O GRITO DO LOBISOMEM
(Por: Wemerson Augusto)
Na cidade encantada o bicho da cara preta voltou a assombrar e desfilar pelas vias públicas e áreas rurais. Conforme o arquivo coletivo, a primeira aparição do lobisomem na província completou vinte anos. Foi em um banheiro feminino, na invenção de praia popular da localidade. Desdentado, descabelado, bruto, sujo, mal cheiroso, seboso e maldoso. Foram esses os sentidos dados pelos transeuntes desde a primeira vez que viram a apavorante criatura do pé virado e dos chifres cascudo.
As definições e formas para referir-se a assombrosa espécie multiplicavam dia-a-dia. Semelhante a velocidade das notas era a movimentação dos promotores do espetáculo na atrativa paragem.
Os humildes cidadãos que não tiveram a oportunidade ou desprazer de ficar cara a cara com o bicho tinham a sensação que o mundo estava tomado por seres esquisitos. As falácias davam a todo o momento informações de novas aparições e estereótipo do bicho. A guarnição policial foi acionada a prestar esclarecimentos. Nos boletins de ocorrência, mortes misteriosas de galinhas e galos em dois terreiros da cidade. Os finados não aparentavam marcas de maus tratos.
Ao lado de uma das ocorrências, um senhor que estava sentado em cima de uma lata de tinta enferrujada tentava explicar o fato. Inicialmente os homens fardados deram atenção ao depoimento do senhor de bigode falhado e dos cabelos grisalhos, que repetia o refrão: “É a crise. Antigamente, todo dia nessa esquina tinha galinha preta e mé pra gente tomá. Agora o capeta tem que vim busca ué”. O bafo do álcool, o forte cheiro do tabaco e a fala tremida colocaram a experiência do ancião em segundo plano. Mesmo desacreditado e ignorado, o senhor conhecido na vizinhança continuava a olhar fundo e pensativo o cenário que se desenhava no vilarejo. Um casal vizinho do idoso - colecionador de copos de aguardente - amedrontado com os episódios, literalmente foi vencido pelo medo. Tenebrosos com uma possível visita da criatura prepararam antecipadamente as malas e caíram no mundo.
Deixaram para trás a criação e o casebre com as portas abertas. Na vigilância do lar, ficou meia dúzia de pardais, fuçando entre as frestas do assoalho as migalhas do almoço. Nas paredes, retratos e panelas ficaram de registro de um dos moradores mais antigos do povoado distante.
O fim do mundo estava chegando para os moradores da comunidade. O povoado de poucas famílias passou a ser atração para dezenas de pessoas. Principalmente depois do retrato falado do bicho no diário e na telinha.
Os curiosos destroçavam milharais e mandiocais. As hortas pisoteadas não davam mais nada. As cercas cortadas não empunhavam mais restrições aos animais do pasto. O excesso era motivado pela ansiedade e curiosidade das pessoas, que gerava mais descontrole, confusão e medo.
Atrás dos caça fantasmas, uma única equipe de televisão da província. Do rastro das pessoas, a equipe simulava a presença das criaturas naquele devido local. De punho de câmeras e anotações os investigadores traçavam novas possibilidades.
Na narrativa televisionada com fundo tenebroso, a sensação era de que o lobisomem iria ser capturado dentro de poucas horas. Enquadrado como um ladrão de bujão de gás, a produção insistia em trazer a todo instante, novas revelações do paradeiro e estrago causado pelo animalesco.
Certamente chateado com as retratações fraudulentas feitas ao seu mensageiro legal, o capeta prometeu nunca mais enviar seu representante. Segundo consta, o lobisomem abriu o jogo quando foi prestar contas lá no trono com o velhote maldoso, e disse que não tem nenhuma relação com os crimes que ocorrem na província. Para tristeza do pessoal da bilheteria e das estatísticas, o
lobisomem não grita mais nas noites de lua minguante, cheia, nova ou crescente. Fontes infernais disseram com segurança: “De lá não vem mais ninguém”. Enquanto isso, as estatísticas desfavoráveis e a ineficiência dos serviços oferecidos aos vilarejos da província assustam os responsáveis que buscam a todo custo montar um novo picadeiro.
Wemerson Augusto é jornalista em Foz do Iguaçu. Participa do projeto Megafone, de comunicação cidadã.
Fonte:
Revista Escrita n° 4.
segunda-feira, 11 de agosto de 2008
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