo desconforto na galera mostrando que nem sempre é agradável o nosso cotidiano e que ver em imagens aquilo que é cantado nas letras de Rap dá uma outra dimensão da realidade.



Freestyle

Nesse dia aconteceu a primeira apresentação do grupo Levíticos. O grupo formado pelos também b.boys Jhonatan e Guilherme cantaram rap gospel em louvor ao criador. Apresentaram-se também no evento os grupos Aliados da Periferia, Santiago e Mano Zeu. O show contou ainda com as improvisações dos Mc's num Freestyle doido que já é tradição nos eventos da Banca.


B.Boys - cartel do Break e Comuna Crew

Outra parada que não faltou foi a polícia chegar para acabar com o show. A perseguição continua.

Resquício da ditadura?

Cada um que tire a sua conclusão.

LUTO DECRETADO

Luto Decretado


Luto Decretado lançando seu CD


Woloco - Cartel da Arte - desenvolvendo um grafite

Escrita 9, pescada a muitas mãos!



Um trabalhador simples oferece ao freguês o produto de sua labuta diária, inteiramente à mostra, dependurado a um pedaço de bambu. Rotina de Ciudad del Este que chama a atenção do olhar apurado da fotógrafa, que passeia no lado paraguaio do rio. Ainda no Paraguai, agora em Hernandárias, uma jovem brasileira observa com admiração os versos expressos em quadrinhas, escritos por uma paraguaia, ajudante de cozinha, que escreve na língua originária de seu povo, o guarani.

Tudo. Peixe, fotografia, língua e poesia vão parar nas páginas da Revista Escrita, edição número 9, que ganha as ruas e os leitores por meio do programa Tirando de Letra de popularização da leitura. A Associação Guatá - Cultura em Movimento - assina a publicação que, em quarenta páginas, reúne as diferentes formas de expressão e de experimentação da linguagem escrita e visual, através de autores com origens e intenções igualmente diversificadas.

Assim, como uma teia, o emaranhando criativo contido na Escrita, absorve a produção de artistas consagrados e de aprendizes, todos tendo como objetivo central o de promover a expressão. Neste número, 30 autores se revezam nas sessões “olhos”, de artes visuais, e “palavra”, dedicada ao texto.

AS MUITAS FACES DE FOZ DO IGUAÇU ( Por: Danilo George e Eliseu Pirocelli)

TITI, SKATE-HARDCORE-HIP-HOP



Adriano Lopes da Silva, mais conhecido com Titi, tem 32 anos e é natural de Mato Grosso do Sul. Veio pra Foz com 02 anos de idade, o seu pai não era barrageiro, mas veio pra cá com a promessa de que em Foz teria bastante chance de emprego em decorrência da construção da usina de Itaipu. Se criou no Campos do Iguaçu, mas atualmente mora no Jd. Alice. Teve uma infância típica de crianças de periferia, fazia seus brinquedos, espingardas, revolveres, carrinhos de rolimãs, pegava latas pra batucar, andava descalço nas ruas de terra, correndo, brincando de esconde-esconde, subindo nas árvores.

“Eu cresci num ambiente vendo tudo quanto é tipo de pessoa, vendo coisas boas e coisas ruins, né. Foram muitos amigos que se foram, muitos que ainda estão aqui hoje. Da minha infância até hoje foi um longo aprendizado, né, e graças a Deus eu to aí vivo até hoje”. Ele critica o formato de sociedade de hoje: “O ser humano cada vez mais quer digerir as coisas já prontas, entendeu, ele não usa mais a imaginação, ele pega os subprodutos, os enlatados já na mão. O ser humano está perdendo cada vez mais o seu lado natural, de ser humano mesmo, e a tendência é ele se mecanizar, se tornar um robô, igual a gente vê nos filmes ”.

Quando chegou em Foz em 1978 o Brasil ainda vivia uma ditadura militar. Questionado se ele lembra na sua infância de como era essa época ele diz:

“Eu ainda era muito pequeno e não tinha sabedoria pra discernir o que era a ditadura militar e a repressão por parte do regime militar, mas conforme eu fui crescendo eu ainda lembro dos depoimentos que passavam na TV, da repressão que o povo sofria por querer buscar sua liberdade, principalmente a liberdade de se expressar”.

Titi sempre foi uma pessoa eclética que ouviu vários estilos musicais. Desde Hip-Hop, Reggae, Black Music, Funk, Soul, Punk, ouviu muita música de protesto. Ele acredita que os manos que adotam a postura de ouvir só Rap acaba tendo mais base para fazer e falar de Rap, mas acaba fechando a mente pra outras coisas e se limita.

“Quando você fecha a sua mente pra outras coisas você acaba se limitando e quem se limita não se expande, não cresce e isso não é de acordo com o que eu penso. Até porque a origem do Rap vem de outros estilos, né”.

Com todas essas influencias já tocou em banda de Hardcore e já cantou MPB. A banda se chamava Skin of Rate e misturava HC com Hip-Hop. Ele acredita que o Rap feito com banda não é um Rap legítimo, mas não deixa de ser Rap. Diz que o Rap verdadeiro é engajado e se une aos demais elementos do Hip-Hop (Break, Grafite e DJ).

Assim como grande maioria da galera da época começou a ouvir Rap na década de 90 através dos sons do Racionais Mc's e Thaíde e DJ. Hum. Apesar da TV veicular algumas músicas de rap norte-americano foi o rap nacional que o influenciou. O primeiro show de Rap que ele viu em Foz foi por acaso. Estava numa festa na Vila C e se deparou com o show do grupo Meninos do Rap da quebrada da Vila C. Aquilo o impressionou muito e depois daquele dia teve a vontade de um dia fazer Rap. Dez anos depois, no ano 2000 escrevia suas primeiras letras de Rap e saía pelas quebradas de Foz juntamente com a Banca CDR. Apresentou-se em diversas favelas, entre elas Favela do Bambu, Favela do Queijo e Cidade Nova. As suas letras falam do cotidiano, da violência, da discriminação, da desigualdade social e aborda também temas de psicologia interior e de filosofia. Titi fez parte do grupo Enquadro Verbal e participou do show de inauguração da Pista de Skate em Foz onde rolou o show do grupo paulista SNJ e do grupo de Porto Alegre Da Guedes. Ele ajudou em toda a correria para que a prefeitura viabilizasse a construção da pista, reuniu a galera, fez abaixo assinado, foi na prefeitura. Titi anda de Skate há mais de 15 anos e conta como foi difícil a concretização do projeto:

“A gente brigou muito, a gente correu atrás, porque a gente sabe que as autoridades públicas discriminam e não investem em esporte, ainda mais um esporte como o Skate que é marginalizado”.

A respeito das críticas que o Rap recebe por parte de pessoas que não entendem a mensagem ele diz que:

“O Rap veio da periferia, o Rap veio do submundo. Então naturalmente ele vai falar daquilo que ta acerca dele. Como o rap é um som da periferia ele tem que retratar o que é da periferia, entendeu. Conseqüentemente, eu acho que por isso ele vai falar da rotina do ladrão, do tiro, da morte, da violência, ele retrata o que ta perto dele, é isso que eu acho do rap nacional”.

E questionado se os manos do Rap Nacional trata a mulher com mais respeito do que o Rap gringo que expõe as mulheres como objetos de consumo ao lado de carros, jóias e bebidas, ele diz:

“Eu acho que o Rap nacional respeita um pouco mais, né, não que ele respeita 100%. Eu acho que ainda existe uma cultura do machismo no Rap e eu acho isso negativo, entendeu. Na sociedade de hoje não faz sentido você ser machista, a mulher ta conquistando cada vez mais seu espaço e a tendência no futuro é ela dominar”.

Um grande choque na sua vida foi quando perdeu seu pai com 11 anos de idade, isso transformou totalmente a sua vida. Muitas crianças de periferia não conhecem o pai, ou porque ele não assumiu a paternidade ou por ter morrido no crime ou nas drogas. Titi acredita que isso não é motivo para que no futuro quando essas crianças se tornarem pais, abandonarem seus filhos.

“O bom homem é aquele que não repete o erro, né, é aquele que transforma, que muda, né, e que dá exemplo. Eu acho que esse é o verdadeiro homem, se ele repetir o erro que o pai dele cometeu com ele mesmo ele vai ta sendo um inútil, eu penso assim, né”.

Hoje ele é casado e cria seus filhos com todo carinho. Titi diz que já foi muito discriminado e conta a razão por toda essa discriminação que o povo favelado sofre.

“Eu fui discriminado mais pela questão racial. Depois pela questão social, por que é uma realidade. Se você é pobre você é discriminado. Se você é um pobre preto você é discriminado mais ainda. E se você é um pobre preto e cantor de rap você é discriminado mais ainda.

Apoio Cultural

“Pra ser sincero eu acho que Foz do Iguaçu não tem apoio cultural nenhum, nunca teve. A nossa prefeitura nunca se importou de maneira alguma com qualquer manifestação cultural. Aqui sempre quem quis manifestar sua arte teve que correr pelas próprias pernas. Nunca investiram nada e eu acho que vai demorar muito pra ter alguém, algum político que tenha mentalidade de investir na cultura e na arte. Porque eles só querem saber do bolso deles, só querem encher cada vez mais o bolso deles e a gente vai ter que ta sempre contribuindo, pagando o nosso IPTUzinho pra eles ficarem cada vez mais ricos”.

Integração Latino-Americana

“Eu vejo que isso aí é mais um fruto da manipulação da TV porque não existe integração Sul América, MERCOSUL, isso não existe, isso é propaganda da TV. Nada é integrado aqui. Aqui é cada um por si. Aqui é terra de ninguém. Quem pode mais chora menos, então quem vai por propaganda ta se iludindo”.

Religião

“Eu sou cristão, já participei de igreja, já tive religião, mas hoje em dia eu procuro mais absorver a palavra de Deus, os ensinamentos e não me prender a religiosidade. Já freqüentei e às vezes eu ainda vou na igreja. O meu rap nunca foi gospel, eu sempre enxerguei ele como um rap positivista. É diferente do rap já citado, gangueiro, da violência, porque você tem que retratar aquilo que você viveu. Apesar de eu ter convivido com pessoas que teve uma vida violenta ligada ao crime, mesmo eu sendo uma criança que não teve privilégios na vida, mesmo eu sendo uma pessoa que nunca tive luxo em minha vida, desde pequeno eu fui educado a estudar, eu fui educado a correr atrás das coisas. Mesmo que em algum período da minha vida eu não deva ter corrido atrás quando meus pais quiseram, que foi um período, vamos dizer assim, obscuro da minha vida, eu sempre tive uma índole mais positiva do que negativa”.

Tem esperança de que Foz vai mudar?

“Eu acredito que vai mudar, a gente sempre tem que acreditar que vai mudar porque sem positivismo a gente não chega a lugar algum. A gente tem fé, eu acredito em Deus e Deus quer o melhor pra gente, então a gente tem que sempre acreditar que tudo vai melhorar e que tudo vai ficar bem”.

Sonho

“O meu sonho é viver e conseguir sustentar minha família com o suor do meu trabalho e ser feliz, né”.

Santiago, Titi e Amigos...

EPITÁFIO, A MORTE DE UM SONHO (Por: Danilo George)

Terça-feira, 2 de dezembro de 2009. Calor insuportável 39 graus. Após um dia entediante deitei na sala do meu apartamento; sem perceber comecei a cochilar. Num processo de transtorno mental acordei perturbado; refleti e pensei. Porra! meus personagens das crônicas, todos passaram um perrengue tremendo: prisão, exílio, perseguição policial, deficiência física, preconceito, doença, dificuldades financeiras. Não tiveram uma vida fácil e não prosperam uma melhora na atual conjuntura. Mas, os 9 personagens no qual pude conhecer suas histórias e tiveram aqui seus relatos, todos tiveram algo em comum: a vontade de mudar algo.

Alguns anarquistas, comunistas, militantes ou ativistas ou simplesmente humanistas, seres que se sensibilizaram para transformar; pessoas comuns que não tiveram fama, brilho e muitos não gozaram de uma vida digna. A intenção em escrever essas histórias era para alertar, pra tentar causar alguma discussão e valorizar seres humanos que ousaram fazer algo diferente, que não se conformaram com a fé e a poltrona da televisão. Em sua maioria só clamaram por seus direitos.

E receberam porradas, xingamentos, perseguição, alguns estão doentes, decadentes, esquecidos, abandonados em sua maioria. Outros seguem a vida sonhando com algo novo.

O padecimento dos meus personagens reflete a juventude de hoje. Estamos fodidos! O pior é que nossas crianças não querem mais lutar ou transformar algo por que vêem que os que lutam por um mundo melhor estão sempre arrasados. Não é para menos, pois o capitalismo se esforça bravamente para desumanizar tudo e perverter valores; o valor mercadológico está presente em todas nossas relações. Então como propor um mundo mais humano?

A vida nossa de todos os dias é a síntese da relação contraditória da nossa existência infame, aquela vida que quando chega no domingo a noite bate aquela tristeza: “ah! amanhã começa tudo de novo”. Ora se o capitalismo é bom, então por que sentimos isso? Por que lamentamos o começo de mais uma semana? Meus textos podem estar carregados de um pessimismo que predomina em minha mente, mas me comparo ao pintor surrealista Goya, que pintava quadros de horrores da sociedade do século XVII e XVIII. Mas acreditará ansiosamente na chegada de um novo dia em que só pintaria quadros de amor.

Bom, para Goya esses dias não vieram, veio sim a revolução burguesa e a sociedade se barbarizou ainda mais, mas para mim e para essa juventude tomara que tenhamos novos dias, e que o novo não seja assim tão velho.

Filme de terror

Aquele verme enfiou o cano na minha cintura e me mandou calar a boca. Tentei reagir e ele disse que era para ficar quieta se não morreria ali mesmo. Olhando para frente disse que se quisesse poderia levar minha bolsa, mas ele na sua doença chegou bem pertinho da minha orelha e disse “quero você”. O medo voou em mim e fiquei paralisada enquanto ele me conduzia pela rua quase escura abraçado a mim.

As lágrimas escorriam gritando por socorro, mas ninguém ouvia. A minha voz presa pelo medo tentava implorar no seu sussurro para que ele me soltasse, mas cada vez que lhe dirigia a palavra apertava meu braço com mais força e dizia “cala a boca filha da puta! Você não ta entendendo o que eu quero?”.

Quando chegamos no fim da rua, entramos por um beco que sai na vila vizinha. Ali mesmo ele me jogou num monte de areia e enfiou aquela língua imunda na minha orelha enquanto arrancava minhas roupas numa voracidade assustadora. Seus olhos vermelhos me engoliam ao mesmo tempo em que aquela boca nojenta beijava meu corpo. Quando finalmente ele abriu minha calça e se enfiou em mim.

Eu gritava e cuspia e chingava aquele demônio e ele não se importava. Eu gritava e ninguém me ouvia. Pensava em mim como um animal selvagem pensa na sua presa.

Já estava quase sem força quando ele terminou. Levantou-se sorridente, me chutou, me violentou mais do que já tinha me violentado com palavras socos e pontapés. Olhou para mim com seu olhar de cão e seu riso sádico e disse “agora vê se cala a boca, se não quiser morrer, se você abrir a boca eu apareço na sua casa e sento o dedo em toda sua família”.

Não fui a delegacia. De vez em quando eu o vejo passando em frente a minha casa. Eu mudei. Ninguém sabe o que aconteceu.

Depois daquele filme de terror nada mais faz sentido para mim. Naquela noite eu morri e morreu todo o amor que pudesse existir na minha alma...

Marietta Straitnon Del Toboso é uma parte dos ninguéns dessa cidade. Perdeu tudo o que tinha, inclusive o amor próprio. É só mais alguém que foi vomitada nesse mundo.

INVASÃO DE FAVELA (Por: Eduardo Marinho)



Trabalho executado sob forte comoção, durante uma série de operações policiais em várias comunidades pobres. Na ocasião, mais de uma centena de pessoas foram mortas, todas sob alegação policial de resistência, grande parte delas sem nenhum envolvimento com atividades criminosas. O aparato de segurança do Estado é atirado contra a população das favelas, enquanto a mídia criminaliza a pobreza cotidianamente, ligando a pobreza ao tráfico de drogas, à bandidagem e à violência, sem lembrar a omissão do próprio Estado em relação às populações em áreas de exclusão social, onde faltam saneamento básico, escolas que ensinem de verdade, condições de formação profissional, atendimento de saúde com recursos e qualidade, noção de cidadania, informações, urbanidade.

Durante essas operações, milhões de pessoas vivem o inferno da conflagração, tiros de fuzil varando paredes, atingindo qualquer um, homens, mulheres, crianças, idosos. O medo de ter familiares e amigos mortos ou feridos é uma constante absurda, o pavor na hora de ir à escola e ao trabalho, o temor dos que ficam em casa esperando a volta dos que saíram, o coração aos saltos ao ouvir tiros nestes horários, mais que em outros, é uma injustiça imperdoável com essa coletividade já tão sacrificada.

Senhoras se juntam em orações para que Deus proteja seus filhos e netos, senhores silenciosos permanecem com olhares sombrios, calados e ausentes. A polícia invade essas áreas entrando em qualquer casa, de armas apontadas, escorados no instrumento jurídico "mandato de busca coletivo", criado especialmente para comunidades pobres. Nestas ocasiões, um espirro pode decretar a morte de alguém, pois os policiais estão em estado de tensão máxima e atiram sob qualquer pretexto, pois têm a garantia da impunidade. O histórico de mortes de crianças, adolescentes e jovens é avassalador, embora ignorado pela mídia, e faz pensar em processo de extermínio intencional de pobres, já que os verdadeiros donos do tráfico de drogas e do crime organizado estão longe das favelas, têm empresas legalizadas e transitam facilmente entre os poderes constituídos, em ligações com políticos e autoridades do Estado e gozando de todos os privilégios das elites. A grande maioria das favelas nada tem a ver com o crime, embora seja obrigada a conviver com armas e o tráfico que, na ausência do Estado, impõe suas leis a essas comunidades abandonadas à própria sorte. Ali, só se conhece ações do governo pelo seu braço armado, pela repressão.

Esta pintura é expressão de solidariedade do autor com essa massa de pessoas sabotada, excluída, empobrecida e criminalizada por um Estado feito refém de elites, das grandes empresas nacionais e multinacionais, posto a seu serviço, contra a maioria de sua população, roubada em seus direitos fundamentais enquanto estas elites gozam imensos privilégios, egoístas e insensíveis, mutilados na melhor parte de sua humanidade, sem solidariedade ou senso de justiça.

(Eduardo Marinho é arteiro, penseiro e escrevinhador)

Fonte: www.observareabsorver.blogspot.com

CEMITÉRIO DE ELEFANTES (Por: Deley de Acari)

Há um tempo atrás, uns dois anos se muito, durante um dos vários "arranca rabo" que tenho com Wesley, devido as divergências de encaminhamento de nossas ações na favela, aos poucos segundos do fim do último round, ele me desferiu um direito de direita, em ambos os sentidos. Não me lembro bem as palavras exatas: “E você que tá aqui na favela dando murro em ponta de faca há mais de trinta anos e não conseguiu mudar nada. Cadê a revolução que vocês iam fazer? Que que vocês fizeram pra mudar a favela? Nada!”

A verdade dói, mas a verdade é verdade.

Dos cinco comunistas pobres sem vergonhas de Acari, quatro já morreram, eu sou o único vivo, mas que já sofreu três atentados e está jurado de morte por algozes que não costuma deixar passar muito tempo sem cumprir suas sentenças de morte. Hoje sei que já vivi o bastante uma auto-fragelada, mas, vital auto-critica diante da constatação wesleyana: a verdade é que nós comunistas favelados somos mesmo uns comunistas pobres-sem-vergonhas, que além do peso dos anos, temos a nos vergar o lombo o peso do fracasso de não termos feito a revolução popular comunista que nossos pais e avós esperavam da gente e ainda padecer da vergonha de envelhecermos vendo o capitalismo, na sua forma mais cruel e desumana avançar favela a dentro, fazendo do tráfico de drogas, outrora, quase uma economia de subsistência familiar comunitária, transformado no mais rentoso e lucrativo mercado capitalista neoliberal, para-formal.

Há uns seis anos ainda havia num canto de rua de Acari, um banco de cimento onde os velhos comunistas de Acari sentávamos pra chorar nossas pitangas soviéticas. A maioria tinha o pé-de-pilão resultado de muita cachaça ou frebite fruto de muitas decepções políticas e familiares. Por isso autodenominamos o local de Cemitério de Elefantes. A obra do Favela-Bairro derrubou o banco e o muro que havia atrás dele e que tinha inscrições de nomes de bandidos mortos, de bin laden, de saddam, de che e de maicon jequissom, que ainda não tinha morrido mas já tinha ficado branco. Mas, nada de nomes de grandes líderes comunitários que fizeram a história da resistência popular da favela, nem muito menos, de militantes comunistas favelados como Nilton Mendonça, Milton Branco, Seu Cesário, Seu Nestor...

O que sem duvida, é mais uma prova do quanto a critica, ácida, corrosiva, mas correta do wesley faz sentido. Comunistas pobres favelados, somos tão sem vergonhas que, e não fizemos nada, nada pra favela, de bom, nestes últimos trinta anos, que sequer merecemos nossos nomes rabiscados num muro de canto de favela. Ao contrário de traficantes locais, revolucionários latinoamericanos, e terroristas mulçumanos ex-aliados do USA e artistas negros embranquecidos.

O último comunista pobre favelado sem vergonha, a morrer em Acari, morreu de desgosto, cachaça e diabetes, frustrado por não conseguir impedir, mesmo com toda sua marra de comunista revolucionário, que suas filhas e netas se tornassem esposas e viúvas de bandidos. Com certeza essa é a maior derrota pra uma marxista leninista favelado. Ver as mulheres de sua família escravas, objetos sexuais. Logo a gente que éramos pró-feministas, ao menos no discurso, mas machistas leninistas na pratica cotidiana.

(Fonte: www.deleydeacari.blogspot.com)

IDÉIA PRA PERIFERIA

Idéia do Bairro: (Por Mano Edo)


XIV – O tempo passa e o dia chega


Uma coisa que não devemos fazer é querer ser alguém sem ser; quando for para ser alguém é Deus que consagra e não o homem da terra, “maldito o homem que acredita em outro”, pois o que ganhamos nesta terra são apenas falsas verdades ou ideologias que acabam esquecendo do realismo.

- Você viu o menino da Oitava A, foi morto na favela perto da casa dele?

- Eu não cheguei a ver mas, fiquei sabendo no noticiário das sete horas – na rádio.

Uma menina comenta com a outra sobre o caso do adolescente que morrera alvejado por arma de fogo.

- Você chegou a ver a prova dele de Português ele tirou 100 e nem conseguiu vê-la.

- E eu que fui mal na prova. Mas não dá nada.

O adolescente já havia sido destaque na sua escola, JK de Oliveira, pois participou já de diversos concursos de redações, e ainda sendo o primeiro do concurso algumas vezes.
Gugu não queria saber de nada, viu o menino caído no chão e a mãe dele chorando e logo em seguida rira do fato.

Algumas pessoas que passaram na rua ainda observavam algumas manchas de sangue, que tingiu as pedras assentadas que faziam o composto poliédrico.
Em Foz do Iguaçu, são oriundos diversos sonhos que deságuam correntezas a baixo, caracterizando uma cidade violenta, mas, cadê os órgãos públicos para fazerem o bloqueio? A favela se formos pensar não tem recursos e quem quer ser alguém na vida ainda é morto, por vizinhos, amigos – entre aspas, pais, irmãos, policias, e outros aspectos que vocês leitores sabem que acontecem...

(...)

Minha vida, meus sonhos são bloqueados também, entretanto, meu povo mata e se mata, pensando que tem soluções de problemas – melhor resolver um problema do que dois, e será que a periferia pensa assim? Em vez deles pensarem de forma diferente, estudar, pesquisar, trabalhar, construir e progredir, todavia, regridem e agridem quem está pelo certo.

Gustavo com toda sua dificuldade, pensa em ser uma pessoa bem sucedida quando crescer, enquanto Gugu só quer coisas ruins, cheirar cocaína, fumar maconha, assaltar, e fazer o mau para as pessoas de bem ou trabalhadoras.

Passou o velório do menino e a missa de sete dias, e a favela pensando que iria ser calma essa semana, um grupo de rivais, acabam matando o homicida esquizofrênico por que ficou fazendo bagunça durante a noite, ou seja, começou a fazer disparos de arma de fogo durante quase uma semana. Sem saber, ele não sabia que se plantasse iria colher; plantou limão jamais irá colher laranja.

E Gustavo com sua charrete e seu cavalo fora para o centro fazer sua coleta de recicláveis, e nesse dia foi surpreendido por um empresário bem sucedido e de alta classe; fazia meses que observara Gustavo fazendo um ambientalismo sem saber, e oferecera um emprego para lhe ajudar.

- O garoto qual é o seu nome?

- Meu senhor ! é Gustavo.

- E onde você mora?

- Eu moro na favela da Morenitas.

- É que eu tenho uma vaga aqui e pensei que poderia servir para você, isso se você quiser.

- Quero sim meu senhor.

- Então vem amanhã com sua mãe aqui para nós conversarmos, meu nome é Danilo, sou o dono desta empresa.

Gustavo faz mais algumas voltas pelo centro e consegue mais uma vez lotar seu carro de recicláveis e volta para sua casa feliz da vida e contente conta o fato para sua mãe que conseguiu um emprego mais formal.

Sua mãe diz:

- Não falei, vamos lutar juntos que conseguimos ser alguém apesar de estar difícil, mas Deus irá nos abençoar.

- Vai sim minha mãe, amanhã vamos lá na empresa que o Dono quer falar com a senhora.

O FIM DA MINHA HISTÓRIA (Danilo George)



Como é doloroso o desentendimento do coração com os olhos.
O coração diz que você é vencedor e os olhos só vêem derrota.

O ruim de fracassar não é o peso da sua frustração
E sim a desilusão coletiva, pois muita gente aposta em você.
A vida brinca com a gente,

E nesse revês só nos resta acreditar que o futuro será melhor
Porque o presente sempre ta foda.

No fim da minha história ainda é preciso honrar essa derrota.

óIA sÓ (Por: Lizal)

Ato no Morro do Estado



Dia 20 de Novembro eu estava em Niterói participando do III Encontro de Negras e Negros do Morro do Estado. Nos reunimos em um beco com vários militantes e começamos a discutir a questão racial, política, sociedade e otras cositas mais. Um senhor de idade que militou a vida inteira no Movimento Negro e outros movimentos sociais estava comentando sobre o jogo do Flamengo que aconteceria no domingo. “O estádio vai lotar, milhares de torcedores cantando o hino do flamengo. Quero ver quando toda essa galera cantar junto a Internacional Socialista”.


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E se o Morro descer?

Adair Rocha participou do debate Cultura é Favela, Favela é Cultura, no
I Festival Fala Favela que aconteceu na UFF no dia 19 de Novembro. Ele fechou sua fala dizendo: “Todo mundo diz que o bicho vai pegar quando o morro resolver descer pro asfalto. Na verdade o bicho vai pegar quando o morro não descer pro asfalto, porque aí a cidade pára”.


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Coisa de Cinema

Fui no Araribóia Cine em Niterói para assistir a Sessão “Samba de Bamba”. O bom de ir no cinema é que não tem seguranças revistando as pessoas na portaria.

(Poderíamos adotar essa política em todos os eventos culturais).


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Brasil Ilegal

Em 11 anos 10.000 pessoas foram assassinadas pela polícia a título de “auto de resistência” no Rio de Janeiro.

(O Estado brasileiro é genocida ou não?)


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(CU)FA

Que a CUFA (Central Única das Favelas) perdeu o prestígio frente a galera de esquerda do Rio de Janeiro eu já sabia. Mas ainda não sabia que virou sinônimo de palavrão. Ouvi um maluco xingando o outro: “Seu filho da CUFA”.

(Cada um colhe aquilo que planta).


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Para cada 17 denuncias de racismo, só uma vira ação penal.


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Óia sÓ:

- O site criado pela família de Michael Jackson para sortear ingressos para o seu enterro registrou mais de 500 milhões de acessos em 90 minutos (120 mil visitas por segundo).
A mídia deu mais atenção a morte do ídolo do que ao desastre do vôo 477 ocorrido alguns dias antes.
- Durante a cerimônia do Oscar, em Hollywood, cerca de 2 bilhões de telespectadores ficam em frente a televisão para assistir os artistas milionários.
- Na Espanha numa mesma semana, 50 mil torcedores comparecem ao estádio Santiago Bernabéu para saudar o jogador brasileiro Kaká, e outros 80 mil, para receber o português Cristiano Ronaldo, contratados pelo Real Madrid por valores que atingem, somados, a cifra de 500 milhões de reais.
O desemprego bate recorde na Espanha com 4 milhões de trabalhadores sem emprego.
Procurem na internet pelo texto ‘Thriller’ de José Arbex Jr. publicado na revista Caros Amigos, agosto de 2009, de onde eu extraí essas informações.


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Vem aí:

Organizado pelo Coletivo de Hip-Hop LUTARMADA, o filme "HIP-HOP CANTA E DANÇA A SOLIDARIEDADE AO POVO HAITIANO". O filme tem como base o Hip-Hop e vem denunciar as falsas benfeitorias que as tropas da Minustah realiza no Haiti, com imagens fortes de algumas ações da ONU em Cite Soleil exibidos pelo filme "O que se passa no Haiti", apresentação de grupos e artistas do hip-hop em solidariedade ao povo do Haiti. Dizem por aí que “as apresentações "impecáveis" dos participantes deram ao filme, uma linguagem que nem os mais aficcionados cinéfilos conseguem compreender”.



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Sobre os Meios de Comunicação:
A comunicação que temos

- A televisão:
* 5 redes de TV (Globo, SBT, Record, Bandeirantes e Rede TV): 145 grupos afiliados e 869 veículos. Concentram 80% da audiência e da publicidade em todo o país.

O QUE DIZ A CONSTITUIÇÃO?

Artigo 220, parágrafo 5º - Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.

* 25% dos senadores e 10% dos deputados federais são concessionários de rádio e TV

O QUE DIZ A CONSTITUIÇÃO?

Art. 54. Os Deputados e Senadores não poderão: a) firmar ou manter contrato com (...) empresa concessionária de serviço público, (...).

* Do total de emissoras de TV, 57% são comandadas por políticos e/ou empresários, 21% por fundações privadas e universidades, 16% por Igrejas e 6% por órgãos estatais.

O QUE DIZ A CONSTITUIÇÃO?

Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.

Fonte: Intervozes. Continua na proxima edição.


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Intervozes - Levante sua voz



Quinta-Feira (Por: Carol)

Só quem ta no mundão sabe qual que é da vida



Cheia de sacolas pretas a mulher loira de cabelos curtos e pele queimada pelo sol se aproxima. De longe sinto o cheiro de urina que exala do seu corpo. Observo seus movimentos delicados, seus olhos castanhos, seu rosto angelical, seu olhar maltratado e seu corpo cheio de feridas. Ela passa silenciosa e junta as latinhas de cerveja que um grupo de jovens depositou perto de uma das arvores da praça. A outra loira, alta e magra, com seu sapato roxo da moda, em cima do seu salto 15 da moda, com seu cabelo da moda e dentro das roupas da moda, passa e segura sua bolsa da moda. Sua pele e seu jeito demonstram a que classe pertence. Ela passa e enjoa a todos com seu perfume da moda.

Ela passa vira a cara para fazer de conta que não vê a mendiga que está ali.
Simplesmente segura sua bolsa junto ao corpo e despreza o outro humano que está ali. Ainda posso ouvi-la dizer aos taxistas “não agüento mais ver favelado no centro. Não sei por que o governo não da logo um fim nisso”.
A favelada nem se importa, ela já está vivendo um outro astral. As centenas de latinhas que ela junta todo dia dão a ela o que ela precisa para poder suportar a dor de pertencer a este mundo. Ela se aproxima e me conta sua história. A mesma história que já ouvi milhões de vezes. A história de um amor verdadeiro que foi trocado pelo poder. Decepcionada com as proporções do poder cedido ao dinheiro ela resolveu abandonar todo aquele mundo de conforto.
Ainda me diz que é consciente do erro que comete ao fazer essa escolha todos os dias, mas que é muito mais difícil encarar a vida de cara limpa do que noiada. A favelada, ainda discorre longamente sobre a questão do homem e sua sociedade de papel. O homem e toda sua falsa moral. O homem e seu orgulho egocêntrico.
Um homem que sendo prisioneiro do tempo e do dinheiro, não olha pra si.
Naquele momento, com aquela mulher ao meu lado, tomei mais uma injeção para ficar imune a essa sujeira toda...

Laje é símbolo de progresso na periferia (João Daniel Donadeli)

A laje faz parte do imaginário coletivo e é símbolo de status na periferia. Isso porque aquele que possui espaço livre para atividades diversas, como soltar pipa, estender a roupa lavada, tomar sol para manter o bronzeado ou mesmo arriscar um churrasco no fim de semana com os amigos, é um privilegiado. Com a superpopulação e a falta de espaço livre na periferia, a laje se torna um símbolo de conquista para seus moradores, que, na maioria das vezes, é obtido com a própria ajuda de amigos, parentes e vizinhos. É o “ritual” de “bater” laje que também movimenta a vida nos fins de semana periféricos. Há motivos para dele participar: uns ajudam por solidariedade, desinteressadamente, outros calculam a recompensa ao final da jornada de trabalho árduo, que é só gastronômica: mocotó, feijoada ou churrasco, regado com cerveja gelada. A complexidade desse “ritual” é mostrada no documentário Depois rola o mocotó, que, em seu título, já sugere o prêmio pós-trabalho.

Dirigido por Débora Herszenhut e Jefferson Oliveira (Don), o filme acompanha duas famílias na conquista de suas lajes, sem abrir mão de todo o entorno simbólico e social que a laje representa para a periferia. A laje tem seus personagens inseparáveis, como a garota da laje, o pipeiro e o olheiro do tráfico, que pontuam e acrescentam ao filme as vivências cotidianas das comunidades periféricas brasileiras, mesmo que tenha sido rodado no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. A representação da laje, onde quer que esteja, é sempre a mesma. Depois rola o mocotó revela, desde o início do dia, os preparativos para cumprir o "ritual" de encher a laje, as dificuldades para subir nas costas o material que será usado para fazer o concreto, o pouco espaço para mexer a massa, e os preparativos para o esperado mocotó, que fica por conta das mulheres, enquanto os homens deixam a laje pronta. Diferentemente do que se possa esperar de um documentário que adentra os morros cariocas, Depois rola o mocotó toca na questão do tráfico de drogas muito sutilmente, para não perder o foco, apenas revelando o uso da laje como ponto privilegiado de observação, sem que, com isso, crie visão estereotipada da periferia. A trilha sonora, assinada pelo coletivo Digitaldubs, é ponto forte. A música está inteiramente ligada ao filme, gerando empolgação e expectativa no decorrer das imagens; é uma trilha sonora que “fala”, que parece pertencer às imagens. Os diretores lançam mão do documentário observacional: não há entrevistas posadas ao estilo clássico, só depoimentos dos personagens que surgem no decorrer das imagens, sem que falem diretamente para a câmera, mas que dão conta de explicar o filme pela riqueza de imagens e pela montagem proposta.

Selecionado pela quarta edição do programa de incentivo à produção e difusão de documentários, o DOCTV, Depois rola o mocotó revela a dialética da periferia com base na laje, mostrando o cotidiano e as diferentes formas de socialização das comunidades periféricas, que sofrem mudanças geográficas a cada fim de semana, com a construção de uma nova casa ou o enchimento de uma nova laje.

OLHAR ESTRANGEIRO (Por: Adriana Facina)

Quantos Morros Já Subi

Composição: Mario Sergio/Arlindo Cruz/ Pedrinho da Flor



Quantos morros já subi desci sem ver
O que falam por aí me faz tremer
Essa gente vive assim sem reclamar
Lá ninguém é tão ruim, lá também se sabe amar
Todo mundo é irmão

Todo mundo é irmão, todo mundo é companheiro
lá no morro da Formiga, do Borel e Salgueiro
Lá tem samba pé, no chão, poesia verdadeira
Lá no morro da Serrinha, lá no morro de Mangueira

Quantos morros…

Essa gente vive em paz, essa gente faz o bem
Seja no Pau da Bandeira, seja na Vila Vintém
Esse povo que a cidade chama de fora da lei
Vive com dignidade sem levar vida de rei.

Eu já vi muita alegria, muita gente a sorrir
No morro do Juramento, Pavãozinho e Tuiuti
Eu já vi felicidade muita gente ser feliz
No alto do Andaraí e no morro da Matriz

Essa gente vive em paz, essa gente faz o bem
Saja no Pau da Bandeira, seja na Vila Vintém
Esse povo que a cidade chama de fora da lei
Vive com dignidade sem levar vida de rei.

Subi o morro que a sociedade não quer enxergar como eu
enxerguei
Chacrinha, Turano, Rocinha e outros lugares que eu não
cantei
No morro que eu pude encontrar amizade que em outros
lugares que não encontrei
Vive com dignidade sem levar vida de rei





Recentemente, vi um filme que achei genial. Olhar estrangeiro é um documentário dirigido por Lucia Murat e foi lançado em 2006. O argumento veio da pesquisa de um professor do curso de Cinema da UFF, Tunico Amancio, que pesquisou as representações do Brasil em filmes realizados por estrangeiros e publicou o livro O Brasil dos gringos: imagens no cinema (Intertexto, Niterói, 2000) sobre o assunto. Essas representações são fortemente estereotipadas e deturpam escancaradamente a realidade. Nesses filmes, mulheres andam nuas ou de topless pelas praias, macacos convivem com as pessoas na cidade, há selva amazônica no Rio de Janeiro, nossa língua materna é o espanhol, nossas vidas são conduzidas a partir de rituais religiosos exóticos que reúnem candomblé, pajelança e sabe-se lá o que. Os homens são malandros, as mulheres são putas. Enfim, somos todos exóticos, sensuais e violentos selvagens.

Em Olhar Estrangeiro, Lucia Murat entrevista os realizadores desses filmes, questionando-os sobre como construíram essas imagens sobre o Brasil. Surpreendentemente, alguns deles nunca tinham vindo ao país ou apenas passaram por aqui brevemente. Ou seja, desconheciam a realidade sobre a qual discursavam em seus filmes.

Numa das entrevistas, a diretora diz a um realizador que no Rio não tem selva e ele responde que aquilo era uma invenção legítima. Quando Murat indaga como seria se se fizesse o mesmo com Nova York, o camarada faz uma cara de espanto, claramente indicando que o caso aí seria diferente! A gente sente uma revolta e percebe que a indignação também está presente durante todo o filme. Logo no início, a diretora finca uma bandeira verde-amarela como que demarcando o território da praia, largamente explorado nesses filmes, como coisa nossa.

O mais grave é que a maioria das pessoas “comuns” que são entrevistadas, de diversos países, repete os clichês propagados nessas obras, demonstrando o seu poder dessas em construir subjetividades através desse “olhar estrangeiro” que exotiza e inferioriza o outro, ao mesmo tempo em que lhe devota profundo desinteresse humano.

Gostei muito do filme, mas logo me lembrei que a produção seguinte da Lucia Murat foi o Maré, nossa história de amor, de 2007. Todos os moradores da Maré que conheço não gostaram desse filme, não se sentiram representados por ele, consideram-no ridículo e estigmatizante. E aí pensei o quanto seria interessante um filme como Olhar Estrangeiro voltado para problematizar os chamados “favela movies”. Com raras exceções, como é o caso de Uma onde no ar, de Hevelcio Ratton, de 2002, a produção cinematográfica brasileira recente que toca no assunto favela o faz com um olhar estrangeiro. A “violência” é sempre o centro, crianças muito pequenas aparecem com armas na mão como se isso fosse algo corriqueiro na maioria das favelas, o ambiente favelado é uma ameaça à vida dos que vêm de fora. Coloco “violência” entre aspas porque a violência que a indústria do entretenimento tanto gosta e explora comercialmente é apenas um tipo entre tantas outras formas de violência que permanecem invisíveis. Educação de má qualidade, saúde desmatelada, ausência de saneamento básico, moradias precárias, desrespeito aos direitos fundamentais de cidadania são violências invisíveis, que não incomodam tanto a “boa sociedade” e, portanto, não rendem tantos filmes. E, o que é pior, esses filmes invisibilizam outras formas de sociabilidade, não-violentas, que são parte do cotidiano das favelas. O que dizia Milton Santos para as ciências sociais pode bem servir para a nossa cinematografia: queremos ver o dia em que os estudos sobre a “violência” dos de baixo cedam lugar aos estudos sobre as redes de solidariedades entre os pobres, sobre suas sociabilidades, suas formas de lazer e de construir o mundo.

Qual o sentido de reforçar estigmas? A quem isso interessa? No bem intencionado filme As meninas, de Sandra Werneck, por exemplo, vemos histórias de adolescentes faveladas que engravidam. Por que separá-las do asfalto? Por que não mostrar a mesma realidade entre moças de classe média que também engravidam adolescentes? A impressão que temos é que se trata de algo específico da favela, o que não corresponde aos dados do Ministério da Saúde, que apontam para o problema da gravidez precoce como algo generalizado em nossa sociedade. Nos extras, a diretora chega a dizer que aquelas meninas vêm de famílias desestruturadas, que não têm exemplos familiares para seguir. No entanto, o que vemos nas telas são famílias, sobretudo as mães, mas pais também, organizando, dentro de suas possibilidades, o acolhimento da jovem mãe e seu bebê. Talvez, fossem as meninas de camadas médias, ao invés de “famílias desestruturadas”, utilizaríamos o termo “novos arranjos familiares”.

Não estou querendo dizer que os problemas não existem, mas sim que a maneira pela qual os retratamos pode contribuir não para a sua superação, mas sim para a sua perpetuação. O filósofo húngaro Georg Lukács criticava o naturalismo na literatura por mostra uma realidade estática, um estado de coisas sem processo e, portanto, imutável. Nessas narrativas sobre as favelas encontramos esse naturalismo que, a pretexto de retratar a realidade nua e crua, mostra um mundo sem saída.

O certo é que quanto mais os pobres forem estigmatizados, pior será a nossa sociedade. Porque a verdade é que, no mundo em que vivemos, haverá cada vez mais pobres, e temos de pensar em alternativas para a classe trabalhadora empobrecida que não seja o encarceramento em massa ou o extermínio, sob pena de nos desumanizarmos todos a cada dia mais.

Refletindo sobre todas essas coisas, eu me peguei desgostando de uma música que, quando ouvi as primeiras vezes, tinha achado muito bonita. Chama-se Nomes de favelas, de Paulo César Pinheiro. Sua letra diz assim:



O galo já não canta mais no Cantagalo
A água já não corre mais na Cachoeirinha
Menino não pega mais manga na Mangueira
E agora que cidade grande é a Rocinha!

Ninguém faz mais jura de amor no Juramento
Ninguém vai-se embora do Morro do Adeus
Prazer se acabou lá no Morro dos Prazeres
E a vida é um inferno na Cidade de Deus

Não sou do tempo das armas
Por isso ainda prefiro
Ouvir um verso de samba
Do que escutar som de tiro

Pela poesia dos nomes de favela
A vida por lá já foi mais bela
Já foi bem melhor de se morar
Mas hoje essa mesma poesia pede ajuda
Ou lá na favela a vida muda
Ou todos os nomes vão mudar



Acontece que o galo ainda canta no Cantagalo, água não corre mais quase que na cidade toda, menino não pega mais manga praticamente em canto nenhum do Rio e a Rocinha é cidade grande como a cidade da qual ela faz parte (ainda que na Rocinha todo mundo se conheça e os vizinhos, diferentemente do meu prédio, ainda se cumprimentem). Ninguém faz mais juras de amor no Juramento? Como assim? Que tipo de gente mora lá então? No Morro dos Prazeres não há mais prazeres? Seus moradores discordam! No Morro do Adeus, chegam e saem pessoas, como em qualquer outro lugar. E a vida na Cidade de Deus não é só inferno, pois o povo de lá também tem seus momentos de poesia.

E a vida tem de mudar só na favela ou é na cidade inteira? E quais mudanças queremos? São as do tipo “choque de ordem”, ocupação militar por unidades pacificadoras da polícia ou as que sejam construídas de modo democrático e cidadão, com o protagonismo dos próprios moradores de favelas?

Acho que já passou da hora de o povo favelado produzir filmes.

Fonte: www.fazendomedia.com

Rappin Hood Part Carlos da fé Quantos Morros

A CORDINHA DO ÔNIBUS (Por Luiz Henrique Dias da Silva).

Eu sou um cara que acredita que o mundo pode ser muito melhor e feliz. Mas ser assim causa uma série de transtornos, confesso. Há algum tempo venho tentando me desvincular de tudo que não fez bem para minha vida e, principalmente, para a vida da sociedade. Já faz algum tempo que excluí a televisão da minha vida. Medida radical para muitos, para mim foi uma decisão que poderei incluir entre as mais corretas que já tomei em minha existência. Claro, caro leitor, existem vantagens trazidas pela televisão como a informação jornalística e o cinema mas, em relação a primeira, eu prefiro procurar me informar com a internet ou em um jornal impresso (como este), onde eu posso escolher o que vou ler e não deixar uma caixinha iluminada (ou um moderno televisor de plasma) decidir por mim. É estranho, eu sei, mas sou feliz assim.
Outra novidade excêntrica é que não quero mais ter carro. Depois que vendi meu último, decidi abrir mão deste conforto. Lá em casa a discussão é pertinente, mas resolvo dizendo: podemos ter um carro sim, mas eu, quando estiver sozinho, vou me locomover sem. Já havia feito isso uma vez, quando morei em Porto Alegre. Tomei a decisão quando vi que o governador do estado na época, Olívio Dutra, ia de transporte coletivo, diariamente, até o Palácio Piratini. Quando perguntado o porquê pela mídia carniceira ele responde: “ eu sempre andei de ônibus”. Desde então passei a me deslocar usando os meios disponíveis: de ônibus (ou de táxi quando chove muito).

Quando viajo, pego ônibus do centro ao aeroporto e, chegando no destino, já me informo sobre as linhas. Geralmente me viro bem. Sei que o transporte coletivo no Brasil não é lá essas coisas, mas acredito que não resolveremos o problema se simplesmente comprarmos um veículo particular para fugir dos transportes de massa. Imaginem o dia em que todo o brasileiro realizar o sonho de ter o carro próprio? Vai ser um caos terrível! Vamos ter que tirar as casas e os gramados para construir mais e mais avenidas, aquelas chamadas arteriais que, ao contrário do nome, não levam vida nem oxigênio, mas sim o cinza e o barulho. Nossas cidades e nosso ambiente não vão suportar.

Pois bem... O que mais me agrada em pegar coletivo é poder reparar nas pessoas (claro, quando o ônibus não está muito lotado, aí a gente só quer sair lá de dentro) e pensar na vida. Tenho, também, aproveitado para relembrar minha infância, quando morava na Vila A. Minha mãe me trazia para o centro de ônibus. Eu adorava ficar sentado perto do motorista e ficar ouvindo o barulho do motor (que hoje acho horroroso, confesso). Mas o que mais me fazia feliz naqueles instantes era poder puxar a “cordinha”, uma espécie de fio de varal que serve para dar o sinal para parar. Lembro-me
que eu pedia para minha mãe (ou minha irmã Lígia) me erguer só para que eu puxasse. Quando somos crianças a felicidade é fácil e simples. E as crianças adoravam pegar ônibus. Isso ainda era no final da década de 80. Naquela época ainda embarcávamos pela porta de trás e, caso o leitor se lembra, a cordinha poderia ser puxada várias vezes, ao contrário de hoje, que ela só dá sinal uma vez.


Esta semana aconteceu algo muito triste no pequeno mundo que ainda tenho dentro de mim. Peguei um ônibus perto de casa em direção ao centro e, quando resolvi descer não encontrei a cordinha. Simplesmente não havia. Há muito tempo eu já sabia dos botões “baixos” que facilitavam a vida das pessoas de pouca estatura e dos portadores de necessidades especiais, mas eles (os botões) conviviam em harmonia com a corda do sinal. Mas abolir a cordinha foi, em nome do progresso, um retrocesso ao costume. Senti-me como um senhor de idade que entra no banco e tem que sacar seu dinheiro num caixa eletrônico. É difícil. Sai do cotidiano. Muda nossa vida de surpresa. É terrível.

(Luiz Henrique Dias da Silva é escritor, estudante de Arquitetura e Urbanismo e comunista (convicto). Ele se diz um analista Urbano-Social e costuma andar por aí, tirar fotos e conversar com as pessoas. O Luiz se preocupa com pequenos detalhes da vida como as “cordinhas” do ônibus. Achamos que isto é uma espécie de distúrbio. Não iremos recomendar um psicólogo desta vez. Já fizemos isso e ele não foi. Desistimos).

NOVELA DA VIDA REAL (Por: Lizal)

Mais um Cidadão José Cap. 45

O som do Racionais Mc's soava baixinho dentro da viatura. Os três ficaram espantados de ver os policiais escutando Rap. Um dos gambé aumentou o volume do som e perguntou com tom de deboche:

- Vocês gostam desse som, né? Racionais Mc's. A gente também gosta muito.

O policial foi passando de faixa e na coletânea só tinha Rap que batia de frente com a polícia. Numa música do grupo Realidade Cruel a letra dizia: “Todo Camburão tem um pouco de navio negreiro”. A música do Trilha Sonora do Gueto zoava a polícia de forma mais engraçada: “Dicumento, RG e bilitação, se não tiver em punga vai pro camburão”. A música do Facção dizia: “A polícia brasileira é a que mais executa no planeta”. Os três ficaram assombrados quando os policiais colocaram na música do grupo Thiagão e os Kamikazes do Gueto. A música chama-se Tático Assassino e critica o aparelho repressor do Estado, em especial a Rone Preta. A parte 1 saiu no Cd do grupo Conexão do Gueto, quando o Thiagão era um dos integrantes. A segunda parte saiu no Cd solo do Thiagão (Jardim de Pedras) e a parte 3 saiu no Cd de seu novo grupo: Thiagão e os Kamikazes do Gueto. Essa última é a que pega mais pesado com os gambé e é intitulada aniquilação. Uma parte da letra diz: “Ta na hora de viúva de PM acender vela”. A música que os policiais estavam escutando era a parte 1, a que ficou mais conhecida entre os ouvintes de Rap, e o refrão dizia: “Vich, pra parar de pé é muita treta / Tático assassino, pau-no-cú da Rone preta”. Enquanto a música tocava os gambés ficavam olhado pros três e rindo. Um deles perguntou:

- Som doido, né? A gente gosta muito dessa música. Vocês sabem por que a gente gosta dessa música?

Os três permaneceram calados. O gambé continuou:

- A gente gosta dessa música porque vocês falam nela que nós somos o ‘Tático Assassino’.

Os policiais começaram a rir sem parar. As risadas faziam eco viela abaixo.

- Vamos dar uma volta crianças. Ahahahahahahha....

Colocaram os três na viatura e partiram.

José acordou no meio da madrugada com os malucos buzinando no portão. Estava com muito sono e foi no banheiro antes pra lavar o rosto. De uns dias pra cá isso já era rotina, ser acordado no meio da noite pra carregar e descarregar mercadoria. O galpão estava lotado de drogas e produtos vindo do Paraguai. Recentemente esconderam maconha dentro do brinquedos, encheram o porta-malas do carro e pegaram a estrada. Antes de sair de Foz o carro foi parado pela polícia. Reviraram as sacolas e só encontraram brinquedos, mas apreenderam a mercadoria por não ter sido cadastrada ao passar pela aduana. Os brinquedos foram parar no depósito da receita federal e depois foi doado para a PROVOPAR que doou para o Clube de Mães do bairro onde José morava. No dia das crianças as mulheres do Clube de Mães, juntamente com a Igreja Católica organizaram uma grande festa para as crianças do bairro. Em frente a Igreja Católica existe um grande terreno abandonado que estava tomado pelo mato e pelo lixo. Na semana do evento os moradores se reuniram e fizeram em alguns dias o que a prefeitura não fez em alguns anos. Limparam todo o local, plantaram árvores, fizeram uma praça, e fecharam a semana com uma festa para as crianças. O evento contou com apresentações musicais, teatro, oficinas. O grupo teatral pintou o rosto das crianças e foram distribuídos doces e brinquedos. Um desses brinquedos foi parar na mão do Neguinho, o filho de José. A Preta levou-o pro evento e inscreveu ele nas oficinas de Hip-Hop. Entre os 04 elementos do Hip-Hop o Neguinho escolheu fazer a oficina de Mc. No final do evento ele apresentou-se junto com os outros Mc's, onde cantaram a música criada pelos alunos naquele dia. O tema escolhido pelos alunos para fazer uma canção coletiva foi 'Drogas' e cada um escreveu um pequeno trecho que cantaram lendo no papel. O refrão dizia: “Ele não conseguiu fugir da morte / na norte / no coração de quem ficou a dor é forte / partiu sem passaporte / as drogas exterminam te atrai, depois te usa / chamam os manos pra morte, mas quem é forte recusa”.

O Neguinho estava brincando com o seu carrinho e desconfiou que era pesado demais. Pegou uma faquinha de serra e desparafusou a parte de baixo do carrinho. Correu pra perguntar pra mãe o que era aquilo que estava dentro do carrinho. Era maconha. Outras crianças também acharam e no outro dia estava na manchete do programa policial.

A viatura estacionou numa rua deserta e escura. Ali perto tem uma mata e o local é usado como cemitério clandestino e espaço de desova de corpos. Os policiais tiraram os três da viatura e os amordaçaram. Na seqüência começaram a espancá-los. Um dos policiais começou a dar coronhada na cabeça e o sangue escorreu pela roupa.

De repente o celular de um dos policiais toca.

- Fala chefia.

- Fala Japão.

- Como é que ta?

- Correria.

- O cachê caiu na conta?

- Caiu em boa hora.

- Então, tenho outro trabalhinho pra vocês.

- Fala que eu te escuta.

- Você pode colar aqui no QG?

- Certeza. Eu to perto.

- Vou ficar aqui no aguardo.

- To indo praí.

O gambé assinalou pros comparsas pararem com a tortura. Chamou os três no canto.

- O Japão quer falar com a gente. Tem um trabalhinho pra executar.

- E o que a gente faz com esses vermes.

- Vamos zerar eles. – propôs o gambé mais exaltado.

Um engatilhou e colocou o canhão na cabeça de Luci.

- Essa vagabunda aqui, deixa comigo.

Outro colocou a pistola na boca do Mano Guina.

- Esse daqui vai ser só um pipoco na boca, pra não estragar o coro.

O chefe pensou bem e interveio:

- Espera aí, eu tenho uma idéia melhor.


(Lizal. Na próxima edição mais um capítulo)

OCUPAÇÕES URBANAS: Terra de alguém


No Rio, sem-teto se mobilizam por moradia digna

A bandeira do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) esticada em três janelas do prédio número 20 da Rua Alcindo Guanabara não deixa dúvidas: estamos diante de uma ocupação urbana de ex-moradores sem teto. Situada ao lado da Câmara dos Vereadores do Rio, a Ocupação Manoel Congo é um retrato da distância entre o poder legislativo e a necessidade real dos trabalhadores: ter uma casa para morar.

Por Júlia Bertolini e Tatiana Lima

Ocupar prédios públicos abandonados tem sido uma das soluções encontradas por dezenas de famílias da região metropolitana do Rio. O Ministério das Cidades estima uma demanda de oito milhões de novas casas no Brasil. Somente no Rio, faltam 450 mil casas. Ao mesmo tempo, existem cerca de cinco mil prédios abandonados na cidade e em seu entorno, segundo o engenheiro Maurício Campos, da Rede Contra a Violência.

Ocupação Manoel Congo

Hoje, 42 famílias vivem nos dez andares da ocupação Manoel Congo. Antes de conquistar este espaço, foram expulsas de dois outros prédios, também no Centro. Além da dificuldade de pagar aluguel, as famílias viviam em locais que sofriam com a falta de serviços públicos, como escolas e hospitais. “O Centro do Rio é uma boa opção. Oferece mais escolas e é mais fácil de ganhar algum dinheiro. Muita gente trabalha como camelô”, conta Lurdinha, moradora da ocupação desde outubro de 2007.

“Não foi fácil. Decidimos que só sairíamos desse prédio carregados”, admitiu Lurdinha. A ocupação sofreu forte repressão da Polícia Militar e da Polícia Federal. O poder judiciário carioca piorou a situação das famílias. “A suspensão da reintegração de posse já tinha saído em Brasília. Depois de muitas idas e vindas, conseguimos achar o documento e entregá-lo a tempo de evitar o despejo. Estava guardado numa gaveta”, conta indignada a moradora.

Vitória conquistada

Hoje, o medo do despejo parece estar longe. A Manoel Congo, em uma negociação histórica, conseguiu que o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) declarasse o prédio ocupado como bem de interesse social. O INSS é o maior proprietário de imóveis abandonados no país. O próximo passo será a compra do prédio através da verba no valor de R$916 mil do Fundo Nacional de Habitação. Serão usados
mais R$700 mil na recuperação das instalações. Hoje existem apenas dois banheiros e um tanque coletivo em cada andar.

Chiquinha Gonzaga: 70 famílias com casa para morar

“Durante cinco meses a rua foi o nosso lugar de organização, onde fazíamos as reuniões. Às vezes chovia, às vezes as pessoas se dispersavam, porque a fome era grande. Mas nós conseguimos”, conta o pedreiro Manoel, morador, desde 2004, da ocupação Chiquinha Gonzaga. Após anos de negociações, a Chiquinha, que abriga 70 famílias no Centro do Rio, conseguiu a cessão de uso do prédio do INCRA, que estava abandonado há décadas. Agora, os moradores da Chiquinha e da Manoel Congo aguardam o começo das obras. Lutam para empregar, na reforma, a mão-de-obra disponível dentro das ocupações. “Aqui tem muita gente que trabalha com construção civil. Por que chamar pedreiro de fora?”, comenta Manoel. Mas Maurício Campos adverte: “até que as famílias tenham um documento assinado que garanta o seu direito e sua permanência, nada está realmente

Poder público usa violência contra as ocupações

Recentemente, poder municipal, estadual e federal se uniram em uma ação de despejo. O prédio da Avenida Gomes Freire 510 estava ocupado há quase 30 anos de forma desorganizada. Em 2009, diante do impacto do interesse imobiliário na região e do “choque de ordem” do prefeito Eduardo Paes, os moradores decidiram fortalecer sua organização e se nomearam “Os Guerreiros”. Mutirões para a limpeza e até uma biblioteca foram criados. Em maio, porém, um incêndio atingiu cinco andares do prédio, causando a interdição pela Defesa Civil. “Existe a suspeita de que o incêndio tenha sido consequência de algum tipo de suborno pago pelos donos do Hotel vizinho à ocupação”, revela Elaine, participante do movimento. Depois do despejo, os moradores se organizaram e, após dormirem 40 dias na rua, ocuparam o prédio nº 234 na Rua Mem de Sá. A polícia militar ameaçou entrar à força, sem ordem judicial durante a primeira madrugada “Segundo informações, a prefeitura interveio diretamente para manter o prédio desocupado, para que ele recebesse outra função a partir do projeto de revitalização do centro”, conta Elaine. As famílias se uniram e ficaram acampadas na frente do prédio, mas acabaram expulsas. Guarda municipal, polícia militar e conselho tutelar pressionavam diariamente as famílias, inclusive com carros para levar as crianças para abrigos. Hoje, a Ocupação dos Guerreiros não existe fisicamente, e as famílias se dispersaram. Alguns estão em situação de risco, morando nas ruas. Outros estão de favor na casa de parentes ou amigos. Os governos municipal e estadual se recusaram a pagar aluguel social, mesmo com pedido de pagamento expedido pela justiça.

O crescimento econômico dos centros metropolitanos, aliado a uma “política de limpeza urbana”, expulsa as classes pobres das áreas centrais da cidade, e revitaliza locais antes esquecidos. O projeto de revitalização da Lapa, a perspectiva de reforma do Cais do Porto e o calendário de eventos da cidade,
como Copa e Olimpíadas, são alguns dos motivos para o endurecimento da ação do poder público frente às ocupações. (JB e TL).

Fonte: Revista Vírus Planetário nº 06