Pichação Política no Rio de Janeiro (Por: Eliseu Pirocelli)
“Eu amo pichação”. Quando vi essa frase pichada num muro na região da Lapa, no Rio de Janeiro, resolvi procurar pela cidade outras frases para desenvolver esse artigo. Quem visita o Rio pela primeira vez fica impressionado com a quantidade de pichação e de grafite espalhados pela cidade. A maioria das pessoas que se deparam com essas paredes pichadas pensam que isso não passa de um monte de rabiscos provocados por vândalos. Essa forma de pichação é denominada Tag, que são as letras usadas – geralmente difíceis de serem decifradas - e são desenvolvidas para difundir o pseudônimo do pixador ou o nome de seu coletivo de pichação. Serve também como disputa entre os grupos, onde quem consegue pichar os lugares de difícil acesso, ou espalhar seu nome por toda a cidade, têm maior notoriedade.
Segundo a enciclopédia online Wikipédia, “Pichação é o ato de escrever ou rabiscar sobre muros, fachadas de edificações, asfalto de ruas ou monumentos, usando tinta em spray aerosol, dificilmente removível, estêncil ou mesmo rolo de tinta”. Geralmente, para o pichador a estética fica em segundo plano – o que o diferencia do grafiteiro – as pixações são feitas em uma cor só e não seguem um padrão artístico. A maioria das pichações que encontrei foram Tags. Sufocadas no meio dessas Tags aparecem diversas frases de contestação e de crítica ao governo e às questões sociais. “Abaixo a ditadura econômica”, “Liberdade para os presos políticos do Império”, “Paz é a gente que faz”, “Anule seu voto. Prefeitura corrupta”, “Israel transforma Gaza em campo de concentração nazista”, essas foram algumas das frases que encontrei durante minha busca.
Alguns críticos veêm também nas Tags uma manifestação de caráter política. Os pichadores não pedem autorização para deixar sua marca em uma parede, também não comercializam sua arte e muitas vezes os espaços pichados são monumentos, museus e ambientes que possuem valor histórico ou cultural. Eles acreditam que o pichador, interferindo e deixando sua marca pela cidade, está tranformando o local e dando um novo significado. Outros acreditam que, por muitos desses pichadores serem moradores de favelas e pela discriminação e preconceito que a periferia sofre por parte da elite, que vê os guetos como um mundo sujo, eles estão dando o troco e sujando também o mundo dos playboys com seus “rabiscos”. Conversei com um pichador que também desenvolve a arte do grafite no Rio de Janeiro (vamos chamá-lo aqui de João). João contou-me que o movimento dos pichadores no Rio de Janeiro é organizado e reúnem-se quinzenalmente para discutir política, arte, cultura e organizar protestos contra a repressão que os pichadores sofrem por parte do Estado. Disse-me que as Tags também representam uma pichação política, pois quando picham algum local que foi tombado patrimônio e que está abandonado pelo governo, estão chamando a atenção de todos para isso. Falou-me das pichações em Igrejas (na Candelária, por exemplo) nas paredes dos Bancos, em Postos Policiais; pichações que chamam a atenção da população para certas questões.
No ano passado o assunto foi polêmica no Brasil inteiro através da mídia que veículou duas grandes ações de pichadores que resolveram “mecher na água parada do poço” e provocar a sociedade. A primeira foi a pichação que aconteceu na Faculdade de Belas Artes em São Paulo e depois na 28º Bienal, o que acarretou na prisão da jovem Caroline Pivetta da Mota. Segundo a Constituição Brasileira, a pichação é considerada vandalismo e crime ambiental nos termos do art. 65 da lei 9.605/98 (lei de crimes ambientais), que estipula pena de detenção de 3 meses a 1 ano e multa. Geralmente os juízes aplicam penas alternativas como prestação de serviços comunitários ou doação de cestas básicas. Não foi o caso de Caroline, ela ficou detida por 50 dias por pichar a bienal. A prisão da jovem provocou manifestações e foi colocada em contraste com a prisão do banqueiro Daniel Dantas que praticou crimes bem maiores e ficou detido por muito menos tempo. Uma das frases pichadas na Bienal foi: “Abaixo a Ditadura” que protestava contra a ditadura da arte. Segundo o pichador Cripta, entrevistado pela revista Cultura Hip-Hop, quem dita o que é, e o que não é arte no Brasil, é a burguesia. Ele protestou por um amigo que desenvolveu um Trabalho de Conclusão de Curso na Belas Artes defendendo a pichação como uma manifestação artística. No dia da defesa de seu trabalho convidou seus amigos pichadores para uma intervenção de pichação ao vivo na faculdade. Acabou reprovado e expulso da universidade.
A Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro também foi alvo das manifestações dos pichadores. Ali eu coletei diversas frases de protesto pela causa estudantil. “Fim do Vestibular. Universidade para todos”, “Sorria você está sendo vigiado”. Em uma parede tem um desenho bem simples, a sombra de um corpo estirado no chão com um buraco na cabeça, como se tivesse sido assassinado. Segue-se a frase: “Estudante negro”. Pelas ruas do Rio encontrei pichações defendendo diversas causas. Democratização da Comunicação: “A Globo mente. Leia mídia independente”. A questão de Gênero: “Mulheres em luta”. Vegetarianismo: “Animais são amigos, não comida”, “Comeis mais vegetais”. União Latina Americana: a imagem de Hugo Chaves seguida da frase “América Latina Integrada”. Em um muro gigantesco tomado por grafites e pichações estava a frase: “Mantenha a cidade ilustrada”. Na parede de um prédio de luxo: “A burguesia fede”. Próximo a um salão de festa da elite: “Haloween é o cacete!!! Viva a cultura nacional”.
Eu defendo a pichação como uma manifestação artística. E defendo as manifestações artísticas que tragam uma perspectiva libertadora, de mudança, de construção de uma nova sociedade. Músicas com conteúdo, bons livros, filmes que não sigam os padrões holiwoodianos, mídias independentes que critiquem o sistema de governo capitalista em que vivemos, fotografias que trazem reflexões. Por isso incentivo os pichadores a cada vez mais deixarem nas paredes suas frases que fazem as pessoas refletirem sobre a realidade em que vivem, que é de suma importância em tempos de barbárie como os de hoje. Os pichadores que viveram durante a ditadura militar no Brasil usaram seus sprays para denunciar aquele regime anti-democrático, violento, assassino, repressor, opressor, corrupto e autoritário. Hoje o Brasil vive uma falsa democracia e esse regime mata tanto quanto a ditadura.
Pichadores de todo o mundo,
Sprays às mãos,
Vamos à luta!!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário