domingo, 5 de julho de 2009

NOVELA DA VIDA REAL (Por: Lizal)

Mais um Cidadão José Cap. 40

- O Mano Gê tem uma surpresa pra você.

O mano Pio falou e continuou sério, com a cara fechada. José ficou apreensivo e sem saber o que falar. O clima no carro que já estava friozão ficou mais ainda. Enquanto o carro se aproximava da Favela do Lodo se desenhava em sua mente mil hipóteses. “Será que o doido descobriu que não fui eu que empurrei o gambé?”. “Será que isso é alguma casinha de caboclo?”. Pensou em pedir pra parar o carro e dar uma idéia de que ia comprar uma cerveja e no desbaratino dar um perdido no doido. Mas o carro já adentrava as ruas de calçamento da favela. Ficou torcendo pra encontrar o Mano Dé ou algum outro conhecido por ali, ainda mais quando o carro parou e os dois desceram a pé por uma viela de chão de terra. O lugar lhe parecia familiar. Lembrou que desceu por ali da outra vez que foi conhecer a quebrada. No fim de uma outra viela havia três pessoas paradas em frente a um portão. José ficou aliviado quando percebeu que era o Mano Dé que estava ali junto com o Mano Gê.

- Salve José. Essa aqui é minha mina, a Marina. – disse o Mano Dé, com alegria por rever o amigo.

O Mano Gê jogou um molho de chaves na mão de José e ele não entendeu nada. Tentou disfarçar e ficou olhando ao redor. Lembrou que já esteve ali outra vez com o Mano Dé. Aquela casa onde estavam parados em frente foi construída encima do terreno que ele ganhou do Mano Dé.

- Vamos entrar mano. – Disse o Mano Gê.

O muro que cercava a casa era bem alto, talvez o mais alto do bairro. José abriu o cadeado do portão de ferro e entrou no quintal observando os entulhos da construção amontoados no canto do muro. A casa era de tijolo, sem reboco e tinha uma grande área coberta na frente. José abriu a porta e viu que tinha alguns móveis na casa, mesa, cadeiras, fogão, geladeira.

- Então Zé, a casa é sua. Depois a gente conversa pra parcelar o material de construção que foi usado. A gente tava ligado na sua condição, sem lugar pra morar e tal, e essa quebrada é muito estratégica pros nossos planos. Como você é um mano de confiança, nada mais justo neh.

José entrou no quarto e viu que tinha uma cama e um guarda-roupa. No banheiro tinha chuveiro com água quente. A luz e a água era no gato.

Sentaram-se na área e ficaram trocando idéia. José percebeu que havia mais uma peça, colada com a casa. Não quis perguntar pro Mano Gê, mas descobriu logo após quando um carro encostou na frente da casa e buzinou. O mano Gê pediu pra ele abrir o portão grande e o carro entrou dentro do quintal. Ele pegou a chave com José e abriu o galpão construído para guardar mercadoria. Os dois malucos que estavam no carro começaram a descarregar algumas caixas e guardar no galpão saindo em seguida. Ali José percebeu na armadilha que estava entrando e que talvez não conseguisse se livrar disso. Estava subindo de cargo dentro da organização e estava gostando da grana que estava ganhando. O tratamento também foi algo que lhe impressionava muito, nunca foi tratado tão bem pelos amigos como está sendo tratado agora. Conquistar a casa própria sempre foi o sonho de José e de muitos outros moradores de favela. Mas, José estava se sentindo um pouco cabuloso por ter conseguido sua casa nessas condições. Como sairia do tráfico agora, como escaparia dessa roubada que ele caiu de páraquedas?


As pedras estavam se encaixando no tabuleiro. Da lista que foi entregue na última reunião, quase todas as pessoas já haviam sido executadas, inclusive os policiais. A articulação com a máfia chinesa e árabe já estava firmada. Nos contêineres vindos da china chegavam misturados a mercadorias caixas com armamento e com drogas. O próximo ataque seria na quebrada do Japão, o maior rival da quadrilha do Mano Gê. José foi convidado pelo Mano Dé para participar de uma reunião na sede da Associação de Moradores. O barracão fica no centro da favela e conta com um telecentro de informática e uma biblioteca comunitária. Havia umas vinte pessoas na reunião. A pauta era sobre a repressão policial que o povo da favela vinha sofrendo. As operações na favela se tornara mais expressiva e o uso da força encima dos jovens estava indignando os moradores. Trabalhador sendo humilhado, jovens apanhando na cara, assassinatos, extorsão, cobrança de propinas, invasão a domicílio sem mandado e na madrugada. Aquele grupo estava se organizando para buscar dentro da lei uma forma de se defender desses abusos. Naquela noite estava presente alguns estudantes de direito que tem uma posição política mais à esquerda e que estavam dispostos a ajudar. Estavam presentes também representantes da Comissão de Direitos Humanos para contribuir com a luta e mostrar um direcionamento, um caminho que poderia ser tomado para fazer as denúncias e assim obterem um resultado mais eficiente. Além das pessoas envolvidas nos trabalhos da Associação colou também militantes do Movimento Hip-Hop, do MST e do Movimento de Luta pela Moradia. A reunião foi agitada e rolou muita discussão.

Algumas pessoas mais “radicais” defendiam o uso de armas para um enfrentamento de igual para igual, mas a maioria decidiu a via pacífica. Da reunião saiu um manifesto com o título “Paz sem Voz é Medo” chamando a população para juntar-se na luta contra a violência repressiva do Estado. O manifesto discutia ainda a crise mundial do capitalismo e a política de extermínio de pobre que vem acontecendo no Brasil por parte do Governo. Ficou firmado a organização de um evento para 15 dias após a reunião. Um evento não como festa, mas sim como um ato político de luta contra o sistema capitalista, buscando uma sociedade socialista, mais justa, uma transformação social, a construção de uma nova sociedade. Além da distribuição de panfletos e informativos, as apresentações do evento foram bem pensadas pelos organizadores. Começaria com cinema ao ar livre na rua e depois apresentações de Hip-Hop, Teatro, Capoeira, exposições de fotografias, varais de poesia e samba de raiz.

(Lizal. Na próxima edição mais um capítulo)

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