quinta-feira, 2 de abril de 2009

CONTOS, CONTAS, CANTOS E CRÔNICAS (Por: Danilo Georges)

Vida nossa de todos os dias

Joana é uma bela moça, cabelos castanhos, lábios finos, sua beleza vai além da aparência, ela também é bonita no seu íntimo, uma jovem sonhadora, meiga, cursa história numa universidade pública no interior do Paraná, gosta de poesia e literatura. Entre os escritores o que ela tem mais intimidade em ler ultimamente, é a literatura marginal do Ferréz. A escrita de Ferréz é composta de doses igualmente fortes de revolta, perplexidade e esperança, Ferréz reivindica voz própria e dignidade para os habitantes das periferias das cidades brasileiras.

Elias, namorado de Joana, é um leitor assíduo de Ferrez, ele se vê em boa parte das histórias contadas pelo autor; ele apresentou o livro Manual Pratico do Ódio para Joana, desde que ela leu essa obra, abraçou o autor e a literatura marginal. O gosto pela literatura marginal tem a ver com seu gosto pelo seu namorado Elias, que mesmo sem cursar uma universidade é autor de diversos contos, poesias, e músicas. Elias vêm de uma família pobre, o talento em começar a brincar com as palavras começou cedo, quando ele tinha 11 anos fazia rimas enquanto trabalhava num varejão de verduras, ia rimando descrevendo os clientes e zoando os times de futebol. Suas rimas foram desenvolvendo, e hoje ele é conhecido em diversas quebradas da cidade aonde segue rimando em um conhecido grupo de Rap em Foz do Iguaçu.

O namoro de Joana e Elias rompeu com a fronteira de classe posta pela sociedade desigual em que vivemos. Essa divisão é expressa na divisão de territórios da cidade, essa é a lógica perversa da urbanização, separar as classes, assim pensam na cidade como algo mecânico, tentando estabelecer as áreas aonde cada classe deve circular, mas como a cidade não funciona como uma relojoaria muita pessoas acabam rompendo essas fronteiras invisíveis que mapeiam as relações sociais.

Ela cresceu em um bairro abastado da cidade, ele cresceu as margens do rio Paraná num beco de uma conhecida favela na zona norte da cidade. O namoro nunca foi bem digerido pela família de Joana, pois sua mãe temia o seu envolvimento com um “favelado”, Elias várias vezes fora humilhado, a mãe da moça vivia ligando em seu celular e dizendo “minha filha não foi criada para dormir em favela”. O relacionamento passava por algumas provações, as coisas pioraram quando a irmã caçula de Joana, Karina então com 15 anos começava a namorar um menino da classe média alta, filho de um influente comerciante libanês da cidade. O jovem Mohamed só andava com roupa de marca, e calçava um Nike shox 18 molas último modelo, o sonho de consumo de todo playboy daquela cidade. A mãe vivia jogando na cara que Karina daria orgulho a família, pois namorava um cara certo que lhe dava presente toda semana. Além de estudar em período integral em uma escola influente da cidade, levava Karina todos finais de semana ao Shopping da cidade e lhe enchia de presentes.

A ostentação de Mohamed logo contaminou Karina que com o tempo só queria usar roupas de marca, freqüentar lugares caros, e consumir cada vez mais, a jovem saía abarrotada de sacolas das lojas de grife, em um ano de namoro comprou tantas roupas que boa parte delas ainda não usou, Karina tinha ainda a pachorra de às vezes comprar uma peça de roupa mesmo sabendo que não serviria, mas ela não queria que outra pessoa usasse aquele modelo.

Mas não foi somente a ostentação e a ganância que contaminaram a jovem Karina, Mohamed vivia dentro das zonas da cidade, principalmente na CRYSTAL, uma casa de Streep localizada perto das Cataratas, que foi construída para o lazer dos turistas e burgueses da cidade. Por se tratar de um prostíbulo chique, Mohamed nunca se preocupou, pois os donos daquela rede de prostituição sempre garantiram que as mulheres daquela casa, fariam exames médicos diariamente, e não haveria possibilidade de infecção. Dessa forma Mohamed também consumia as mulheres daquele local, as compravam, chegava a pagar 350 reais por uma noite de sexo. Dessa maneira contraiu o vírus HIV, e logo o transmitiu para Karina. Após alguns meses o casal teve um período de calafrios, dor de cabeça, manchas na pele, inicialmente pensaram que era dengue, uma moléstia muito comum na tríplice fronteira, mas após se submeterem a diversos exames foi constatado o pior, era o temido HIV. Quando o pai de Mohamed soube da notícia ainda acusou Karina de ter passado a moléstia para seu filho, e a família de Karina fora humilhada da mesma forma que humilhou muitas vezes o favelado Elias. Após toda essa confusão o pai de Mohamed levou o filho para fazer um sofisticado tratamento no E.U.A, enquanto a jovem fora abandonada, e faz um tratamento comum, na cidade de Cascavel, que tem o maior pólo médico da região.

Joana cuida da irmã Karina e junto com Elias fundou um grupo que discute nas escolas e universidades a importância da prevenção do vírus, e da utilização da camisinha. A mãe de Joana sempre tinha se preocupado com o envolvimento da filha mais velha com o jovem da periferia, acreditara que a caçula não teria problema, pois namorava um jovem rico, mas ela não sabe que as relações das pessoas não funcionam de forma mecânica nem funcional, e hoje ela sabe que quem vê classes não vê coração.

“Danilo George Ribeiro – Historiador, é pesquisador das camadas populares da cidade de Foz do Iguaçu, afirma que 99% das histórias narradas no Fanzine serão verídicas, o 1% é fruto da sua imaginação”.


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