Brinquedos de Guerra/2
Os videogames, ou videojogos, contam com um público multitudinário e crescente, de todas as idades. Seus defensores dizem que a violência dos videojogos é inocente, porque imita os noticiários, e que essas distrações são úteis para manter os jovens longe dos perigos da rua e manter jovens e adultos longe do cigarro.
Os videojogos falam uma linguagem que inclui o matraquear de metralhadoras, música terrífica, gritos de agonia e ordens categóricas: Finish him! (Acaba com ele!), Beat'em up! (Bate neles!), Shoot'em up! (Atira neles!). A guerra do futuro, o futuro como guerra: os videojogos de maior difusão oferecem campos de batalha onde o jogador está obrigado a atirar primeiro e tornar a atirar depois, sem nunca hesitar, contra tudo o que se move. Não há vacilações nem trégua diante da investida dos perversos, impiedosos extraterrestres, robôs ferozes, hordas de humanóides, ciberdemônios espantosos, monstros mutantes e caveiras que lançam fogo. Quanto mais adversários mata o jogador, mais se aproxima do triunfo. No já clássico Mortal Kombat, valem mais pontos os golpes certeiros: golpes que arrancam a cabeça do inimigo pela raiz ou lhe arrancam do peito o coração sangrento ou lhe rebentam o crânio em mil pedaços.
Por exceção, também há vídeos não militares. Por exemplo, corridas de automóveis. Numa delas, um dos modos de acumular pontos é atropelar pedestres.
Elogio da Imaginação
Algum tempo atrás, a BBC perguntou às crianças britânicas se preferiam a televisão ou o rádio. Quase todas escolheram a televisão, o que foi algo assim como constatar que os gatos miam e os mortos não respiram. Mas entre as poucas crianças que escolheram o rádio, houve uma que explicou:
- Gosto mais do rádio, porque pelo rádio vejo paisagens mais bonitas.
Os Sem-terra
Sebastião Salgado os fotografou. Chico Buarque os cantou, José Saramago os escreveu: cinco milhões de famílias camponesas sem-terra deambulam, “vagando entre o sonho e o desespero”, pelas despovoadas imensidões do Brasil.
Muitos deles se organizaram no Movimento dos Sem-Terra. Desde os acampamentos, improvisados às margens das rodovias, jorra um rio de gente que avança em silêncio, durante a noite, para ocupar os latifúndios vazios. Rebentam o cadeado, abrem a porteira e entram. Às vezes são recebidos a bala por pistoleiros e soldados, os únicos que trabalham nessas terras não trabalhadas.
O Movimento dos Sem-Terra é culpado: além de não respeitar o direito
de propriedade dos parasitas, chega ao cúmulo de desrespeitar o dever
nacional: os sem-terra cultivam alimentos nas terras que conquistam, embora o Banco Mundial determine que os países do sul não produzam sua própria comida e sejam submissos mendigos do mercado internacional.
Os Zapatistas
A névoa é o véu da selva. Assim ela esconde seus filhos perseguidos. Da névoa saem, à névoa voltam: os índios de Chiapas vestem roupas majestosas, caminham flutuando, calam ou falam caladas palavras. Esses príncipes, condenados à servidão, foram os primeiros e são os últimos. Foram expulsos da terra e da história e encontraram refúgio na névoa e no mistério. Dali têm saído, mascarados, para desmascarar o poder que os humilha.
A linguagem/3
Na era vitoriana, era proibido fazer menção às calças na presença de uma senhorita. Hoje em dia, não fica bem dizer certas coisas perante a opinião pública:
O capitalismo exibe o nome artístico de economia de mercado;
O imperialismo se chama globalização;
As vítimas do imperialismo se chamam países em vias de desenvolvimento, que é como chamar meninos aos anões;
O oportunismo se chama pragmatismo;
A traição se chama realismo;
Os pobres se chamam carentes, ou carenciados, ou pessoas com poucos recursos;
A expulsão de meninos pobres do sistema educativo é conhecida pelo nome de deserção escolar;
O direito do patrão de despedir o trabalhador sem indenização nem explicação se chama flexibilização do mercado de trabalho;
A linguagem oficial reconhece os direitos das mulheres entre os direitos das minorias, como se a metade masculina da humanidade fosse a maioria;
Em lugar de ditadura militar, diz-se processo;
As torturas são chamadas constrangimentos ilegais ou também pressões físicas e psicológicas;
Quando os ladrões são de boa família, não são ladrões, são cleptomaníacos.
(Eduardo Galeano é escritor uruguaio. Essas crônicas estão no livro De Pernas Pro Ar, A Escola do Mundo Ao Avesso).
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009
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