terça-feira, 6 de janeiro de 2009
UMA ENTREVISTA
Salve, salve... Começamos o ano com uma entrevista com o mano Danilo George Ribeiro. Esse mano natural de Ivaiporã, zona norte do estado do Paraná, veio com os pais pra Foz com dois anos de idade e hoje se considera um cidadão iguaçuense. Se formou recentemente em História na UNIOESTE de Marechal Cândido Rondon e elaborou trabalho de conclusão de curso sobre o Hip-Hop de Foz do Iguaçu. A seguir a entrevista realizada no bairro Cidade Nova no mês de dezembro com esse maluco que tem 22 anos de idade e muita idéia pra trocar.
Z – Porque você resolveu ir pra outra cidade estudar história?
Danilo – Bom, quando eu pensei em fazer história eu pensei em buscar uma universidade pública. Eu acho que é um direito nosso, né, tentar buscar uma universidade pública uma vez que a gente paga imposto, paga pro Estado pra ter esse direito. O certo seria se a gente tivesse um curso de história público em Foz; que possibilitaria pra mais gente ta fazendo esse curso, não só esse como outros, né. É uma vergonha uma cidade como Foz não ter uma universidade pública que abrange outras áreas outros cursos né, porque a UNIOESTE aqui ela ta voltada principalmente para a área de elétrica que está destinada a Itaipu, ta destinada ao setor hoteleiro, curso de hotelaria, curso de administração, e de certa forma a área de humanas aqui ficou só com letras e pedagogia. E Foz é uma cidade que pode ser considerada um amplo laboratório social, então pras pessoas aqui poderem cursar humanas seria espetacular, o que nós assim poderíamos aprender com a cidade e o que ela pode nos trazer. Eu fui pra Rondon devido eu ta buscando um curso público, mas de fato a questão financeira é um obstáculo né, ela é complicada, né, porque eu tive que me deslocar, eu não pago lá pra estudar, mas eu tenho que pagar aluguel, eu tenho que pagar uma série de coisas, né. Eu venho de uma classe média e devido eu estar nessa classe média eu tenho a possibilidade de ta saindo aqui de Foz. Agora, quantos irmãos queriam ta fazendo uma faculdade fora e não tem a oportunidade, a possibilidade de ta estudando. Então eu acho que é uma coisa que a gente tem que ta aí voltando e cobrando dessa cidade, a cidade já passou dos 300 mil habitantes, tem uma grande juventude e não tem faculdade pública que atenda a população.
Z- Tem alguma razão em especial em optar pelo curso de história?
Danilo – Olha, eu acho que um pouco de eu gostar de história, acho que é culpa de meus professores, né, eu tive excelentes professores na graduação, não só de história como redação, geografia. Matemática exatas no caso, eu sempre fui mal, nunca me interessei, sempre tive dificuldade, física, química, esses negócios nunca me despertaram interesse. Quando eu pensava no mundo, quando eu pensava num monte de coisa que me incomodava a área de humanas parecia que me instigava, daí eu escolhi o curso de história de certa forma pra subsidiar e tentar explicar essas coisas. Mas de fato muita coisa não tem explicação, né, a gente às vezes busca explicação e só se confunde mais, o mundo é muito contraditório. Eu posso dizer que nunca gostei de fazer cálculos, mas sempre gostei de ler e de escrever, então eu vi que a história assim, a área de humanas era a minha área. Eu também nunca me interessei pela área de saúde, eu odeio hospital, eu não gosto, nunca pensei em trabalhar de terno, nada assim muito formal. Então dessa forma eu sempre achei interessante pensar em educar, em ta aprendendo com os alunos, ta conhecendo pessoas, né. O meu pai de certa forma ele é professor de artes marciais, né, não é professor de ensino, mas ele sempre trouxe essa experiência pra casa de ta trabalhando com gente, com alunos, de ta aprendendo com eles, acho que isso também me influenciou um pouco.
Z – E dentro da história por que você escolheu o Movimento Hip-Hop de Foz do Iguaçu como tema do seu trabalho de conclusão de curso?
Danilo – Olha, eu posso dizer que na verdade não foi assim, a gente não entra na faculdade imaginando o que a gente vai escolher, talvez o objeto de estudo que escolha a gente né, é um processo de 4 anos aonde a gente estuda diversas coisas, diversos processos históricos; mas de fato no ano de 2005, o ano que ingressei na UNIOESTE eu fiz um trabalho com a professora Geni Rosa Duarte que é minha orientadora, no qual a gente tava organizando um acervo de vinis, né, de músicos antigos, então naquele caso eu fui me interessando em trabalhar com história e música. Então, assim, aquele trabalho foi importante porque eu conheci Jorge Bem e diversos músicos mais antigos no vinil através dela, conheci outros sambistas como Sinhô, né, até como Almir Guineto entre outros e fui organizando um acervo. A partir daí eu fui percebendo que a música ela tem uma capacidade, você faz uma música e dentro da música tem um contexto histórico, tem uma processualidade, então eu escutava aquele samba, na história tinham trabalhos escritos que datavam a relação do samba com o cotidiano do morro, as musicas daquele período narravam por exemplo a movimentação dos moradores, a relação com a polícia, os malandros, então isso me chamou bastante atenção. Então posteriormente nesse trabalho eu comecei a perceber a relação histórica que tem a música com a cidade. Só que a maioria desses sambistas falavam da realidade do Rio de Janeiro, né, a partir daí eu mergulhei na área de historia e musica e fui percebendo, até a questão da negritude que é um traço marcante do samba de raiz. E no começo de 2006 eu montei um projeto, ganhei uma bolsa de iniciação científica no qual eu busquei trabalhar com 4 compositores, né, que foi o Sinhô – um compositor de samba, boêmio -, foi o Chico Sience, foi o Jorge Ben e foi o Mano Brown. Então eu peguei praticamente 4 cidades diferentes, que de fato o Sinhô falava um pouco da boemia ali de uma parte do Rio, da capital, o Chico Sience falava do Recife, o Mano Brown falava da zona sul de São Paulo, né, e até o Jorge Ben falava do Rio, mas o Jorge Ben não falava tão da periferia, ele falava mais da área do litoral ali, a questão da praia, a questão do rolê, do futebol, do Maracanã, de outras coisas, né. Mas ali naquela pesquisa eu fui percebendo, né, eu fui buscando tentar entender mesmo sem conhecer naquela época o Rio, um pouco da história do Rio, e textos de historiadores me ajudaram a subsidiar, mostrando que aquela música não tava vaga, não tava solta, ela tava relacionada ao vivido deles, né. O que me chamou a atenção foi que, eu sempre desde os 12, 13 anos gostei muito de rap, né.
O som do Racionais assim eu posso dizer que foi algo muito marcante na minha vida, eu acredito que como muitos eu conheci eles através do Sobrevivendo no Inferno, no caso a música que mais me chamou a atenção quando eu era moleque foi o Mágico de Oz, eu tinha o Mano Brown como um líder, como um exemplo. Muitas redações na minha escola foi baseada no rap, né, o Face da Morte também, o Aliado G, na época o Gog também muita rima que ele falava eu copiava na escola, discutia através deles na redação. Então eu já tinha essa relação. Voltando a falar do trabalho ele foi dividido em 4 partes, o Mano Brown ficou por último, né, mas de fato quando eu pesquisei ele, comecei a pesquisar a história do Racionais, a vivencia periférica, posso dizer que eu me envolvi de vez, assim né. E o que aconteceu? Eu tava adaptando uma realidade que eu não conheço, né, não conhecia, não conheço São Paulo, muitos menos a periferia de São Paulo, mas através do Racionais tentei entender aquele processo. Foi aonde alguns historiadores chegaram perto de mim e falaram: “Olha, você devia fazer uma pesquisa em Foz, cara. Todo mundo sabe da contradição que é a cidade, né, uma cidade turística, mas todo mundo sabe da violência, do contrabando, do tráfico, de todas aquelas questões da periferia”. Foi quando eu conheci um historiador que ele fez um trabalho muito interessante na região do Porto Meira que foi onde ele se criou, o Emílio Gonzáles, trabalhou com a questão da favela da Morenitas que ele é de lá, ele pesquisou áreas de ocupações, então eu fui buscando perceber aquilo. Então por acaso na época eu namorava uma menina que também fazia história e ela se interessou em também pesquisar Foz. Eu, no caso, tava preso ainda nessa pesquisa antiga de 4 autores e tal. Conheci a Arinha, conheci o Paulo e levei ela pra pesquisar na Casa do Teatro, então foi lá que eu conheci o Fanzine, na verdade. Eu me lembro até hoje, o Paulo que me passou o primeiro Fanzine que eu tive contato e eu fiquei chocado, assim. Principalmente com aquelas imagens, o Fanzine acho que é o 32 tem as imagens que eu até uso no final do trabalho, que é dos moradores do Cidade Nova, um ensaio organizado pelo Lizal e pelo Elias, onde mostra justamente o contrário do que a mídia mostra, né. A idéia da periferia como um local onde as pessoas vivem e não se matam. Então ali, eu como historiador já no segundo ano já soube entender que aquilo era uma fonte histórica e que aquilo era capaz de narrar e de trazer um pouco dessa experiência periférica, né, e foi aí que eu busquei entender a experiência periférica. Aí foi todo aquele processo entrei em contato com o Lizal, o primeiro encontro foi com ele e com o Samuel. O Samuel foi um cara que também assim, ele com 13 anos eu nunca vou esquecer das palavras dele, já me chamou bastante atenção suas narrativas, ele me contou bastante coisa do cotidiano dele, do cotidiano do bairro e de outros lugares que ele passou, então eu entrei de vez e me vi envolvido com aquilo desde o começo, né, e só tenho a agradecer o aprendizado. Essa questão do porque escolher um trabalho, eu acredito que quando você ta na área de humanas você vai escolher algo que te aflige, né, algo que te incomoda.
De fato a desigualdade social é uma coisa que é visível na cidade, não é uma coisa mascarada, não é uma coisa escondida e a gente percebe, e aquilo me incomodava né. Então eu acho que quando a gente historiador, antropólogo, sociólogo, a gente vai fazer um trabalho a nossa escolha é por alguma questão mal resolvida com a gente mesmo, entendeu. O cara não vai escolher trabalhar por exemplo sobre os partidos de esquerda se ele não tiver uma dúvida, se não tiver alguma coisa ali que lhe aflige. Se aquilo ali tiver bem resolvido pra ele, ele não vai procurar uma resposta, entendeu. Então no caso, o rap de Foz pra mim eu queria conhecer mais, a vivencia periférica eu queria saber mais. E foi isso, foi o que eu busquei, de certa forma era um caso, vamos dizer, mal resolvido meu com a cidade, né, e que eu busquei através da história de está respondendo.
Z – Você fez um trabalho estudando as letras das músicas do Racionais e Bezerra da Silva. Você acha que a musicalidade ofusca a letra da música? Podia explicar um pouco esse outro trabalho que você fez?
Danilo – Então, isso aí foi uma oficina organizada por mim e pelo Emílio, aonde a gente pensou justamente isso, né. O que agente quis mostrar? Muita gente acha que a periferia só tem o rap, só tem o Hip-Hop e não tem, né, ela tem o samba, ela tem relações com diversas religiões, ela tem diversas formas de expressões, né. E muitas vezes essa forma de expressão casa com a experiência periférica, e não existe só uma experiência periférica, né, é uma multiplicidade da vivência. Então o que aconteceu? A proposta foi justamente essa, pegar o Bezerra que fala lá da realidade dele do Rio e como o gênero musical é um samba, é uma música alegre... pra mim o Bezerra é extraordinário, a música dele narra assim a experiência periférica, narra a malandragem, narra a vivência, narra aquela relação do cagueta na quebrada, narra diversas relações, a pobreza inclusive, né, e muitas vezes até de forma irônica. Diferente do Rap. Só que o que acontece?
Quando a gente vai trabalhar com o rap, o rap já é tido como um som pesado, então você vai ouvir um rap você já fica: “ah, vou escutar uma crítica, eu vou escutar algo questionador, algo tal...”. E muitas vezes você vai ouvir um samba e você não vai perceber isso, né, mas um samba comprometido, um samba de raiz ele tem esse traço também. E a música do Bezerra se você for perceber ela vai datar essas questões cotidianas da periferia, do local. Até a forma que ele trata a periferia, ele é um cara que pautou também muitas vezes na letra dele a legalização da maconha, então são postas questões políticas ali na música. Só que o que acontece? O samba ele é um som de certa forma, vamos dizer assim, um som alegre. Então eu acho que muitas vezes as pessoas vão por um samba, um pagode e vão dançar, né, vai rebolar, enfim, vai curtir, mas não vai parar pra prestar atenção na letra. E o rap de certa forma acho que não é um som muito a se curtir, né, é um som que já tem mais esse cunho político. Um exemplo também que eu posso ta dando dessa experiência é até o axé. O axé ele é uma música alegre, uma música de carnaval. A gente não precisa ta explicando aqui o significado do carnaval, até pro país, o sentido político, a nostalgia que ele causa na gente, né. Tem uma música do Netinho, aquele Netinho baiano, sabe? É engraçado que ela fala sobre o soterramento de um barraco numa área periférica de Salvador, só que ela é uma música alegre, a galera ta pulando ali, o cara ta cantando desgraça mas a galera ta dançando, ta curtindo, ta ligado? Só que é o gênero é alegre e tudo vira festa a maioria nem reflete na letra que ta ouvindo. Então quando a gente vai trabalhar com música tem uma série de implicações que a gente deve perceber. E um pouco do objetivo dessa oficina foi essa, né, foi mostrar que o Bezerra com o samba muitas vezes falava uma coisa que era muito mais violenta, muito mais assim vamos dizer, assustador pra uma sociedade conservadora que o Racionais. Só que o Racionais pela fama, pela aquela visão política do Hip-Hop, pela aquela coisa até mal interpretada que é jogada pela mídia da direita, né, da relação com o tráfico, da bandidagem, então aquilo causa uma outra impressão. Então de certa forma a gente discutiu com a turma, deu umas 60 pessoas nessa oficina, foi uma experiência maravilhosa e a galera ficou chocada.
E o Emílio, ele é um cara muito esperto com essas questões musicais, numa outra oportunidade ele com essa professora que me orientou eles organizaram uma oficina nesse mesmo sentido, né; eles organizaram o Emílio apresentando o Gabriel Pensador e a Geni apresentando uma música do Racionais. Eu acho que ela apresentou, eu não lembro agora pra dizer a música que eles apresentaram do Racionais pra comparar com a do Gabriel, a que eles apresentaram do Gabriel foi o Cachimbo da Paz. E como que o Gabriel ele é visto assim: “ah, o cara é cabeça”, isso assim pela classe média, né, acredito que boa parte da galera da periferia envolvida com o Hip-Hop não o suporta devido a outras relações, até sua vinculação nos programas banais como Faustão, Gugu, ultimamente ele fez até um DVD com a Xuxa, né, então é umas questões meio chatas. Mas a gente também não pode negar que ele já produziu músicas boas, músicas que também faz a gente pensar em algumas questões da visão dele que não é tão diferente do que a maioria dos meus amigos da vila A pensam.. Mas naquela ocasião a oficina teve um sentido de provocação, o sentido de trabalhar com música foi esse. O Cachimbo da Paz de certa forma fazia uma apologia ao uso da maconha e a música do Racionais eu não lembro qual, mas falava o contrário: “ó mano, não entra nisso aí, ta ligado, vai jogar sua vida num cachimbo...”.
Z – Talvez seja a música Capítulo 4, Versículo Três: “Ontem a noite eu vi na beira do asfalto / tragando a morte, soprando a vida pro alto”.
Danilo – É capaz. Eu sei que foi uma música do Sobrevivendo no Inferno. Talvez pode ter sido até a Mágico do Oz, também. Então de certa forma isso mostrou essa contradição. Muitas vezes a gente acha que o gênero, ele ta pautando aquilo, mas a gente sabe que dentro do Rap, Hip-Hop também tem gente falando de carro, de mulher, de vagabunda, de Uísque, de tênis Nike. E é rap. Não vou falar que é rap no sentido de ser rap, de fazer rap, o que a gente acredita, o que a gente quer pelo menos pra cidade de Foz, né, que é um som contestador, um som que nos faz refletir, um som de consciência e de enfrentamento. Mas, há o Cabal, há o D2 que de certa forma se colocam como rappers e que são vistos pela mídia: “ah, os bonzinhos, os bonitinhos” não falam Gírias, são mais educadinhos, e por trás eles estão fazendo uma série de apologia, uma série de apoio a coisas banais dando um grande incentivo ao consumo. Se você pegar um som do Gog, olha eu chego até a dizer que nem na MPB dos anos 60 teve um som tão político igual do Gog. Ele trabalha com as questões sociais e tem uma leitura marxista do processo histórico, sabe. O Gog é totalmente de Esquerda envolvido com o MST e com uma grande atuação em movimentos sociais. E o pessoal “acadêmico” fica naquela: “ah, os caras esquerdistas são aqueles que combateram a ditadura e tal”. O som de vanguarda pra eles ficou lá tras, hoje tem muito Rap que tem essa leitura só que o pessoal da acadêmica se quer vai conhecer, ou vai buscar conhecer, vão se passar várias décadas e vão continuar abraçando o Chico Buarque e outros como os revolucionários. Realmente foram enfrentadores combateram aquele regime, e hoje quem combate a burguesia, a opressão policial? Quem ta batendo de frente em muitas questões é o Rap, mas esse ainda não serve pra Universidade.
Então a gente tem que buscar a música e tentar entender quem que ta fazendo, que período foi feito, ao que esse cara é relacionado. Tudo tem que ter isso, entendeu isso é uma pesquisa histórica Então a música ela tem vários significados, o que foi Revolucionário um dia, hoje pode ser conservador.
Z – Primeiro você estudou o Movimento Hip-Hop em livros, Sites, ouvindo as músicas, mas sem nenhum contato direto com quem pratica essa cultura. Quando você começou a conhecer os manos pessoalmente quais foram os pré-conceitos quebrados?
Danilo – Essa pergunta aí é muito interessante. Primeiro porque eu acho que de certa forma, uma coisa que eu discordo muito dos trabalhos acadêmicos e até daqueles trabalhos do livro lá do Big Richard como outros que escrevem, muitos jornalistas escrevem sobre o Hip-Hop. Por quê? Porque eles mostram o Hip-Hop como a voz da periferia. Isso é uma coisa pra gente se pensar. A periferia não tem uma voz única, são várias vozes, né, e muitas vezes é colocado como se o Hip-Hop sustentasse toda a periferia, isso não é verdade. Outra coisa que me incomoda é de pensar que quando se fala em Hip-Hop se fala num movimento assim: “todo mundo vai lá e canta, não tem divergência, não tem disputa...”.
O meu primeiro choque foi quando eu conheci o movimento em Foz foi que quebrou essa visão, de certa forma romântica do movimento, né. O Hip-Hop é um movimento e todo o movimento envolve ideologia, envolve disputa, cara, envolve contradições, envolve política, né. Essa disputa de: “ah, eu toco em tal lugar. Eu não toco. Eu vou pra tal lugar. Eu não vou. Eu escuto tal som. Eu não escuto...”, são questões sociais, são questões ideológicas e todo movimento tem isso. E o contato com vocês me ajudou a enxergar isso, né. Vamos pensar assim, o Hip-Hop em Foz assim como o Hip-Hop nacional ele é múltiplo. Há o gênero gospel, há o gênero gangsta, há o bate cabeça entre outros, né. Um Mc que eu entrevistei uma vez ele me falou uma coisa interessante, ele me falou: “irmão, o rap pra mim é pra passar princípios bíblicos, é pra passar o que eu acredito, é o valor existencial de Deus e tal”. O outro já falou: “não mano, o rap pra mim é denúncia, ta ligado, eu sofro aqui, a polícia me maltrata, eu quero acabar com isso eu quero combater isso”. O outro ele quer cantar o que? A poesia. O outro quer cantar a guerra. Então isso é o que? Isso são as vozes, não é a voz da periferia, são as vozes. Aí que ta a riqueza, aí que ta a multiplicidade. E o Hip-Hop hoje ele é um movimento que ta em alta, a elite pode querer esconder isso mas o Hip-Hop hoje ele ta em alta, só que isso só faz com que cresça a responsabilidade.
Hoje ele é uma coisa que ta em crescente ascensão. Então o que acontece? Já ta começando de certa forma existir uma higienização, né. Um certo Mano Brown pra aparecer na Globo – não que ele queira aparecer – mas se ele aparecer ia ser ruim pros cara porque ele defende a posição contrária. Ele ainda fala como “favelado” Um Gog ia defender a posição contrária e assim como outros. Agora já o Cabal o D2 defende a posição favorável. Então eles são colocados como representantes dessa cultura . É aquilo que o Ferréz fala naquele vídeo 100% favela: “eles representam o rap higienizado”. E é isso que vai começar a ter porque a galera vai começar a falar: “ô, porque que o rap contesta tanto? Vamos dançar mais. Vamos falar mais das minas, vamos falar mais de balada...”. Eu acho até interessante que de certa forma se fale, mas que não se banalize, que não perca esse caráter, né. Esse caráter denunciativo, esse caráter político inclusive, esse caráter de posição. Esse movimento tem uma grande capacidade do envolvimento de jovens e agente jovem tem diversas angústias, diversas coisas que nos afligem. E não só esse movimento, como também outros movimentos são capazes de uma atuação e uma transformação coletiva. Então a gente tem que canalizar essas forças e usar essas fontes, cara, pra pensar a cidade, pra pensar o Brasil e pra pensar o mundo, né. Então eu acho que é um pouco isso e o meu contato com vocês mostrou primeiramente isso, que não existe o rap de Foz, que existe os diversos rap de Foz. No mesmo grupo há diversas posições, né, um canta uma coisa, o outro já canta a parte dele que de certa forma difere. Então aí que ta. A gente percebe o que? Percebe que o movimento é heterogêneo. Não existe a voz da periferia, existe as diversas vozes.
Z – Aí a gente caiu numa questão interessante. Hoje há uma grande discussão sobre o Funk Carioca ser ou não ser Hip-Hop. Você vê alguma compatibilidade entre essas duas culturas?
Danilo – Pra mim é difícil falar um pouco do funk do Rio, eu estive lá semana passada, de certa forma, conheci uma grande pesquisadora de lá que trabalha com a APA Funk; ela trabalha com diversas periferias, com a Cidade de Deus, com o Morro do estado, Rocinha e Acari. E ela me contou algo assim que a gente de certa forma, a gente hoje se fala em funk e logo se tem na mente, parece, aquela coisa da Tati Quebra Barraco; aquela coisa baixa mesmo, vulgar, né. Mas ela me contou que lá existe um movimento, inclusive ela apontou aquele Mc Leonardo que escreve pra Caros Amigos ele é do funk, ele é um cara totalmente politizado, ta entendendo. Então ela me disse que tem um movimento hoje no movimento funk do Rio que tenta resgatar aquela origem do funk de salão, cara. Então de certa forma a gente tem que pensar que esse funk de salão, esse funk antigo, o Hip-Hop deve muito a esse movimento e seria bom se ele voltasse, né. Acho que o funk representa a periferia, é mais uma voz, representa uma outra posição. Acho que em algumas cidades já existe essa fusão de funk e Hip-Hop e essa questão da cidade conta muito, tipo no Rio eles chamam o rap de funk, tipo “Rap das armas” né, então tem essa diferença. O rap que é o rap pra nós aqui no Sul pra eles é o Hip-Hop, eles chamam de Hip-Hop. E o Hip-Hop pra mim é pelo menos quando se junta os 4 elementos, é uma coisa mais coletiva, né. Então é até um difícil diálogo, cara, você vê, é difícil pra nós estabelecer o nome do negócio, imagina sentar e discutir, estabelecer as posições políticas e ideológica. Mas uma coisa assim não sou conhecedor disso, mas acho que assim como o Rap o funk teve diversas posições que conflitam como movimento, ele tem diversas funções, né. Existe o funk que divulga as facções – que é aquele chamado Proibidão -, existe o Funk que é o do M.r Catra lá que fala muito de puteiro, de festa e tal, mas existe ainda o funk até do Rap das Armas, que data questões do cotidiano periférico, da invasão do Bope. Tem aqueles Funks das antigas tipo aquele Rap do Silva, aquele próprio som lá Eu só Quero é ser Feliz, né cara.
De certa forma eu acho que essas músicas trouxeram uma contribuição pro rap e pra periferia como um todo. Agora eu seria injusto se eu dissesse que o rap deve ter esse ou aquele caminho, cara, até porque eu sou, vamos dizer assim, historiador, pesquisador do Hip-Hop, eu não sou ativista do Hip-Hop. Eu acho que essa discussão, essa posição se deve aos ativistas, né, aos que batalham mesmo, aos que vivem isso. Eu de certa forma tento reproduzir a vivência, a experiência de vocês, mas eu não to morando hoje na favela e não to cantando rap. Eu to convivendo com vocês, compartilhando esse espaço, me sociabilizando com a periferia, mas não to vivendo isso. Então não é porque eu to na faculdade que eu devo falar pra vocês o que deve ser feito ou não. Eu acho que só de ta tendo esse debate é algo completamente importante, porque, igual eu falei no começo da entrevista, a música popular hoje, o Hip-Hop, o Funk, eles estão em ascensão. Querendo ou não o Brasil hoje ta crescendo na área de cinema, né, e o cinema ta valorizando isso, ta valorizando o rap, ta valorizando o funk, ta valorizando a violência, a periferia, entendeu. As séries da Globo direto ta pautando isso, teve a Antonia, agora ta tendo aquele Ó Pai Ó, né, que data questões periféricas, mas da forma deles, né. A forma que eles querem que as pessoas pensem da periferia.
E esses movimentos é uma forma de muitas vezes ultrapassar isso, você entende, ou de afirmar o preconceito ou de acabar. Eu acredito que de certa forma alguém tem a capacidade de inverter a posição; até de fazer com que os outros vistam a carapuça. Porque eu quantas vezes levei rap pra professora escutar e pras outras pessoas, né, os chamados “intelectuais, doutores, mestres” e eles até falavam: “nossa cara!!! O cara da favela escreveu isso?!”. Aí vem aquela questão: Porque vocês não podem escrever assim, né, porque vocês tem que esperar alguém que estuda escrever? Então a gente tem que entender esse processo. E da mesma forma eu acho que também o cara que quer cantar sobre bunda, mulher e putaria, é o que ele pensa. Talvez é o que valoriza um pouco mais na vida, né. E o ser humano é isso, cara, o ser humano é diversas experiências, diversas cabeças.
Eu acho que tudo tem espaço pro debate. Parece que no Rio, a cultura do Funk, diferente do Hip-Hop de Foz, é uma cultura que eles conseguem se sustentar dela. A indústria fonográfica tem um grande poder sobre esse gênero e alguns desses funkeros acabam vendendo discos fazendo shows pelo País, tocam bailes e dessa forma muitas vezes acabam perdendo um contexto mais crítico. Quem vai em festa quer pular, curtir. Um colega do Rio, pesquisador dessas regiões, ele citou uma funkera que tem bastante letras críticas e ela não gosta muito de cantar esses funk que ela toca nas festas, mas ela precisa sobreviver, se ela for tocar em festa ela tem que canta o que a galera quer curtir, deve ser a mesma relação de Dj de balada que as vezes toca som que não curti, mas toca pra fazer a festa entendeu. Tem essa lado da profissão se o Hip-Hop virasse profissão em Foz ele mudaria o estilo pra ser mais tocado na ONO e nas baladas, ou se permaneceria do seu modo? Daí eu acho que iria variar alguns iam mudar outros não, acredito eu que a grande maioria daqui desse movimento não mudaria...
Z – O que você viu lá no Rio de Janeiro que te lembrou Foz do Iguaçu?
Danilo – Cara, deixa eu pensar... na verdade eu não conheci praticamente nada do Rio devido a sua dimensão, mas achei o Rio é muito diferente de Foz. Pra começar, uma coisa que primeiramente mais me chamou atenção na cidade é a quantidade de grafite, cara, a cidade lá é inteira pintada. Seja no centro, seja no subúrbio, a quantidade de manifestos assim escritos nos muros então isso eu achei legal assim parece que a juventude de lá ta se posicionando, eu particularmente vejo o grafite como uma posição. Mas de fato eu acho que a pobreza no Rio ela pareceu pra mim mais clara, entendeu. Aqui as periferias são o que na sua maioria, baixadas né, e lá são morros. Então você chega, você olha, o negócio tá no alto, a favela ta no alto, é muito mais visível, entendeu. Aqui em Foz não, aqui tem gente que vem pra Foz, anda ali no centro e não sabe que a 50 metros dali tem a Favela da Marinha, tem a Favela do Monsenhor, né, é muito mais escondido, muito mais maquiado. Há algumas aqui que não tem como esconder, né, quem vai estudar na Uniamérica ou na UNIOESTE com certeza passa pelo Cidade Nova. Essa quebrada aqui estampa um pouco da realidade. Eu passeei domingo lá no centro e é uma coisa muito chocante, a quantidade de mendigo que tem no Rio cara, é um absurdo assim, é triste, você olha debaixo de um viaduto tem uma colônia, 30, 40, 50 mendigo assim, com cobertor, né. E é muita contradição assim, porque lá você vê aquelas obras faraônicas assim.
Eu achei muito forte uma cena que eu vi perto da Lapa tem o prédio da justiça, tipo o Fórum, né, e era um prédio imponente cara, com aqueles vidro azul assim que brilha; ele ocupa quase uma quadra e debaixo das marquises do prédio, centenas de mendigos, né, centenas de crianças ali cheirando cola, dormindo. Então ali você vive muito isso, a riqueza e a pobreza estão lado a lado de certa forma. Um pouco do Rio é expresso na música do B. Negão que ele diz: “O Rio é uma grande favela com uma cidade no meio”, as favelas são bem mais visíveis. Uma coisa assim no Rio que me chamou bastante atenção por onde eu passei é a questão até da pele, cara. Lá as pessoas são muito mais morenas pra negro, de certa forma o que eu vi lá, e aqui no Sul não, aqui no Sul a gente vê bastante gente branca. Talvez alguém depois vai ler a entrevista e vai falar: “O cara não andou no Rio, ficou em tal lugar”. Eu to falando da parte que eu andei eu realmente não vi, pouca gente branca, eu vi moreno pra cima assim. E de certa forma andei bastante de ônibus coletivo lá e dentro do próprio ônibus coletivo você percebe aí a dificuldade das pessoas, cara. Aquele olhar cansado, aquele olhar de quem trabalhou, isso no domingo, ta ligado, pessoa suada, né, o ritmo lá é uma metrópole, o ritmo é outro, acelerado cara. Agora, uma questão que um professor de lá me chamou muita atenção, foi que eu fiz um comentário: “ah, em tal lugar lá do Rio os meninos lá estão com armas mais imponentes, né, do que alguns lugares de Foz que eu vi assim”. Aí ele me chamou a atenção e falou: “Danilo a gente não tem que ta aqui medindo se tal arma é maior ou se um fuzil chama mais atenção que uma pistola, mas só de a gente ir nesses lugares e crianças tiverem armadas a gente tem que se preocupar. Se eles tiverem com facas a gente tem que ta preocupado. Se eles tiverem com um soco inglês a gente tem que ta preocupado. Se eles tiverem com uma arma de brinquedo não é bom. Então a gente não pode fazer juízo da arma, entendeu”. Então dessa forma também a gente não pode fazer juízo de Rio e Foz. “Ah, uma favela no Rio tem 150 mil habitantes, 300 mil”. E daí, Foz tem uma que tem 1000, 10 famílias, mas quando tiver 5 famílias numa ocupação passando fome a gente tem que ta preocupado. Então a gente não pode entrar nesses valores comparativos, né, tal lugar é melhor ou pior pelo número, pelas coisas, pela visualidade.
A pobreza ta em tudo, cara, entendeu. Se você for em Rondon, é uma cidade muito complexa, todo mundo que passa, geralmente passa ali pra ir pro Mato Grosso e fala: “Nossa que cidade bonita, tudo limpo e tal”, e lá tem favela cara, tem bastante pobreza. Essa coisa de germanização lá é uma maquiagem. Você desce ali no Santo Amaro, vai descer em outros lugares você vê que lá ninguém é branco e ninguém fala aquele sotaque alemão, né. Então justamente um pouco do meu trabalho é isso, eu mostrei ou tentei buscar as muitas faces de Foz do Iguaçu, as suas várias formas, né cara. E de certa forma tem diversos pesquisadores que fazem trabalhos parecidos, né, porque nenhum trabalho é igual o outro, porque quando a gente se fala em cidade ou periferia nem a mesma de Foz vai ser igual, uma pessoa não é igual a outra, um lugar não é igual ao outro, cada um tem a sua especificidade. Quando se trabalha com cidade se trabalha com questões diferentes, a pobreza está presente acredito que em todas, a gente vive num país de terceiro mundo, um país – vamos falar a verdade – com uma grande desigualdade social, uma grande taxa de desemprego e a realidade é essa. Seja no sul ou no norte eu acredito que a pobreza, a fome, o desemprego e todas essas mazelas estão nos quatro cantos do Brasil, no interior e na metrópole.
Z – O trabalho em si é sobre a visão do Movimento Hip-Hop a respeito da cidade? Você poderia explicar melhor sobre o que reflete o trabalho?
Danilo – Eu acho que o que explica bastante essa posição do trabalho é o capítulo 2, onde ele ta intitulado Hip-Hop Expressões e Narrativas da Cidade. De certa forma eu to assumindo que o Hip-Hop é uma possibilidade de expressão e narrativa dos moradores. Mas eu não trabalhei só com pessoas do Hip-Hop, trabalhei também com pessoas que são de certa forma de mais idade, com pessoas que não estão ligadas com o movimento Hip-Hop e que também datam a sua experiência. De certa forma um pouco desse trabalho é isso o Hip-Hop quanto um movimento juvenil ele expressa como que a juventude periférica , vamos dizer assim, pobre – a pobreza quando eu me refiro é a pobreza econômica – porque aqui tem muita riqueza em outro sentido, muitos valores eu aprendi aqui, muito mais do que na universidade, de fato.
O Hip-Hop é um movimento que ele narra, que ele conta, que ele rima. Porque que ta cantando aquilo? Porque isso tem a ver com a sua vida, quando não é com sua vida é do seu vizinho, pai, irmão, com que seu amigo vive, né. Então busca essa possibilidade de entender a experiência periférica. E um pouco disso é percebido na música, né. Eu acho que aqui em Foz tem grandes cronistas assim, sinceramente. Acho que o Fanzine ele coloca o movimento em Foz com grande destaque, porque quando você canta um rap você tem ali certos segmentos; você tem um tempo, você tem uma batida e você vai ter que ta rimando. Agora quando você pega uma caneta e um papel pra escrever você pode descarregar ali a vontade, né, você não ta rimando. Então eu coloco um pouco isso no meu trabalho, é uma coisa que eu qualifico, né. E eu diferencio um pouco de outros movimentos do Brasil, que o Hip-Hop de Foz, o Cartel do Rap, que é a organização a qual eu trabalhei tem 5 elementos, né, o Fanzine é o 5° elemento. E o Fanzine é o que, ele é uma coisa que já ultrapassou a barreira do Hip-Hop eu acredito, tem alunos de faculdade escrevendo, tem outros moradores que não são desse movimento, tem outros pensadores, né. E essa é a capacidade do Hip-Hop.
O Hip-Hop tem a capacidade de não ficar só nisso, mas de se politizar, de se criar um material alternativo de se divulgar outras idéias. E eu só tenho a agradecer o aprendizado que essa pesquisa me trouxe. Eu quero deixar claro que não fui eu historiador que vim aqui entender a cidade, foi vocês que me mostraram a cidade e através disso eu fui entender um pouco até da nossa vida porque eu cresci aqui também. O meu pai trabalha em Furnas, né, eu cresci ali, boa parte da minha vida eu vivi na Vila A. Todo mundo sabe o que a Vila A representa pra cidade, né, é um bairro de ascensão, é um bairro que a Itaipu investe, é um bairro que tem comércio, é um bairro que tem praticamente tudo hoje ali, tem banco, é um novo centro de certa forma administrativo. Então eu vim aqui e pude conhecer o lado dos trabalhadores braçais, da classe baixa, o lado que a Itaipu e os órgãos públicos abandonam e só lembram em épocas eleitorais.
Z – Uma das teclas que você bate em seu trabalho é sobre a construção da Itaipu e sobre a formação de favelas decorrentes desse processo. Você pesquisou no trabalho de mestrado do Edson Clemente e entrevistou alguns moradores mais antigos. Na sua opinião, a Itaipu tem alguma dívida com as favelas de Foz?
Danilo – Então, o trabalho do Edson ele tem uma perspectiva acho que um pouco diferente da minha. Porque ele trabalha com planos diretores, ou seja, a questão da urbanização da cidade, de fato ele não chega a entrevistar e de certa forma moradores dessas áreas, não é o interesse dele de trabalhar com a periferia. A gente tem um problema que parece que não tem como falar de Foz sem falar da Itaipu, né. E isso é um problema que de certa forma é uma contradição até histórica. E de certa forma a gente ta dando poder a ela, né, até quando a gente quer contrariar ela a gente dá poder, vai falar de Foz tem que falar da Itaipu. Até pra ser contra, ta entendendo, a gente acaba afirmando ou de certa forma posicionando a imposição que ela tem sobre a cidade. Uma coisa eu sou contra, cara, eu não parto daquela visão de que Foz só existe por causa dela. A gente ta numa área de fronteira e alguns trabalhos feitos por outros profissionais data que de fato o inchaço, a pobreza e tal veio por causa dela; eu acho que de fato se acentuou com ela. Mas você pega ali a região do Porto Meira, é uma região que veio muito imigrante do Paraguai, né, fugindo dos conflitos, alguns até de regimes da ditadura do Stroessner e outras questões. Então não é todo mundo que é pobre que veio pra trabalhar na Itaipu. Se a gente falar que todo mundo que é pobre veio pra trabalhar na Itaipu a gente vai ta às vezes negando a história da sua mãe que veio do Paraguai, do outro cara lá que veio da Argentina e por aí a fora. Então a gente não pode cair nesse equívoco. Mas a gente não pode negar cara, que a Itaipu, ela foi feita no período da ditadura militar, né, num período que o Brasil tinha que se afirmar que o Estado era forte. E porque que a Itaipu foi feita aqui? Porque aqui é uma área de fronteira e toda área de fronteira é uma área de risco pro Estado. Em caso de guerra, em caso de disputa econômica, em caso de busca de território, de expansionismo, aqui é alvo, a gente ta no alvo, cara. A gente tem base americana aqui perto da gente, isso não é à toa.
A Itaipu ela tem a sua culpa social. Não a sua culpa, a sua “enorme” culpa. Vamos comparar então a Vila A, a Vila B e a Vila C. a Vila C foi o que? Foi aquele bairro que veio os barrageiros de outros estados construir e tal. E o que ela fez depois com esse pessoal? Ela jogou, cara, ela jogou fora, desapropriou. A Vila A ta formada por aqueles o quê? A gente tem que entender um pouco isso como o processo da divisão do trabalho, né, divisão do trabalho capitalista. AVila A é formada por aqueles que de certa forma tiveram diploma, que são trabalhadores valorizado pelo diploma , que tem contrato, né. Então eles foram colocados ali na Vila A. Então vamos comparar um pouco a Vila A com a Vila C, cara. A Vila A ela abriga um grande centro de recreação que é o Gramadão, não é à toa. Porque ela tem que ta mostrando, ela tem que ter criado isso pros funcionários, ta entendo, pros funcionários trabalhar bem, pra ir trabalhar tranqüilo. O hospital, talvez o maior da cidade, ta concentrado ali. Então através da Vila A agente entende um pouco do poder da Itaipu. E o que é a Vila B? A Vila B é um condomínio fechado, né cara. É onde ta o setor executivo ali o grande escalão. Então vamos pensar um pouco, a Itaipu ela criou três vilas, né, é só a gente tentar entender a diferença dessas três vilas. Uma burguesa, uma classe média- classe média alta e outra mais suburbana, mais periférica, mais afastada. Então ela é culpada por isso, ela separou, se ta entendendo. A Itaipu está localizada na zona norte. E onde tá a maior concentração da pobreza em Foz? Na zona norte. Então até pelo mapa a gente percebe um pouco dessa contradição histórica. O mesmo espaço que abriga a maior hidrelétrica do mundo é o espaço que está sendo dividido com os grandes bairros periféricos. Agora antes disso quantos índios ela não tirou, cara? Quantas famílias não foram desabrigadas. Quantas pessoas não perderam terra e tão esperando até hoje indenização. E Guaíra então? Guaíra foi um lugar totalmente prejudicado, cara. Inundaram a sete quedas, teve gente que morreu. Quantas pessoas não morreram trabalhando na construção disso aí e até hoje com certeza não viram indenização.
Aí entra um pouco o debate histórico que diz, né cara, que toda a ação hegemônica, todo poderio grande, estatal traz uma reação anti-hegemônica. Então você sabe que o próprio MST hoje que é um dos maiores movimentos de trabalhadores do Brasil, ele foi criado em Cascavel, cara; ele foi criado, de certa forma já pertencia um pouco daquela esquerda da teoria da libertação, pastoral da terra e foi fundado principalmente pelos atingidos pela barragem. Então pra gente entender a Itaipu agente tem que entender todo esse processo, né, o processo de exclusão, o processo de resistência e o processo de periferização. Dizer que toda a pobreza que tem em Foz é culpa dela, não é, mas grande parte ela tem a sua incumbência. A gente não pode falar que é 100% mas vamos dar uns 85, uns 90% pra ela. Ou que seja 10% ela tem que arcar com o prejuízo que ela causou. E a gente tem que ta esperto, hoje ela ta vindo aí com esse processo da UNILA e não é estranho que ela vai ser construída na Vila C. Você acha que não vai ter aquele discurso: “Olha, a gente veio aqui pagar aquela dívida, e não sei o que...”. Depois de vinte, vinte e poucos anos, quantos caras desses que tinham que receber já não morreram, quantas famílias já não foram destruídas por causa disso aí. Pros caras vir agora com esse plano da UNILA pra dizer que eles vão dar emprego, dar isso, dar aquilo. Pra aquele bairro que foi excluído, Então é uma coisa complicada, cara, a gente tem que ta esperto, a Itaipu ela ta agindo, a Itaipu ela ta sucateando a UNIOESTE com o PTI, né. A gente sabe que o PTI é lindo, é maravilhoso, mas os outros cursos da UNIOESTE ta acabado, entendeu. Esse ano teve um encontro de iniciação científica de todo o Paraná, não foi na UNIOESTE, uma coisa que me incomodou muito que o encontro foi dentro da Itaipu, tinha negócio dela pra tudo quanto é lado, tinha sala bonita, tinha tudo. Porque não fazer na UNIOESTE? Mostrar que ali ta faltando carteira, que é uma universidade Publica que como muitas no Brasil está sucateada, esconder que ela é de frente pra uma favela, qual que é o sentido disso? É o sentido que parece que tudo que ela toca aqui brilha, né.
Quando se fala em Itaipu se fala em poder, se fala em dinheiro. Parece que tudo o que ela mexe se transforma. Então tem que ta entendendo hoje porque que ela valoriza tanto a engenharia, né. Lógico ela precisa de engenheiro, ela não ta precisando de pedagogo, ela não ta precisando de gente das letras, então ta sucateado, ela não vai ajudar esses cursos, esses não trazem mão de obra pra ela, a pesquisa da humanas não vão ser projetos progressistas e tecnológicos que ela precisa. Aí ela vem com esse discurso de que faz o social. Não faz porra nenhuma, né cara. (risos). Ela não ta nem aí, entendeu. E aí de repente ela cria formas de: “ah, vamos acabar com a pobreza, vamos criar trabalho voluntário, vamos criar administrações, vamos criar micro setores”. Aquele papo do cooperativismo barato, cara, que os cara já entram sem metade dos direitos que tinham, e dessa forma ela vai levando cara. Os próprios royalties que tem, aonde que ele investe na cidade? Dizem que o turismo gera dinheiro. Gera pra quem, cara? Você vê um gringo chegando num hotel ele já é direcionado, ele não vai comprar daquele camelô, ele não vai comprar do hippie que faz artesanato, ele vai direto pra uma loja chique, vai direto pro shopping, entendeu; a riqueza, o dinheiro ali gira na mão de poucos. E a cidade de fronteira e grande como Foz não pode só depender, desse turismo e da Itaipu. A gente precisa de Universidade realmente; é aquilo que tava se discutindo lá na Assembléia da Juventude, onde as pessoas que se formam tem que sair, cara, tem que não sei o que, porque não tem aonde trabalhar. Então é um processo complicado, cara, entender um pouco da Itaipu é entender, de certa forma parcialmente, não totalmente, um pouco da contradição da cidade. Ela deve muito pra cidade, ela fez diversas tragédias, diversas desgraças e ela devia pagar por isso. Mas, ao contrário não paga.
Z – O que mais te surpreendeu durante o desenvolvimento do seu trabalho?
Danilo – É difícil falar de uma coisa que me surpreendeu, assim, porque eu conheci pessoas excepcionais nesse trabalho, cara. Pessoas que justamente mostram como o mundo é injusto e desigual, né. Quantas pessoas daqui mereciam estar nas universidades; eu chego a grandiosidade de falar que mereciam estar no governo, cara, deviam estar na frente das decisões políticas, né; com a capacidade de organização, com a capacidade de discurso, com a capacidade de escrita, mas você vê tão aí, né, tão nadando contra a maré. Então uma coisa que me surpreende muito, cara, é as pessoas que vem desses lugares e não se rendem, não se entregam, quebram barreiras todos os dias. Tem pouco tempo pra se dedicar a uma causa e se dedicam, sabe, renunciam às vezes um domingo pra ta melhorando a vida de um irmão, de um vizinho, de uma comunidade em si, né cara. E o próprio espírito que se tem, na favela o espírito coletivo, né, tal fulano ta faltando um arroz: “eu só tenho um pouco, mas eu vou dividir com ele”. É uma coisa que você não vai ver na elite, na classe média, eu garanto que não, né, você entende.
Outra coisa que me chamou muita atenção é a coisa do guerreiro, né cara, a polícia vem, reprime, bate, mas não param de cantar, não param de denunciar. É uma vida de luta, onde só os fortes sobrevivem e tão sobrevivendo pra incomodar muita gente poderosa. Isso faz eu me cobrar muito, eu falo: “pô, os cara que tem metade do que eu tive fazem muito mais que eu, e hoje o que eu vou fazer”, né. Por isso que eu digo assim que esse trabalho era pra ser um trabalho de conclusão de curso, mas foi um trabalho que realmente mudou a minha vida, o sentido da minha vida. Hoje eu já sei resistir mais ao luxo, ao brilho, né, ao perfume bom, as coisas que brilham mais, que te fascinam mais, pra vir reconhecer outros valores. Outros valores que muitas vezes é aquela coisa capitalista de transformar tudo em mercadoria, né cara, nos corrompe. Na verdade eu conheci na periferia a verdadeira resistência e acredito ta vendo nela parcialmente um processo de revolução.
Z – Você pretende dar continuidade a esse trabalho?
Danilo – Eu to muito envolvido, cara, essa pesquisa me proporcionou grandes aprendizados igual eu falei anteriormente. Ela me deu a possibilidade – eu devo muito isso a vocês – me deu a possibilidade de conhecer o Rio, de conhecer outros pesquisadores, sabe. Ela tem me aberto portas na minha vida excepcionais. Hoje eu vou dar uma aula eu posso dizer de tais experiências que eu tive com esse trabalho de campo, né. E são coisas que eu vou carregar por minha vida inteira, então eu não penso em tão cedo largar essa pesquisa. Até onde vocês quiserem me ajudar e derem espaço eu to aí, caminhando lado a lado com vocês. E eu só tenho mais uma vez a agradecer. Se eu disser que é gratificante eu to até diminuindo o significado, porque são diversos significados.
Quantas vezes eu saí da periferia feliz, quantas vezes eu saí triste, quantas vezes eu saí revoltado. Todo dia é um sentido diferente que eu adquiro dessa experiência que faz eu refletir na vida, faz eu tentar buscar outras respostas. Eu devo muito a vocês. E eu acho que talvez, se não fosse essa pesquisa, se não fosse esse contato em Foz eu não sei se eu teria terminado o curso de história. Porque eu tava numa fase justamente assim: “pô cara, a gente estuda a revolução burguesa, a gente lê revolução russa, a gente lê um monte de coisa, revolução industrial, mas o que a gente faz, o que a gente pode fazer?”. Então a periferia, o Hip-Hop me abriu a possibilidade do que eu posso ta fazendo, de como eu posso ta fazendo, entendeu. Então eu aprendi muito com vocês a respeito disso, não a recuar cara, a ta batendo de frente. E de certa forma eu acho que quando se estuda história e só se fica na academia você reduz o significado. Eu acredito que os grandes historiadores têm um papel político na sociedade, tem um papel militante de fato, né, então isso eu to adquirindo através de vocês. Aonde eu levo esses Fanzines pra diversas pessoas, universidades, chama a atenção isso, né, porque é um rompimento de paradigma, né cara, a favela ta escrevendo.
Quando eu levei esses Fanzines pro Rio, um professor lá da Universidade Federal Fluminense, ele olhou pra mim e falou: “cara, daqui uns dias eu já vou ta levando isso aí pras periferias do Rio. O Fanzine mostra que a periferia não deve só cantar têm que começar a escrever também”. Ela disse que tem propósito de ir pro “Fórum social, unir as periferias...”, ta entendendo. Então é uma possibilidade que vocês tão me dando e eu acho que eu tenho que tentar retribuir um pouco isso a vocês.
Z – Quais os sons de Rap que você ta curtindo?
Danilo – Ultimamente, um cara que eu tenho gostado muito assim, um desses mais novos é o Criolo Doido, cara. O Criolo Doido ele me chama muita atenção, cara. Além da qualidade da rima dele, da batida, mas pelo que ele fala assim. Tem parte que ele é engraçado, tem música que ele canta que parece que ele até chora, né. E eu gosto um pouco disso, acho que o rapper, assim como o historiador, ele é o interlocutor né cara, ele tem que ta envolvido. Se for pra falar sem se envolver então não fala. Eu sou muito fã do Racionais, eu gostava muito do Sabotage. Eu acho muito legal o trabalho que o Rappi'n Hood faz, esse último trabalho que ele juntou Rap com o samba. Um som que eu não conhecia que eu comecei a ouvir mais esse ano é o Trilha Sonora do Gueto. O Cascão faz uma crítica à imprensa, o programa do Datena que ele debocha do cara. Eu acho uma forma muito interessante né cara. (risos). Ele zoa o bagulho mesmo e isso é muito legal. Até aquela música em que ele fala: “pô, você vive taxando os caras de drogado e tal e seu filho é craquero”, ele joga a contradição pro cara. Porque a marginalidade não ta na periferia, ela não tá num lugar só, ela ta em tudo mano. Hoje tem muito boy que rouba, tem boy que seqüestra, entendeu. Os caras viciados aí que afunda o nariz a maioria é rico, cara. É ator da Globo, é jogador de futebol. Quem tem dinheiro pra cheirar, mano? É burguês, cara. Então é até aquela questão né cara, o rap faz a gente pensar em muitas coisas como tem aquele samba das antiga que diz: “que a maldade muitas vezes não esta em quem segura o fuzil, tem gente de terno e gravata que ta matando o Brasil”, ta matando diversas vidas, diversas coisas.
Um som que eu gostava muito, mas ultimamente eu não gostei muito do cd foi o Face da Morte. Eles lançaram aquela música Bomba H, aquela música magnífica, até a própria Vingança que virou um hit na periferia. Mas agora o último cd eu não sei se é meu ouvido, eu não sei o que é, mas eu não tenho gostado muito não, na minha opinião eles regrediram. Um som interessante que eu acho é o da Família que eu to começando a escutar agora. Dos grupos de Foz eu tenho escutado muito o som do ADP, eu acho espetacular assim. Eu gosto muito daquela música Critério Humano, eu até citei no trabalho. Eu escuto muito aquela Vítima também, até porque ela retrata que a gente não quer ser a vítima, a gente quer ser guerreiro, a gente ta aqui transformando a nossa situação, a gente ta resistindo.
Um grupo que eu escutei muito, eu gosto muito é o 0.1, cara, eu acho um grupo espetacular. Eu gosto muito das rimas do Conexão PB. Eu acho de forma muito inteligente e sempre ta incluindo outras pessoas pra rimar, rima com o Elias, rima com o Fernando Nègre. O próprio Mandamentos é um rap mais pesado, eu não costumo escutar muito, mas a qualidade deles é muito boa acho legal também tem aquele menino bem novo que canta no grupo, uma forma de estar dando continuidade ao movimento. E um grupo assim que toda vez que eu vejo eles tocando eu acho que eles estão melhores é o Inimigos da Guerra. Os caras estão em constante evolução, tem que continuar assim que vão estourar também, aqui em Foz são vários sons já, não ouvi todos a molecada do Profecia também eu escutei, curti, e o som do Quinto Naipe legal também ter essa outra idéia no movimento o som Gospel que mostra a diversidade do Hip-Hop.
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