quinta-feira, 18 de junho de 2009

PIRATEADOS


Pirata é quem é saqueado? Ou quem saqueia? (Por Caio Amorim e Mariana Gomes)
As dificuldades enfrentadas pelas rádios comunitárias, pintadas como piratas pela mídia grande.

9 de Fevereiro de 2009 Policiais do Bope em conjunto com agentes da ANATEL fecham cinco rádios comunitárias na Cidade de Deus. Sete pessoas foram encaminhadas
para a delegacia da Polícia Federal. Computadores, antenas e notebooks foram apreendidos. 25 de Fevereiro de 2009 Agentes da Polícia Federal e Anatel fecham Rádio Muda, rádio livre que funcionava no campus da UNICAMP. Além dela, oito rádios foram fechadas em Campinas desde o início de Fevereiro na “operação silêncio”.
6 de abril de 2009 Polícia fecha quatro rádios comunitárias nos morros Bateau Mouche e Divina, em Campinho, no subúrbio do Rio de Janeiro. Só no estado do Rio de Janeiro
foram mais de 200 rádios comunitárias fechadas em 2008. Nos últimos meses, em todo o país, mas de 1,2mil tiveram suas atividades interrompidas. Números assustadores que nos levam a investigar um pouco mais sobre essas pequenas rádios e sobre os motivos de campanha tão intensa contra as chamadas radcom por parte das empresas de comunicação do país. Entramos em contato com a ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), responsável por regular a radiodifusão no Brasil. Por email, informamos que gostaríamos de saber sobre a “operação silêncio” na qual foram fechadas as rádios de Campinas. Responderam-nos o seguinte: “Não se trata de alguma operação da Polícia Federal?”. Insistimos e, para nossa surpresa, fomos convidados a denunciar as “rádios clandestinas”.

O assessor de imprensa parece não ter entendido
bem nossas intenções. No mesmo e-mail, obtivemos respostas como: “Não se deve confundir Rádios Comunitárias com Rádios não-outorgadas (clandestinas ou piratas). Uma rádio que opera clandestinamente pode causar interferências em rádios que estão devidamente regularizadas ou em outros serviços de telecomunicações. Essas interferências podem atingir equipamentos de um avião, o que aumenta o risco de
acidentes”. M u i t a s p e s s o a s lutam diariamente pela existência dessas pequenas
emissoras tendo como objetivo a democratização da comunicação. É o caso de instituições como a AMARC (Associação Mundial de Rádios Comunitárias) e a ABRAÇO (Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária), que reivindicam alterações na lei 9.612 de 1998 – responsável pela regulamentação das radcom. O objetivo é acabar com restrições que inviabilizam o processo de obtenção de uma outorga para as mesmas. Essa lei é motivo de reclamação para muitos militantes
de movimentos pró rádios comunitárias que alegam, por exemplo, que 1km de raio de
alcance – como determina a lei - não atinge a um número suficiente de pessoas. Pela
demora na expedição de outorgas do ministério das comunicações - devido à burocracia do procedimento -, muitas rádios são fechadas antes mesmo de conseguirem enviar a
documentação necessária. Uma interminável lista de documentos solicitados
e a legislação limitadora são as maiores dificuldades enfrentadas pelos responsáveis
por essas rádios. Além de organizações, pessoas também contribuem para o debate favoravelmente às rádcom. São pessoas como o engenheiro elétrico de Campinas,
Takashi Tome, que acredita não ser possível uma radcom interferir na freqüência
de rádios comunicadores de aviões. Entrevistado pela Vírus Planetário, o pesquisador em telecomunicações afirma: “qualquer sistema eletrônico pode interferir em outro, a não-interferência depende de boa conservação e regulação desses equipamentos dentro dos conformes da legislação.” Ele também informa que já ocorreram interferências no sistema de comunicação aeronáutico por parte de emissoras de rádio e televisão
comerciais.

Para Takashi, existem três diferentes classificações para rádios não-comerciais: comunitárias (licenciadas ou não); as autodenominadas evangélicas; e as rádios experimentais de baixa potência (rádios livres). “Na relação de interferências, não há um único caso que tenha sido provocado por rádio comunitária, nem por
rádio livre. Algumas rádios evangélicas usam equipamento sem filtro de saída, o que faz com que o sinal acabe se espalhando e causando interferência.” – explica o especialista.
Na contramão da demora para expedição de outorga para as radcom, o ministério das comunicações renova automaticamente e com extrema rapidez diversas outorgas de emissoras de rádio e tevê de grande porte. Essas emissoras vêm protagonizando uma campanha anti-comunicação comunitária. Espalhando mentiras e ajudando a criar o mito de que rádios comunitárias derrubam aviões, têm relações com narcotráfico local e veiculam conteúdo ofensivo. No dia 16 de abril de 2009, o governo Lula assinou
um decreto convocando a I Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM). O encontro será em Brasília, nos dias 1, 2 e 3 de dezembro. O tema “Comunicação: meios para a construção de direitos e de cidadania na era digital” será debatido por delegados representantes da sociedade civil – eleitos em conferências estaduais - e por representantes do poder público. Diversas organizações da sociedade civil que lidam com comunicação já estão organizando reuniões para realizarem as etapas regionais prévias à conferência nacional. No Rio, o movimento pró-conferência tem se reunido freqüentemente com o objetivo de tornar este processo o mais democrático e participativo possível.

No dia 8 de abril deste ano, a ANATEL realizou no aeroporto de Congonhas a destruição de oito toneladas de equipamentos apreendidos de rádios comunitárias.
Todos os equipamentos destruídos pelo rolo compressor eram, segundo a Agência, transmissores sem certificação e que poderiam interferir em sistemas de comunicação aeronáuticos. Entretanto, pela foto divulgada pela própria ANATEL, podemos observar
outros objetos como CDs, discos de vinil, microfones, aparelhos de som etc. Após a destruição dos equipamentos, a ABRAÇO divulgou nota demonstrando sua indignação. Na nota, a associação declara que entende esta ação da ANATEL como uma resposta
dos “setores conservadores da mídia brasileira, que se utilizarão de todos os seus meios para ganharem a opinião pública para a sua versão de democratização da comunicação e liberdade de expressão”. Dentre outros assuntos, a nota da ABRAÇO fala sobre o que
chama de “inoperância do Ministério das Comunicações, que atualmente conta com apenas 16 funcionários para atender a demanda de mais de 20.000 processos mofando no Departamento de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações”.

No texto, a ABRAÇO também rebate os argumentos utilizados pela ANATEL para legitimar a destruição dos equipamentos das rádios. A associação declara que irá interpelar judicialmente a ANATEL e seu gerente Regional de São Paulo, Everaldo Gomes Ferreira Às vésperas da I Conferência Nacional de Comunicação, vemos uma mídia grande usando de argumentos cada vez mais baixos para transformar em pirata
o que é legítimo e derrubar essas pequenas embarcações com seus poderosos transatlânticos.


“Existe alguma lei pra rico?”

Visitamos a rádio Estilo Livre do Vidigal, comunidade localizada entre Leblon e São Conrado, na zona sul do Rio de Janeiro. Subimos até o largo de mototaxi. Seguimos
a pé até o número 25 da rua Padre Anchieta, admiramos a vista maravilhosa e entramos
no estúdio por volta de 15h20 do dia 12 de março. Thiago (Jordan) estava apresentando o programa, enquanto Robert Pacheco, muito sorridente e simpático, nos cumprimenta e nos diz para sentarmos. A Rádio Estilo Livre 102,5 FM existe desde 97. As ondas externas de rádio são bloqueadas pelo morro Dois Irmãos, por isso, a emissora foi criada. “Graças a Deus, nunca sofremos nenhuma ameaça de fechamento”, nos conta o proprietário da Estilo Livre, José Wanderley. Por telefone, ele diz que já entrou
com quatro pedidos para concessão de outorga de funcionamento pelo ministério das comunicações, e, desde 99, ainda não obteve resposta. No estúdio, Pacheco nos diz que a rádio toca vários estilos musicais (funk, pagode, axé, rock, hip-hop, sertanejo). “A programação é feita pelos pedidos dos ouvintes” - declara. Sobre os fechamentos das rádios - com o apoio de forças policiais - ele diz não estar com medo. Para ele, essa campanha se deve ao aumento de audiência por parte das rádios comunitárias, significando concorrência para as rádios de grande alcance. “Estamos incomodando, muitas rádios grandes estão perdendo uma parte da audiência para rádios comunitárias, o que deixa as grandes com medo. Não há nada de clandestino nas rádios comunitárias.”- afirma.

Muito magoado com a perseguição das rádios comerciais contra as rádios comunitárias, Pacheco diz “somos colegas de trabalho, mas eles não nos respeitam”. Ele também lamenta os inúmeros requisitos necessários para as rádios comunitárias funcionarem, enquanto que a concessão das grandes rádios é renovada automaticamente pelo poder
público sem discussão alguma na sociedade. “Existe alguma lei pra rico? Só existe pra pobre! Pobre não pode fazer isso, nem aquilo.” Comentamos sobre as publicidades que falam da suposta interferência das rádios comunitárias no sistema de comunicação
dos aviões e o que ele acha disso. “Os burgueses vão sempre falar isso. Na realidade, o sonho deles era de que não existissem rádios comunitárias.”

Fonte: Revista Vírus Planetário IV

Nenhum comentário: