sexta-feira, 6 de março de 2009

SÓ NO BLOG:

O Blog do Fanzine foi criado para postar somente as matérias que saem no zine impresso. Estamos estudando a possibilidade de criar novos blogs. Enquanto não sai, nós vamos postar uma matéria por mês que sairá só no blog do Cartel. O artigo desse mês de março foi reproduzido da Revista Caros Amigos e é sobre o Carnaval.


BAILE DE CARNAVAL (Por: Frei Betto).

Neste carnaval, despirei a fantasia da vaidade e entrarei no corso dos que buscam os bailes do espírito. Desfilarei na via Láctea cavalgando um asteróide e aplaudirei o rodopio de Gaia, a porta-bandeira, sob os olhos dourados do mestre-sala, o Sol. Espalharei pelo teto do céu confetes de estrelas e atirarei brilhantes serpentinas de cometas. Nada de me encharcar de cerveja; me embriagarei com a euforia dos que descem dos morros para exibir com pompas suas escolas de ilusões.
Contemplarei a alucinada ginga dos passistas que, no resto do ano, driblam as agruras da vida sem que ninguém bata palmas à sua teimosia.

Neste carnaval, arrancarei as máscaras dos bem-pensantes que integram o bloco ácido dos arautos da verdade. Pintarei em seus rostos amargurados as curvas ascendente de um sorriso para livrar-me de tão conservadoras tristezas. Gravarei corações enamorados nos muros e farei florir, na copa das árvores, botões de insensatez. Engrossarei uma batucada tão vibrante a ponto de proteger-me dos ruídos insidiosos e dos discursos forjados na retórica das gralhas. Tomarei em mãos a cuíca e, de seu soluço agônico, arrancarei a cadência capaz de impelir meus passos rumo ao futuro. Não irei aos bailes da cegueira, onde os olhos se recusam a espelhar a felicidade alheia, nem aos desfiles de fantasias que desplumam soberbas. Entrarei na roda de sorrisos ingênuos e darei as mãos aos corações trepidantes daqueles que jamais encerram o carnaval dentro de si. Dançarei o frevo altissonante dos ébrios de utopias e seguirei o trio elétrico que semeia êxtases nas veredas do deserto.

Neste carnaval, meu samba não será de uma nota só; tanto riso e tanta alegria haverão de despertar, no mais íntimo de cada um de nós, o pierrô e a colombina apaixonados. Aspergirei perfume para espantar em volta todos os odores que fazem minguar as flores. E me somarei ao cordão dos que ardilosamente entoam cantos de esperança. Não darei ouvidos ao reco-reco dos que insistem em ensurdecer com seus lamentos o grito de carnaval. Nem abrirei alas a quem impede a passagem do porvir. Ostentarei na passarela a alegoria de promissoras conquistas e preencherei todos os quesitos de um amor inefável. Desfantasiado de esbelto, exibirei contente pelas ruas o balanço de minhas gorduras, o brilho prateado de meus cabelos, a minha doce feiúra. Entre tanta beleza virtual, esculpida à ponta de bisturi, concorrerei ao prêmio de originalidade. Deixarei dançar a flacidez de minhas carnes e, após passar a suntuosa escola de divas alouradas e apolos musculosos, catarei num saco de lixo a vergonha de não suportarem a esplêndida maquiagem que o tempo delicadamente imprime a quem conhece a arte de envelhecer.

Na manhã de Quarta-Feira de Cinzas, arrancarei minha fantasia de arlequim e carregarei solitário meu pandeiro. Com as pernas mergulhadas no lago da praça, lançarei na água uma a uma as argolas, para vê-las flutuar como estrelas de prata. Em seguida, deixarei o pandeiro boiar como o barquinho da criança que me povoa.

Então, revestido de infância, embarcarei no disco de madeira e couro, seguro de que as cinzas da morte são apenas confetes que Deus espargue em seu baile infindável. Não olvidarei que a vida nos conduz ao carnaval no qual só entra quem rasga a fantasia.

(Frei Betto é escritor, autor de a Arte de Semear Estrelas (Rocco), entre outros livros).

Fonte: Revista Caros Amigos n° 143, fevereiro de 2009

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