terça-feira, 6 de janeiro de 2009

NOVELA DA VIDA REAL

Mais um Cidadão José Cap. 34

José não botava fé naquela parada. Até queria acreditar que era o Mano Branco que estava vindo ali, mas não acreditava. Talvez um irmão gêmeo. Mas nunca soube que ele tinha um irmão gêmeo. Lembrou da última reunião, onde os malucos pegaram o Mano Branco pelos braços e levaram em direção à barranca do rio. Os ecos ainda zunem em seus ouvidos. Toda vez que lembra desce um gosto amargo garganta abaixo e vai até o estômago. Mas ali estava o maluco, a alguns passos de José. E vinha sorrindo, alegre, por rever os amigos. Poderia ser um fantasma, uma ilusão da mente de José. Poderia ser outra pessoa com traços físicos parecidos ao de seu amigo finado.

- Salve rapaziada. – disse o Mano Branco com entonação.

A voz era a mesma. Ele começou a abraçar os amigos até chegar no José. Abraçou-o forte e deu alguns tapas nas suas costas. José percebeu que era seu amigo mesmo e ficou encucado. “O que será que aconteceu?”.

- Fiquei sabendo da fita Zé. Cê é zica memo hein!!!

- Carái tio, cê ta vivo.

- Mas é lógico!!! Ninguém morre na véspera, meu querido.

José ficou sem jeito de perguntar na frente dos outros malucos o que aconteceu, ficou esperando uma oportunidade de conversar sozinho com o amigo.

Entraram no galpão. Dezenas de malucos estavam trabalhando, processando as folhas de maconha para transformá-las em tijolos de 1 kg para a comercialização. Do lado de trás do barracão a plantação se estendia por alguns quilômetros e vários malucos estavam trampando na colheita. Próximo dali havia uma casa de madeira bem grande onde o Mano Branco estava morando. Foram até lá. Quatro mulheres se agilizavam na cozinha, preparando o almoço pros funcionários. Na casa não tinha energia elétrica. No quintal tinha um poço e uma grande horta. Um senhor mexia na terra. Tinha de tudo plantado ali, repolho, alface, tomate, couve, mandioca, milho, quiabo. Mas pra baixo tinha uma pequena granja com dezenas de galinhas e um pequeno chiqueiro com alguns porcos. Também criavam alguns bois e vacas leiteiras. Sentaram todos na sala que contava somente com alguns sofás velhos.

- Branco, o José vai ficar uns dias aqui com você, até baixar a poeira lá no Brasa. – disse o Mano Gê.

- Pó dexá. Ele vai curtir a vida no campo.

Uma das mulheres que estavam trabalhando na cozinha entrou na sala com uma chaleira e algumas xícaras. Era paraguaia, mas falava bem o português, sem muito sotaque.

- Vamos tomar um pouco de cosido até sair o almoço.

O cosido é uma espécie de chá feito com leite e erva mate. Os paraguaios mais antigos acendem uma brasa e queimam a erva-mate antes de misturá-la ao leite. Já faz parte do café da manhã dos paraguaios. José gostou do que estava tomando e ficou matutando como os brasileiros nunca pensaram em fazer uma bebida dessas. Na peça ao lado, as mulheres arrumavam a mesa. Era uma peça grande, improvisada com uma grande mesa, tinha mais de trinta lugares. Serviram arroz, salada de poroto, salada de repolho com tomate, sopa paraguaia, frango assado, mandioca e suco de pomelo. Os funcionários comiam com voracidade, estavam de larica, pois a maioria deles, enquanto trabalham, ficam fumando um baseado.


Depois do almoço, o Mano Gê e o Mano Pio foram até um bosquezinho próximo dali. Tinha algumas redes armadas nas árvores, deitaram lá para tirar uma sesta na sombra das árvores. José e Mano Branco foram trampar. Dezenas de Vans e Caminhonetes chegaram ali para comprar maconha. José ficou conferindo a quantidade de tijolos e dois paraguaios carregavam até os veículos. A tarde foi movimentada e só 17:30hs José conseguiu perguntar pro Mano branco:

- Tio, o que aconteceu aquele dia? Disseram que você tinha traído o grupo e te levaram pra barranca. Eu escutei os tiros. Achei que você estava morto.

- Teatro Zé. Vou falar pra você, porque você é camarada. Aquilo foi tudo armação. Foi uma forma de botar respeito no grupo. Isso aí ta no livro da Arte da Guerra que o Mano Gê tava lendo aquele dia. Se o cara ta cortando o pescoço de um mano de confiança, por uma suposta traição, vai conseguir colocar ordem no grupo, ninguém vai querer sair da linha. Se alguém cair, vai pensar mil vezes antes de caguetar algum mano. Certamente vai segurar o beó. O Sun Tzu sabia do que estava falando.

- Entendeu.

Antes de escurecer um caminhão levou os trabalhadores até a estrada mais próxima onde eles podiam pegar um ônibus. Ficou na casa somente o Mano Gê, Mano Pio, Mano Branco, José e dois paraguaios. Lá fora a escuridão se alastrava. Eles estavam ali conversando iluminados pela luz da lamparina.

- Que monotonia que é isso aqui de noite. Como você consegue Mano Branco?

- De vez em quando eu dou uns rolê por aí.

- Pra onde? Aí pra fora só tem mato.

- Pego meu Chevette e vou pro centro de Hernandárias, é bem movimentado.
Tem várias gatas.

- Eu acho que você vai é pro quilombo. – brincou um paraguaio.

Quilombo é o que nós chamamos de Zona. Ali em Hernandárias tem dezenas delas.

- De vez em quando eu vou mesmo. Não nasci pra semente. Eheheheheh.

- O que vocês acham de nós fazermos um rolê desses? – intimou o Mano Pio.

Todos concordaram. Os seis malucos foram no carro do Mano Gê. Quatro doido se espremia no banco de trás.

- Isso aqui ta uma lata de sardinha.

- Coloca um som aí truta. Esse carro ta parecendo um cemitério.

O Mano Pio que estava no banco da frente abriu o porta Cd.

- Mas aqui só tem rap.

O Mano Gê olhou pra ele com olhar de desaprovação.

- Põe esse cd que ta escrito Coleta Rap de Foz. Foi um truta que gravou pra mim.
O primeiro som que rolou chamava-se Entre Cédulas e Pétalas do grupo Quinto Naipe de Foz do Iguaçu. Os batidão da música empolgaram os malucos.

- Carái, que sonzera.

“Na sede pelas verde os interesse se consagra / fartura é o que procura em tempos de vaca magra / (...) ousadia em quantidade estiga e liga os papagaios / Alicia menor de idade a ficar de para-raio / (...) especialista pra ter richa, se afoga nas suas mágoa / com as mixa faz seu carro virar droga no Paragua / pega os quilo dos verdinho, no segredo das pedrita / na carga de brinquedo pega estrada pra Floripa / (...)”.

- Ahahahah. Esses malucos ta falando de nóis!!!!

“Sonhei com um jardim de cifrões / e limpava a boca com cédulas / porém não conhecia o amor / podavam-se as rosas / murchavam-se as pétalas (...)”.

Os malucos acenderam um baseado, sem se fragar na verdadeira mensagem da música.

(Lizal, na próxima edição mais um capítulo)

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