Há alguns anos uma inscrição num dos muros da favela de Acari era:
“Acari, não tememos a guerra, mas amamos a paz”.
Mas hoje, o espírito que prevalece na comunidade é do título deste texto:A Paz é mais importante que a guerra. Hoje, os jornais mais populares do Rio, estampam em suas primeiras páginas manchetes e fotos sobre uma operação com cerca de 70 PMS do 09º BPM que resultou numa grande apreensão de drogas, armas e a prisão de quatro rapazes suspeitos de envolvimento com o tráfico de drogas local.Todas as matérias destacam que houve a colaboração de um morador que desenhou um mapa dos esconderijos e o entregou pessoalmente no Batalhão. As matérias dão pouco destaque ao fato de não ter havido troca de tiros nem mortos ou feridos, seja policial ou traficante. Cada leitor de cada jornal certamente fará sua própria leitura dos fatos, mais ou menos induzidos pela visão de cada jornal. Aqui vai mais uma leitura de um leitor de todos os jornais, com a diferença de que é um morador da comunidade, e que tem direto interesse em alguns pontos destacados pelas matérias:
*Sobre o suposto morador colaborador: Tenho dúvidas se foi mesmo um morador que fez a denúncia, desenhou o mapa e o levou ao Batalhão. Mas vá lá que seja: Ao revelar que foi um morador, mesmo que preservando sua identidade, por razões óbvias, o Comandante Camelo, do 09º BPM, mesmo sem ter a intenção, coloca sob suspeita de serem X-9, todos os vizinhos dos locais onde foram apreendidas as drogas e, consequentemente põe em risco suas vidas. Se sua fonte não é um morador e ele quer preservar um P-2 seu erro é maior ainda, pois põe em risco a vida de moradores, que não tem nada a ver com a guerra entre policia e traficante, muito menos com a política de segurança pública de confronto e extermínio do Governo do Estado do Rio.
*Sobre não ter havido troca de tiros e a prisão, vivos, de quatro supostos traficantes: Desde o rompimento da aliança entre 3º Comando e ADA que ocasionou o surgimento da facção TCP- 3º Comando Puro, e o tráfico de drogas em Acari ter ficado sob o comando do Derico de Acari, em 2002, sua quadrilha adotou a política de não confronto com a Policia. Essa política de não confronto foi o resultado do trabalho invisível, mas concreto e palpável, de 03 lideres comunitários e militantes de direitos humanos locais, inspirados nos projetos de redução de danos, implementados em várias cidades norte-americanas, e a partir de 2005, principalmente no Movimento Critical Resistence, também norte-americano. Mesmo com a prisão de Derico, sua regeneração e conversão evangélica, os chefes de tráfico que o vem sucedendo, têm mantido a mesma política de não confronto, mesmo revoltados com varias execuções sumárias, tanto de supostos traficantes como de moradores ditos inocentes, nos últimos três anos, principalmente cometidos por policiais do 09º BPM sob o comando de coronéis que antecederam o atual Comandante Camelo, que comandou a operação de ontem.
Há quem possa dizer, que os resultados da operação de ontem, a apreensão de tantas drogas e armas, sem nenhum tiro e a prisão de supostos traficantes vivos, seja resultado de uma nova filosofia de comando do novo comandante do 09º BPM. Se for, que bom, muito bom mesmo! Já que nos últimos 20 anos, pelo menos, o 09º BPM vem sendo comandado por verdadeiros Coronéis de Roça que transformaram aquele batalhão numa verdadeira grande quadrilha de policiais militares assassinos mercenários. As comunidades do Complexo de Acari pagam pra ver, e torcem pra que seja verdade, embora descrente de tudo. Os lideres comunitários que implantaram a atual "Política de Redução de Perdas e Danos de Vidas" no Complexo de Acari, não estão nem um pouco interessados em dividir ou disputar os "louros" e receber as "graças", nem com a policia nem com o tráfico, pelos resultados positivos obtidos com tal política pacifista. Nossos "louros" e nossas graças já são as vidas de nossos moradores, principalmente, nossos jovens, já que a cada dia que vemos cada um desses "meninos" vivos, é mais um dia de esperança que ganhamos, mas um alimento na nossa inquebrantável vontade de conseguirmos tirar mais vários deles da vida do crime, como temos conseguido fazer, com mais eficácia e mais resultados concretos nos últimos dois anos. Essa disputa, essa competição é que gostamos de entrar e estar nela: Disputar com a policia quantos jovens tiramos da vida do crime na nossa comunidade, antes que ela os prenda, ou os mate, que é o mais comum. Cada rapaz, que ontem vimos com fuzis e sacolas de drogas nas mãos e hoje vemos pegar ônibus ou metrô às 06 da manhã pra ir trabalhar na cidade, nos emociona e nos alegra com a alegria humilde de quem só quer lutar pela paz e pela esperança em nosso lugar.
Talvez por isso é que odiamos tanto os dedos duros X-9, de dentro e de fora da comunidade: mais que a própria policia, o X-9 é nosso maior inimigo e a maior barreira para que consigamos tirar jovens da vida do crime. Só como exemplo: Entre os anos de 2007 e 2008, quatro dos sete rapazes executados sumariamente pela policia no Complexo de Acari, faziam parte da nossa política de redução de perdas e danos, e estavam em processo de saída do trafico, inclusive com empregos chamados "honestos" já garantidos. A ação perversa e desastrosa de X-9 que os denunciaram precipitou suas mortes antes que pudéssemos concluir nosso trabalho. Por isso, se for verdade, que foi um morador que X-9vou os traficantes de Acari para que a operação do 09º BPM tivesse o sucesso que teve ontem, dá até pra entender que ele teve lá suas razões, mas não dá de maneira nenhuma pra aceitar e apoiar o que ele fez. Se não fosse a política de não confronto dos traficantes de Acari, ou a política de não chacina do novo comando do 9º BPM, a verdade é que a "ação" desse morador X-9 poderia ter resultado na morte, execução sumaria dos 4 supostos traficantes presos, de moradores atingidos por balas perdidas, e até mesmo de um ou outro policial.
Felizmente, isso não aconteceu, pelo menos dessa vez. A gente não pode falar nem pelos traficantes nem pela policia, mas no que depender da gente, líderes comunitários e militantes pela Paz e pelos direitos humanos no Complexo de Acari, nossa Política de Redução de Danos e de Perdas de Vidas Humanas no Complexo de Acari continuarão assim como está agora e por muitos e muitos:
Num Acari, Todo Pela Vida e Pela Paz, mesmo que isso contrarie a vontade e os interesses cruéis e perversos dos donos da atual Política de Segurança Pública de Confronto e Extermínio no Estado do Rio.
(Fonte: www.deleydeacari.blogspot.com)
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