segunda-feira, 15 de junho de 2009

PAISAGENS PERIFÉRICAS

Um Breve Olhar Sobre Periferias do Rio de Janeiro e Foz do Iguaçu (Por: Danilo George).

As favelas de Foz do Iguaçu em sua maioria são praticamente invisíveis, localizadas às margens do Rio Paraná, ou áreas baixas, escondidas por becos, algumas próximas do centro administrativo e perto de hóteis de luxo, locais de difícil acesso e pouca visibilidade. Dessa forma muitos moradores estão pertos de periferias de lá e não se dão conta; se para alguns moradores é difícil localizar algumas áreas periféricas, imagina isso para um turista. No Rio de Janeiro os morros são em sua maioria visíveis, do trem, do carro, dos prédios, de lugares altos, é só olhar para cima, para os lados, eles estão lá. Parece que não há como esconder, aí entra o PAC com seu planejamento nefário da construção de grandes muros que irão cercar e esconder morros de todos os lados da cidade. Já que o Estado não é capaz de construir um plano social que combata e minimize a desigualdade social, então ele utiliza de formas higiênicas de “organização” da cidade e higienizar é camuflar, esconder, disfarçar essa desigualdade. Mas quando o assunto é camuflar a pobreza Foz do Iguaçu serve de grande exemplo, sabe empurrar e remover a população periférica como ninguém, que o digam os moradores de casas populares “Cidade Nova” e tantos outros projetos habitacionais que trazem a lógica da higienização da cidade, que conta com um forte investimento da Secretaria de Turismo e planejamento, ou seja dinheiro público que patrocina desde as propagandas turísticas e suas belas paisagens ao extermínio e afastamento da população “favelada”.

Percebemos que tanto no Rio de Janeiro como em Foz do Iguaçu que o Estado e seus aparelhos são utilizados para combater, esconder, massacrar as populações igual no RJ, pois ali não há a necessidade de proteger aquele local de uma facção rival, ou pela própria polícia e sua tenebrosa milícia, o armamento mais pesado de Foz do Iguaçu se concentra em áreas perto de barrancas de rios, principalmente do Paraná que
periféricas; irei apresentar algumas características próprias das duas cidades, para assim refletimos o viver urbano dessas cidades. As periferias de Foz têm o terreno normalmente plano, em Foz não há morros, as construções “irregulares” costumam ficar sobre rios e entre matas. Nesse sentido as crianças e moradores não sofrem com descidas e subidas íngremes, algo comum a lugares periféricos do RJ; em Foz os moradores sofrem muito com a distância do centro, da área de comércio, mas em relação com o espaço físico acredito que as crianças de lá têm mais espaço para brincar, pois mesmo na periferia é comum se ver áreas verdes que possibilitam as brincadeiras de rua, futebol etc. Em alguns morros cariocas o que parece ser comum é a brincadeira em lajes, os fios de alta tensão ficam muito próximos dos moradores, dessa maneira acredito que as crianças daqui estão mais vulneráveis a acidentes, há diversas escadarias, e o terreno costuma ser muito acentuado cheio de becos, comprometendo o lazer dos moradores. Em Foz algumas favelas lembram uma espécie de chácara, é comum haver plantações, hortas e agricultura familiar nesses locais, que de certa forma subsidiam e salvam muita gente da fome, é comum você ouvir de um morador de lá, não passei fome, pois tinha minha hortinha, tinha um pé de abacate, entre outras culturas. No RJ o grande aglomerado de casas não possibilita a plantação quanto o cultivo de hortas etc, dessa maneira vejo um ponto positivo ao pensarmos a questão do espaço na periferia Iguaçuense.

Em Foz não existem facções, e raramente há rixa de quebrada com quebrada, não há um armamento pesado faz fronteira com o Paraguai. Mas nem por isso temos que nos conformar, enquanto estiver uma criança, um jovem armado é motivo para tentarmos mudar essa realidade. No RJ há um código tácito e moral muito mais presente na realidade dos moradores, a idéia de pertencimento é mais propagada, é visível o orgulho em ser “cria” daquele local, ou seja nasceu, cresceu, sobreviveu e muitas vezes envelheceu naquele lugar, assim não é comum no RJ um morador passar por diversos bairros de diferentes locais, se busca um enraizamento naquela favela, naquela região, a questão migrante em Foz é mais “comum” pois não há disputas por grupos rivais, um morador ser de tal área e se mudar para outra não há restrição ou diferenciação, pelo menos explicitamente. Boa parte da população periférica de Foz do Iguaçu, já residiu em mais de uma favela, é comum o transito por várias áreas. A questão da migração no RJ é evidente o traço nordestino, que compõem boa parte da mão de obra da cidade, muitos são comerciantes, donos de bares, tendas, biroskas, das áreas periféricas, se escuta o forró e músicas tradicionais daquela região nesses estabelecimentos. Em Foz é comum você ver paraguaios nessas áreas, há uma imagem constituída de que a Itaipu construiu a cidade e um local como o Porto Meira - um grande complexo habitacional que abriga boa parte dessa população - revela como a mão-de-obra paraguaia foi útil e serviu aquela cidade, outro traço marcante da cultura paraguaia na periferia é sua bebida tradicional o “tererê” um mate gelado, composto por ervas, servido com água gelada.

Em Foz a população é carente de lugares de lazer, raramente há bailes, não há tanta movimentação na rua, a população fica mais em casa, é comum jovens dessas áreas percorrerem praças centrais, ou locais freqüentados pela classe média. Não há uma divisão de classes tênue, o contraste não é tão visível quanto ao RJ, mas existe e é cruel. A especulação imobiliária de Foz ainda não está claramente estabelecida, a territorização burguesa começa a se estabelecer no inicio dos anos de 1990, ainda há áreas que o mercado de imóveis não conseguiu se instaurar. No RJ a questão da zona sul, zona norte, revela um pouco da divisão social da cidade, e de uma lógica funcional da especulação imobiliária com a valorização de terrenos e imóveis de algumas regiões. Devido aos produtos importados do Paraguai, boa parte da periferia de Foz conta com aparelhos dvd´s, computadores, mp3 entre outros, a favela lá é bem digitalizada, talvez seja por isso que não tenha tantas lan-houses como no RJ. Há também a entrada desses produtos nos morros cariocas, mas numa escala menor uma vez que esses já chegam aqui super-faturados pelos impostos brasileiros. A palavra MC ainda não é tão presente em Foz, no RJ é bem mais difundida. Em Foz do Iguaçu é comum se dizer eu canto Rap, sou Rapper, agora eu sou MC ainda não é muito divulgado, o orgulho em se dizer MC é perceptível no RJ, assim muitos mostram que ser MC é seu trabalho, vivem da música. O MC do RJ está normalmente relacionado ao Funk, quando se fala em RAP no RJ é funk, assim você escuta “Rap das armas” “Rap do Salgueiro” que são Funks, o Rap de Foz é chamado aqui de Hip-Hop, há um pouco de confusão, essa discussão é complexa e não me aprofundarei aqui. São muitas diferenças, culturais, sociais e econômicas sobre essas duas cidades tão distantes, mas há algumas semelhanças.

Tanto Foz quanto RJ são cidades turísticas cujos cartões postais percorrem o mundo inteiro, mas na verdade boa parte dessas populações ainda não tem condições de desfrutar desses lugares, de conhecer e pisar nos paraísos naturais, os símbolos oficiais das cidades parecem ser encarado com um desmazelo pela população periférica dessas cidades, creio que isso acontece por que na verdade a maioria das pessoas não podem ir nas Cataratas do Iguaçu ou no Pão de Açúcar, pois não se tem o acesso a esses locais; fica a nítida impressão que os moradores das periferias não se vêem pertencentes e participantes daquele local, e assim constituem da sua forma, do seu modo, um resignificado para seus símbolos, e os diversos lugares da cidade. Em alguns Morros cariocas, assim como em algumas favelas de Foz do Iguaçu, boa parte da população não conta com água potavél, assim é comum a comercialização de cloro e fluor em garrafinhas para misturarem na água. Na Mosca, Morenitas, em Acari, no Morro do Estado entre tantos não há Água potável e a solução encontrada é a mesma, contar com a solidariedade do vizinho, do amigo que instalou um filtro em casa, ou levar latas na cabeça até um poço mais perto, ou andar um longo trecho com garrafas PET e com muita labuta conquistarem finalmente a água tratada.

(Favela da Morenitas - Foz do Iguaçu).


(Morro do Estado - Niterói)
____________________

O popular GATO também é comum nas favelas iguaçuenses e nos morros cariocas, é a simples maneira que eles, inventores e reinventores do cotidiano, criaram a sua forma de resistência popular para se incluir no mundo globalizado, os moradores das favelas também querem Internet, TV a cabo, mas em sua maioria lutam pela simples energia elétrica. O que é muito comum nessas duas cidades tão diferentes? É a forma como os moradores são discriminados, tratados e representados nos programas sensacionalistas. Nas duas cidades no hórario do almoço passam programas policiais que disseminam um olhar fascista que contamina boa parte da população. Em Foz do Iguaçu o programa se chama Naipi Aqui Agora, no RJ se chama Balanço Geral. Em Foz é apresentado por Luciano Alves (SBT), no RJ por Vagner Montes (RECORD), ambos parecem ter a mesma visão, para a qual a “periferia” é, por excelência, o lugar de violência e criminalidade, e deve ser imediatamente controlada, combatida, mesmo que para isso tenha um grande custo, que é as de milhares de vidas dizimadas pelo incentivo da força policial e da propagação e liberação da violência que é legitimada todo dia pelo Estado.

O nosso desafio é romper com essa prática perversa que se propaga diariamente e tenta causar na periferia um inferno urbano, precisamos reconstruir o sentido de favela, morro, ocupação, desmistificar a origem da pobreza e riqueza, e isso significa que temos ainda que defender um sentido muito primitivo, o de conscientizar as pessoas que as periferias são simplesmente um lugar comum de gente comum, que come, trabalha, canta, dança, sorri, chora, luta e antes de tudo que sobrevive a essa barbárie.

(Danilo George, historiador e pesquisador das camadas populares de Foz do Iguaçu e do Rio de Janeiro. Não vê nesses locais a violência e a selvageria posta na grande mídia. Ele deve está louco).