quinta-feira, 2 de abril de 2009

NOVELA DA VIDA REAL (Por: Lizal)

Mais um Cidadão José Cap. 37

Aquele começo de tarde estava bonito. O sol inundava a casa. José e Mano Branco estavam sentados num banco de madeira, trocando altas idéias.

- Tá curtindo o barato, hein Zé.

- Só pra desestressar. Ontem foi mil grau, né não?

- É verdade, a gente bebeu até uma zora.

- Esse baseado é madeira, hein tio.

- É verdade. Direto da fábrica. Ehehehehhe.

Eles foram tomar um café. Os outros malucos já estavam na mesa, um cortando o pão, o outro colocando a mão num pote cheio de bolacha caseira.

- Macaco véio não coloca a mão em cumbuca. Ehehehehhe... Cês tão de Lara memo, hein. – brincou o Mano Branco.

- É verdade tio, depois de ontem. Chapamo o grobo!!!

- Então, qual vai ser o rolê de hoje? Perguntou José.

Os manos deram risada. José sempre é muito calado, na dele. Nesse pouco tempo que está com os malucos já foi na zona e fumou maconha.

- Eu proponho que a gente vá no Molle, lá no Porto Franco. – disse um paraguaio, conhecedor dos pico de curtição.

- O que tem lá pra se fazer? - Perguntou o Pio.

- Prepara o material de pesca e vamos comprar umas bebidas. E vamo levar um sabão pra lavar esse carro, óia só a cor da caranga.

O mano Pio chamou o José e foram arrancar minhoca perto de umas
bananeiras. Encheram uma lata. O Mano Branco trouxe os molinetes. Duas horas da tarde pegaram a estrada. O Porto Franco fica bem afastado do lugar onde eles estavam. O carro passou por diversos bairros. As vilas paraguaias são de precária estrutura, casas de madeira, água do poço, muitas sem energia elétrica. Por todo canto, vê-se campinhos de terra, crianças e jovens jogando futebol e vôlei. Eles organizam campeonatos valendo refrigerante, cerveja, dinheiro. São dos campinhos de terra que saem os futuros profissionais que jogarão nos times principais e na seleção paraguaia de futebol.

- Esse carro ta um cemitério. Liga o som aí maluco. – Disse o Mano Branco para um paraguaio que tava no banco da frente.

Ele pegou o porta-cd para escolher um som. Estava cheio de CDs de Rap. Uma grande parte da galera que começa a escutar rap fica radical e só quer escutar esse estilo musical. O Mano Gê é uma dessas pessoas. No seu porta CD tem todos os álbuns do Racionais Mc's e Facção Central – os seus sons prediletos – além de GOG, Visão de Rua, Consciência Humana, Trilha Sonora do Gueto, Pensamento Racional, Rajada Mc's, Thiagão e os Kamikazes do Gueto e todos os Cds dos grupos de Foz do Iguaçu. Tem também muito Rap internacional, espanhol, norte-americano, francês, mexicano. O paraguaio olhou os CDs com calma e perguntou que som era aquele que estava escrito “Valete”. Ele que é viciado em jogar baralho, antes de o mano responder, já estava colocando o som.

- Esse é um rap de Portugal. Ganhei o cd de um DJ de Foz que foi morar em Curitiba. Nem escutei o som ainda.

O álbum se chama Serviço público e foi gravado em 2006. Valete é português, anticapitalista e antiimperialista, mas – talvez como uma sátira – usa diversos termos norte-americanos em suas letras. Ele é marxista e usa suas músicas como uma ferramenta de luta, bate na tecla do socialismo em todo o álbum, que traz discursos do Che Guevara, Fidel Castro e Hugo Chávez (na voz dos próprios). Bate de frente com a indústria fonográfica e a música comercial, vazia e banal, que ele chama de “diarréia musical”. Puxa a orelha da galera que compra os CDs de artistas comerciais e diz que esses são os responsáveis pela destruição da música, que a música sem qualidade é feita bem à medida da estupidez de quem as consome.

- Olha lá tio, ali é o Remancito. – Disse um paraguaio.

- Onde? – Perguntou José.

- Ali embaixo meu bom, não dá pra ver daqui.

- Para o carro aí tio, já ouvi falar altos dessa quebrada.

O Remancito é uma favela no subsolo, ao contrário dos morros do Rio de Janeiro. Quem passa no asfalto, lá em cima, não sabe que ali em baixo tem uma comunidade. Eles estacionaram o carro e ficaram olhando a favela lá embaixo. Crianças correndo descalço, homens jogando baralho no quintal, mulheres conversando no portão, jovens reunidos ouvindo músicas, tudo muito parecido com as favelas de Foz do Iguaçu. O Mano Gê conhece a favela e tem acordos comerciais ali. Vários doidos do Remancito trabalham com ele no tráfico internacional, abastecendo o brasilsão. Acordo que funciona melhor do que qualquer MERCOSUL, ali a integração latino-americana funciona e os contratos são verbais. Voltaram pro carro e pegaram a estrada.

O som do Valete batia forte no alto-falante, falando de coisas um pouco estranhas praqueles malucos: Neoliberalismo, Capitalismo, Marx, Lênin, Trotski, Foices e Martelos, destruição da Amazônia. Na música chamada Monogamia ele canta:

“Ela é bem diferente por isso guardo no meu peito
E pinta em todo sentimento que eu liberto
É bela, é justa, só tem uma cara
Aqueles que governam sempre querem ofuscá-la
Ela traz as palavras das aflições que ninguém ouve
É que é o grito da raiva nas manifestações do povo
É o único discurso que os manos abraçam
É a imagem do subúrbio que as câmeras não captam
É o produto oculto que as elites não relatam (...)
Ela vem iluminada nos poemas que eu propago
Vem metaforizada nos livros do Saramago
Os filhos do diabo, ativos do outro lado
Já tentaram destruí-la ridicularizando Castro
Tentaram desumanizá-la censurando meu Rap
Tentaram silenciá-la assassinando Malcolm X
Tentaram intimidá-la torturando Marighela
Tentaram encarcerá-la com Nelson Mandela
Também tentaram trocá-la por futebol e novela (...)”.

Os manos estavam distraídos, ganhando as ruas à caminho do Porto. Dezenas de carros seguiam pro mesmo lugar, algumas pessoas de bicicleta e a pé.

- Um calor desses e a galera com o vidro do carro fechado. Falou José.

- Vich!!! Fecha o vidro aí rapaziada. – disse o paraguaio.


(Na próxima edição mais um capítulo)



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