sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

NOVELA DA VIDA REAL

Mais um Cidadão José Cap. 46

Os policiais colocaram o Guina, Bira e Luci dentro da viatura e se dirigiram para a quebrada do Japão. Os três estavam atônitos, tentando imaginar o que os policiais fariam com eles, já que estavam pertos de morrer e os gambé decidiram esperar um pouco mais. A tortura psicológica se mostrava tão cruel quanto a tortura física. Ficavam pensando nos parentes, nos amigos, que poderiam nunca mais voltar a ver. Os sonhos não realizados. O CD que nunca foi gravado, a música nova que estavam escrevendo e que ficou pela metade. Os shows, os rolê na vila, a escola, o acampamento no fim de ano...

A segurança na favela estava impecável, com a ameaça de invasão por parte da quadrilha rival, o Japão e seus comparsas investiram em câmeras escondidas, microfones, e uma central que investiga as imagens coletadas, os vídeo e os áudios. Montaram ainda uma central que grampeia telefones celulares. O exército também se reforçou e foram contratados dezenas de novos moleques para trampar na quebrada. O Japão também estava envolvido com Máfias internacionais e almejava o controle total do tráfico internacional de drogas e armas na fronteira.

A viatura parou na entrada da favela e o gambé bateu um fio pro Japão. Em seguida apareceu um moleque e guiou-os até o QG. O Japão foi direto ao assunto, disse que precisava que eles fizessem algumas pessoas. Dentro de um envelope, Estavam as fotos, possíveis endereços e lugares onde poderiam ser encontrados. Ele abriu e começou a olhar as fotos.

- São todos da quadrilha do Mano Gê?

- Pode crê, esses são alguns. Tamo na bota de mais informações, investigando outros malucos.

- Eu acho que hoje é seu dia de sorte, camarada.

- Qual que foi?

- To com três verme ali na viatura. São da quadrilha do Mano Gê. Peguei eles aqui por perto. Eles tava campanando a quebrada de vocês. Peguei cagando.

- Demorô, traz os verme aqui.

Enquanto os gambé foram buscar os malucos, o Japão já ficou arquitetando os planos. “Vamos colocar cada um dentro de um microondas, tacar gasolina e riscar o fósforo, vamos filmar tudo e mandar o vídeo pros loke. Eles não vão mais querer se meter no nosso caminho”. O microondas é um monte de pneus que são colocados em volta da vítima, que fica lá dentro amarrada. Os algozes jogam gasolina na pessoa e risca um fósforo. A fogueira é alta e muitos fazem questão de não amordaçar a vítima só pra ouvir os gritos de dor e desespero.

A ditadura militar no Brasil usou muito desse artifício de queimar pessoas, assim sumia com as pistas dos corpos. Durante os 20 anos do regime autoritário, acumulou-se centenas de denuncias de pessoas desaparecidas que nunca mais foram encontradas. A repressão da ditadura militar no Brasil, fez com que milhares de pessoas se exilassem em outros países. Só com o fim do Ato Institucional n° 5 (o AI5) que caiu em janeiro de 1979, que começou a se abrir caminho para a volta dos exilados. Movimentos Sociais lutavam pela Anistia, que anularia a punição e o fato que a causa. Vários setores da sociedade brasileira reivindicava a Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. Mulheres, homens, artistas, advogados, Intelectuais, estudantes, religiosos, trabalhadores de praticamente todos os setores, familiares e amigos de presos políticos e dos mortos e desaparecidos políticos, todos se manifestavam a favor da Anistia. A Anistia devia ser pra todas as pessoas que resistiram ao autoritarismo e a repressão. Todos os que se rebelaram, de todas as formas de enfrentamento ao regime. A Anistia veio, mas não veio só para os torturados, veio também para os torturadores. Todos os participantes das atrocidades de 20 anos de ditadura militar também foram anistiados de seus crimes. A lei de anistia já teve alguns de seus artigos revogados após ser promulgada. O que causou indignação nos movimentos pró-anistia é que a lei isentou de punição os carniceiros dos porões da ditadura, eles que mataram, que torturaram, que privaram de liberdade milhares de pessoas. Sabemos que o governo só cedeu e aprovou a Lei de Anistia, enviando ele mesmo o projeto para o congresso, porque a pressão popular era grande. Ao ver aflorar tantos movimentos saindo às ruas, fazendo passeatas, atos, protestos, o governo agiu rápido e criou a lei, evitando assim que sofressem futuras punições.

Os gambés entraram com os três malucos dentro da sala. O Mano Japão olhou demoradamente para eles e percebeu o desespero contido em seu olhar. Ali estavam como gados sendo vendidos e indo direto para o matadouro.
- Como que a gente fica? – Perguntou o Japão.
- Olha, como vocês nos deram mais uns trampinhos, me paga os dois e pode ficar com um de preza.
- Então, vamos fazer o seguinte. Já que daqui pra frente quem vai fazer esses malucos somos nós, me faz os três, por preço de um.

- Então, vamos rachar a diferença e ta tudo certo.

- Fechado.

O Japão passou 7 mil e quinhentos reais pros gambés que saíram em disparada. Não apertaram a mão. A diplomacia entre policiais e traficantes não é feita através de apertos de mão. Assim que os policiais saíram o Japão ficou olhando para os três malucos ali, ensangüentados, com o corpo todo quebrado pelas torturas e pancadas dos gambé. Ele soltou um sorriso de canto de boca. Chamou um de seus funcionários e pediu para ele buscar um vinho e 4 copos.

(Lizal. Na próxima edição mais um capítulo)

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