sexta-feira, 9 de outubro de 2009

NOVELA DA VIDA REAL (Por Lizal).

Mais um Cidadão José Cap. 43

- Sempre que a galera ta curtindo de boa cês querem tizorar. O som vai continuar rolando, se quiser levar o som, vai ter que levar uma pá de loko junto. – disse o Mano Guina aos policiais, com um tom de provocação.

Seu parceiro de rima, o Mano Bira mandou uma idéia na seqüência.

- Pô, cês não tem consciência de classe memo, né. Todo mundo aqui é sofredor igual vocês. Vocês deveriam apontar essas armas pras elites que nos escravizam e não pro seu próprio povo. O Hugo Chavez mesmo diz “Maldito o soldado que levanta a arma contra seu próprio povo”.

Antes que o policial respondesse algo, o Mazinho chegou com o alvará de autorização do evento. O relógio marcava 21:30hs e o evento estava autorizado para rolar até às 22hs, respeitando a lei do silêncio. A Mina do Mano Bira, conhecida como Luci, não parava de tirar foto e um policial se incomodou. Foi até ela, pegou a maquina fotográfica e começou a apagar as fotos. O Mano Bira correu até lá e tomou a maquina da mão dele.

- Isso é desacato a autoridade, você pode ser preso por isso. Disse o policial, com a arma em punho, tentando mostrar autoridade.

- Cê guarda esse canhão primeiro, pra depois falar comigo.

O Mano Guina correu e ligou a mesa de som, pegou o microfone e gritou bem alto:

- Não confio na polícia, raça do carái!!!

A galera toda começou a vaiar os policiais, eles foram até o Mano Guina, o seguraram pelo braço, outro agarrou o Mano Bira e caminharam em direção à viatura. O Mazinho intercedeu e entrou na frente dos policiais. Uma galera fez o mesmo e começaram a cercar os policiais, até que um dos gambé puxou a pistola e efetuou três disparos pra cima. Isso fez com que a galera se afastasse um pouco. O Mazinho e o advogado chamaram o policial responsável pela operação em um canto e começaram a dialogar. Disse que era uma rapaziada nova e que não precisava levá-los presos. Disse que o evento iria acabar mesmo porque já ia dar 22hs e os policiais resolveram liberar os rapazes, desde que toda a galera fosse pra suas casas. Um dos organizadores pegou o microfone e deu a idéia.

- Salve rapaziada, o evento acaba por aqui, mas a luta e a esperança não. Já são 22hs e o nosso papel de hoje foi cumprido. Nos reunimos e nos organizamos pra mostrar que esse sistema que ta aí não é bom pra gente, o sistema capitalista não é o sistema da liberdade igual muitos dizem. Basta olharmos para o seu representante maior que é os Estados Unidos, esse país possui a maior população carcerária do mundo. Então o que esse sistema que ta aí quer é isso mesmo, as cadeias cheias, o nosso povo no sofrimento longe da família e dos amigos. Esse sistema nos escraviza, nos explora, nos humilha, nos maltrata, nos mata. Temos que criar alternativas inteligentes e uma delas é a criação de outro formato para a segurança pública. Nós das favelas e periferias nunca estivemos seguros, sempre vivemos com medo, acuados, a segurança da elite gera a nossa insegurança, assim como a riqueza da elite gera a nossa miséria.

Um policial não parava de acenar para ele parar de falar e desligar logo o som, mas o maluco estava concentrado.

- O que a televisão e a grande mídia que estão concentradas nas mãos de poucas famílias fazem, é trabalhar a criminalização da pobreza e a desinformação. Eles sempre mostram a favela como um lugar perigoso e violento e que todo favelado é vagabundo, traficante, ladrão, ou usuário de drogas. Temos que desconstruir isso. A nossa única Rádio Comunitária que nós tínhamos na quebrada, que passava uma informação mais libertadora e emancipadora, com uma programação mais voltada ao bem estar da nossa comunidade, foi fechada. A Anatel apreendeu todos os equipamentos, até os discos, fones de ouvidos, toca-cds e toca-discos que não tinham nada a ver com a transmissão em si. Agora estamos à mercê das rádios comerciais da cidade e sabemos que os arteiros, os músicos daqui da nossa quebrada e de outras favelas não terão espaço pra tocar suas músicas nessas rádios. Só terão espaço se pagar. As grandes mídias e veículos de comunicação jogam contra a favela. Os programas policiais contribuem para isso, eles trabalham com a estigmatização e a banalização da violência, com a espetacularização da morte e tratam da dor e do sofrimento alheio com ironia. São os verdadeiros carniceiros, usam a morte, os assassinatos pra vender propagandas e ganhar dinheiro encima disso. Temos que mostrar que a violência maior que tem nas favelas é a violência do Estado, o desgoverno, o descompromisso do poder público e dos governantes que só aparecem aqui em época de campanhas eleitorais.

O policial parou na sua frente e acenou com o revolver para ele parar de falar. O mano tentou finalizar a idéia.

- Agora nós vamos pra nossas casas. Vamos levar esse debate pra nossa família, pros nossos vizinhos. Deixem a televisão desligada hoje e...

Terminou a idéia sem o microfone porque o gambé desligou o som.

- Vamos boicotar as grandes mídias. Os donos das grandes rádios, jornais e televisão não vão mais enriquecer encima da favela. Abaixo a alienação da rede Globo e companhia.

Os policiais partiram cantando pneu e ficaram encarando o Mano Guina e o Mano Bira. A galera toda foi embora e os dois, juntamente com Luci desceram a pé a caminho de suas casas. No caminho ficaram comentando o acontecido.

- Que barato doido hein. Polícia é foda memo. Disse o Mano Guina.

- É a luta de classes meu parceiro. Completou o Mano Bira.

- Olha só essa foto que eu tirei quando os gambé estavam levando vocês preso. Ficou bem doida. – disse Luci.

Os dois se encantaram com a foto, muito bem tirada, que pegava os dois sendo carregados pelos policiais, as 4 viaturas paradas e a multidão em volta protestando.

(Na próxima edição mais um capítulo)

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