sexta-feira, 6 de março de 2009

CONTOS, CONTAS, CANTOS E CRÔNICAS (Por: Danilo George Ribeiro)

Vida nossa de todos os dias

Seu Oscar era mais uma daquelas pessoas invisíveis que a sociedade finge não ver. Vivia sujo, fedido e com uma aparência cansada. Como viera do Chile de forma clandestina, não tinha nenhum documento do Brasil, não recebia atenção nem dos programas assistencialistas do governo, e dessa forma virou catador de reciclados na região de Três Lagoas, uma das maiores regiões periféricas de Foz do Iguaçu. Vivia empurrando um carrinho feito por ele próprio, de madeira, com dois pneus de carro. Seu trabalho era exaustivo. Também não era para menos, o calor consumia suas energias, os termômetros da cidade apontaram para os 40° graus naquele verão de 2007. Tinha uma rotina puxada: de segunda a sábado acordava às 05h30min da manhã, e voltava às 18h00min para casa. Caminhava pelas ruas e juntava o máximo de lixo que ia encontrando, juntava tudo aquilo que a sociedade não consumia. Aliás, seu Oscar não catava somente materiais reciclados, também catava sonhos: sonhava encontrar algum material valioso em meio ao lixo que revirava, chegando mesmo a levar alguns objetos para casa, mas seu tesouro em meio ao lixo nunca foi encontrado.

Mas um dia sua vida iria mudar, era o que ele repetia para si mesmo. Rezava todos os dias quando acordava, e tinha esperança de que um dia sua situação miserável melhoraria. Foi assim por mais de 15 anos, sua fé era inabalável e ele carregava uma imagem de Santo Expedito em seu carrinho de catar reciclado. Santo Expedito é conhecido como "o santo das causas urgentes” e para seu Oscar era necessário o quanto antes sair daquela situação. Na realidade ele tinha um bom e justo motivo para ter fé. Havia participado de movimentos políticos na década de 1960, vivenciou o golpe de 1973, resistiu e escapou de diversas emboscadas promovidos pela repressão do governo de Pinochet, no que foi uma das mais sanguinárias ditaduras da América – latina. Andava pelas ruas armado com sua pistola, a qual chamava carinhosamente de Violeta, primeiro nome da sua heroína, a cantora que escutava e que sonhava namorar durante a adolescência rebelde no Chile: Violeta Parra. Esse era um nome que tinha um grande significado em sua vida, pois tudo o que ele tinha atualmente estava resumido nesse nome: alguns vinis da cantora, conhecida pelo seu tom de protesto e sua velha pistola. Dizia que andava sempre em companhia da Violeta-Segunda, pois tinha uma síndrome de perseguição, um trauma que herdara da vida de fuga e de acossamento.

Um dia parece que Santo Expedito ouviu suas orações e seu destino começara a mudar. Ele catava lixo na frente do Posto Texaco, como fazia diariamente, e o dono do posto, Seu Sérgio, ficou sabendo que Seu Oscar tinha sido um guerrilheiro e portava uma arma; Fez então uma posposta, para que ele fizesse a segurança do posto. Não que Sérgio fosse uma pessoa bondosa, generosa, ou que partisse seu coração ao ver aquele senhor revirar os lixos do bairro. Como um bom burguês, pensava na defesa da sua propriedade. O Posto Texaco fora muitas vezes assaltado, e o dono acreditava que por seu Oscar, por ter fama de rebelde, ligado a um passado de revolução armada, assustaria a malandragem daquela região. Dessa forma seu Oscar ganhava a primeira oportunidade de ter um emprego com salário fixo por mês desde que chegara ao Brasil. Além disso, os 80 reais que ganhava juntando reciclados não davam para nada, começara a sonhar ali com o salário de 250 reais que Sérgio ofereceu, e com isso planejava comprar um som, um Toca-CD portátil no Paraguai, e assim ouvir a música de Violeta Parra enquanto trabalhava.

Oscar enxergava no novo emprego a oportunidade que sempre esperava, via naquela oportunidade um momento de promoção social, e assim abandonou o carrinho de catar reciclado que o havia acompanhado por sete anos, desde que chegara a Foz. Agora ele trabalharia na sombra e não federia mais, assim passou a acreditar que tinha subido um degrau na escala evolutiva do capitalismo. Atualmente seu Oscar vive em contradições com alguns ideais comunistas que ainda permanecem em seu coração, quando percebe a má-fé do patrão Sérgio, que “sacaneia” diariamente os frentistas e clientes do posto. Seu Oscar se lembra do seu passado, da experiência guerrilheira, aonde aprendera dividir até as migalhas de comida com os companheiros de luta. Assim às vezes pensa em abandonar o emprego, pois corta por dentro conviver com uma pessoa tão gananciosa como Sérgio - mas voltar a catar lixo era o que menos queria para sua vida; agora, conseguia até algumas mulheres... Para aliviar sua consciência, às vezes se remete a uma pergunta: como seria se “virasse o tapete”? E se quem estive por cima fosse para baixo?

Assim prossegue ele, com a velha Violeta na cinta, com seu som portátil e com a imagem de Santo Expedito – agora colada no Toca-CD – desacreditando da mudança e das pessoas. É mais um que vai levando a vida, e se você o questionar sobre mudança, revolução e outras questões políticas, ele certamente olhará no fundo dos seus olhos com um ar de dúvida e fará a mesma pergunta que ocupa seu subconsciente: Como seria se virássemos o tapete? E se quem estivesse em cima fosse para baixo?

“Danilo George Ribeiro – Historiador, é pesquisador das camadas populares da cidade de Foz do Iguaçu, afirma que 99% das histórias narradas no Fanzine serão verídicas, o 1% é fruto da sua imaginação”.


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