segunda-feira, 7 de setembro de 2009

NOVELA DA VIDA REAL (Por: Lizal)

Mais um Cidadão José Cap. 42

O Mazinho falou com eloqüência e desceu do palco sobre os aplausos da galera. Na seqüência os grupos de Hip-Hop começaram a se apresentar e a galera toda se aglomerou na frente do palco. No meio do show 04 viaturas da PM encostaram em um canto e ficaram observando. Desceram da viatura e ficaram parado olhando pro povo. Estava no intervalo de um grupo pra outro e o Dj Loko estava tocando o som do Sabotage Rap é Compromisso. Ele percebeu que uma galera tava cantando junto o som e falou no microfone quando acabou a música: “Quero ver se vocês estão afinados”. Ele cantou um pedaço da música e deixou o restante pra galera cantar. “Hoje choveu nas Espraiadas” e a galera repetiu em coro “Polícia sai do pé, Polícia sai do pé”. O próximo grupo a se apresentar era o grupo do Mano Dé e ele aproveitou a deixa pra fazer um discurso:

- “Salve Rapa!!! No ano de 1964, com um golpe de estado financiado pelos Estados Unidos, implanta-se a ditadura militar no Brasil. Na época o presidente da república era o tal do Jango que tava começando a tomar algumas atitudes a respeito da economia brasileira. Começou com um projeto de reforma agrária e de nacionalização de algumas empresas multinacionais instaladas aqui no Brasil. O golpe militar aconteceu em 1° de abril de 1964 numa união de grupos financeiros brasileiros e os Estados Unidos. O presidente Jango foi pro exílio e quem assumiu foi o general Castelo Branco. Foi um dos períodos mais tristes da história do Brasil, acabando-se com todas as liberdades democráticas, cassaram mandatos políticos e foi montado um grande aparelho de repressão e de censura. Censura à imprensa, aos meios de comunicação e na arte e cultura. O regime militar termina em 1985. Os militares acabaram com a economia brasileira. Se mostraram péssimos de administração e corruptos pá carái. A dívida externa que em 1964 era de 3 bilhões de dólares, em 1985 ultrapassou os 100 bilhões de dólares. A inflação atingiu 200%. Muitos pensadores, ativistas, artistas, músicos e grupos políticos se oporam ao regime militar. Milhares de pessoas foram perseguidas, presas, torturadas, assassinadas, queimadas, enterradas em cemitérios clandestinos. Os músicos da época começaram a usar as letras para alertar o povo a respeito dos malefícios daquela ditadura sangrenta e desumana. Foram cassados, presos, torturados, assassinados, e vários se exilaram em outros países”.

Os policiais estavam inquietos e grande parte da galera não estava mais olhando pro Mano Dé e sim na direção deles. Mano Dé estava concentrado em seu discurso e não percebia a inquietude dos policiais.

- “De 1984 para 1985 acaba o regime militar no Brasil e chega para as ruas de São Paulo o Movimento Hip-Hop. Os primeiros manifestantes do Hip-Hop no Brasil que se reuniam na Praça Roosevelt e na Estação São Bento de Metrô para dançar Break sofreram uma forte repressão policial, porque o regime havia acabado, mas os policiais continuavam trabalhando, estava ainda com as viaturas, com as armas, com os distintivos e com os aparelhos de tortura e continuam ainda até hoje. O rap nacional só surgiu em 1985, quando o regime já havia passado. Nos Estados unidos surgiu bem antes, na década de 70. Se o rap brasileiro tivesse surgido alguns anos antes, toda a primeira safra do Rap nacional teria sido dizimada pela ditadura militar. Porque quem canta Rap é tudo favelado e não tem dinheiro pra se exilar em outro país”.

Nesse momento os policiais começaram a caminhar em direção ao palco. Toda a galera estava olhando pros gambés que marchavam com o peito estufado e as sobrancelhas baixas. Mano Dé percebeu e começou a provocar mais ainda.

-“Dizem que os militares saíram do poder em 1985, eu acredito que os policiais nunca tiveram no poder. Eles sempre foram funcionários do poder e continuam sendo. Na época da ditadura eles obedeciam ordens dos grupos econômicos e cuidavam para que o povo não se rebelasse e não tentassem derrubar a ditadura. Mas o povo foi pras ruas, se manifestou, pegou em armas, lutaram, picharam, fizeram protestos, pressionaram e derrubaram esse sistema. Hoje o sistema capitalista mata tanto quanto a ditadura militar. É um sistema injusto, difunde o individualismo, joga irmão contra irmão, prega que as coisas materiais são mais importantes e só valoriza o dinheiro e não as pessoas. Se a galera que veio antes do Hip-Hop lutaram contra a ditadura militar, nós temos que nos organizar e lutar com todas as forças contra o sistema capitalista”.

Continuou falando, mas não ouviu sua voz na caixa de som, quando olhou pro lado viu que um policial havia abaixado o volume do microfone. Sua Fala foi interrompida pelo grito de um dos policiais:

- Desliga esse som agora e coloca na viatura.

- Cê tá é loco. – disse Mano Dé indignado.

- Eu falei agora, e é melhor você calar a sua boca.

O Mazinho chegou junto pra dialogar com o policial.

- Muita calma aí. Essa é uma manifestação pacífica. Vocês estão abusando do poder.

- E você é advogado por algum acaso?

Um senhor se aproximou e interrompeu a discussão.

- Eu sou advogado. Sou da Comissão de Direitos Humanos.

- Vocês têm autorização para realizar esse evento?

- Sim, nós temos.

Próximo dos policiais estavam dois rapazes que fazem parte de um grupo de Rap chamado Facção do Crime. Eles cantam o estilo de rap gangsta com letras que falam de criminalidade, drogas, violência policial, com uma grande influência do grupo de rap paulista Facção Central. O grupo Facção Central já foi preso por apologia ao crime com o Vídeo Clipe de uma de suas músicas intitulada “Isso aqui é uma Guerra”. Segundo os promotores públicos a música incita a violência e disseram que serve como uma cartilha, um manual do crime. Quando o grupo gravou seu próximo álbum fez uma música onde dizia “Aí promotor, o pesadelo voltou / censurou o clipe mas a guerra não acabou”.

A revista Rap Brasil estampou a foto dos integrantes algemados, sendo colocados na viatura, na capa de uma de suas edições. Desde então o sonho desses dois rapazes do grupo Facção do Crime é ser preso pela polícia por conta de seu enfrentamento, por bater de frente com a polícia em suas músicas. A namorada de um dos rapazes, sempre carrega uma máquina fotográfica em punho para o momento em que eles forem detidos. As fotos irão pro encarte do CD. Um deles, conhecido como Mano Guina, se aproximou e disse:

- Cês não vão levar o som não. Vai ter que levar todo mundo preso.


(Lizal. Na próxima edição mais um capítulo)

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