domingo, 2 de agosto de 2009

DE COMO CANDEIA E MIKE GÉKISON ENEGRECERAM ÍNDA MAIS OS CORPOS E ALMAS DE ACARI E ALFA BLONDY DEU UMA FORÇA

Eu tava lá no Santa Marta num dos dias que Mike Gékison tava gravando lá. Fui lá justamente para não vê-lo. Nessa época meu nível de detestamento de pretos embranquecidos estava no ápice e Mike seu principal nivelador. Pra dizer a verdade queria vê-lo o bastante pra poder provar por a + b e pra mim mesmo que ele estava mesmo embranquecendo por que queria, que então era mesmo um traidor da raça. Mas eu tava adorando Spike Lee e fui lá com um cartaz do "faça a coisa certa" disposto a voltar com ele autografado. Eu já conhecia um pessoal do racismo lá e também já tinha trocado umas idéias com o Marcinho. No meio de um "mulão" estava no camarim improvisado de Spike esperando o intervalo das filmagens. Logo que deu o intervalo, Spike foi conferir algumas coisas pro recomeço da filmagem e Mike com um montão de seguranças passou no camarim dele pra discutir alguma idéia. Um dos assessores de Spike disse a ele que Spike não estava e Mike deixou um recado que se encontrassem no hotel. Mike estava com a blusa aberta até quase a altura do umbigo, coisa que ele só fazia quando estava na sombra. Foi por isso que quem estava ali pode ver a pele de seu peito totalmente branca com algumas pequenas quase imperceptíveis pintinha pretas. Mais tarde, almoçando num pé sujo da Voluntários da Pátria, um amigo me cobrou:
- viu é vitiligo mesmo, viu? Falou que ele tava passando pasta pra ficar branco...

Quanto a Spike a gente conversou rápido com ele, depois ficamos de ir a uma entrevista coletiva e o pôster autografado acabou virando presente de aniversário de um chefe do tráfico, fã de Tina Tunner e Alfa Blondy. Somos muito mais da metade dos negros do bairro de Acari, segundo estatísticas oficiais, 53ª do negros de Acari, vivemos em uma das três favelas. Se contarmos com negros que moram nos três conjuntos habitacionais, então somos esse "bem mais que a metade". Os corpos e as almas de acari já eram pretas muito antes do Tio Candeia e Mike Gékison chegarem em Acari. Tinha muito candomblé, folia de reis. A vinda dos grandes quilombos pro complexo de Acari deu as mãos de tinta definitivas nas almas acarienses. A "vinda" de Mike enegreceu de vez nossos corpos. Tio Candeia nos ensinou o orgulho de ter alma negra, Mike nos ensinou o orgulho de termos corpos negros, e vestir nossos corpos negros com roupas de negros. Fui um dos militantes negros e chefe de ala do quilombo que brigou com Tio Candeia quando ele autorizou a meninada dos grupos de dança do quilombo a fazer uma festa black na sede do Vega em 26 de Novembro de 1978. Ele liberou a festa 20 dias antes de morrer. Eu e Carlinhos Saci tivemos uma discussão feia com ele e com o resto do pessoal do grupo de dança. Na favela, Lílian, uma das lideres defendeu com veemência a decisão do "velho": Poxa! é ele mesmo que fala que os black de hoje em dia serão os sambistas de amanhã.

Na verdade o que tinha mudado a cabeça do velho sobre o black rio foi que ele tinha visto o documentário wattstak, sobre um festival de musica negra, na ilha de watts. Durante muito tempo e, até os dias de hoje, pelo menos no complexo de Acari, os chefes do tráfico, e seus amigos de firma, tem sido os principais "ditadores" de modas e modos pra nossa juventude acariense. Cý, Tunicão e Jorge Luis eram negros e cresceram se entendendo como gente, com orgulho de serem, de terem a alma negra massificada pelo pensamento candeiano quilombola. Também eram fãs de Mike Gékison. As armas, mesmo as negras são invisíveis aos olhos mortais, mas as cabeças black pawel, os corpos negros vestidos a moda Mike eram bem visíveis e bem vistas. Tão bem vistas que já não se sabiam se a juventude se vestia na moda Mike Gékison porque os jovens chefes do tráfico se vestiam também, ou se os jovens chefes do tráfico se vestiam a moda Mike Gékison porque eram jovens de Acari como qualquer jovem de Acari. Uma coisa ou outra, seja lá o que for, pra mim o fato é que a moda e o modo Mike Gékison deu visibilidade a alma negra acariense enegrecida por candeia.O mais interessante nisso é que, justamente quando o vitiligo começou a tomar de vez o corpo de Gékison é que ele teve mais proximidade com artistas negros americanos conscientes. Ele já tinha sido dirigido musicalmente por Quincy Jones, um maestro negro militante, num filme musical estrelado por Diana Ross.

Depois liderou a gravação do não sei o que lá worde wolds. Até ver Mike no Santa Marta eu era um dos imbecis que fazia brincadeiras racistas sobre o suposto embranquecimento de Mike, até ler um comentário de Sara Volgham: por mais que este menino fique branco ele será sempre um dos negros mais importantes pra os negros na história da humanidade. Muitos negros militantes brasileiros e nem tanto, também fizeram muitas piadas e criticas nada engraçadas.Gilberto Gil até disse: porque Mike Gékison além de branco ficou triste. Jorge Luis do Acari, além de fã de Mike também gostava de reggae. Uma de suas alfas, a mais branca dela, Marcinha, que tinha todo o 2º grau, falava inglês traduzia todas as letras de Bob Marley pra ele. JL gostava de ficar na piscina de madrugada vendo disco laser de Mike e Marley. Um dia um puxa saco lhe deu um disco lazer de Alfa Blondy de presente. Daí então ele não queria saber de outra coisa. Era só Alfa Blondy, um regueiro de raiz, já que era africano de verdade.

Marcinha deve ter traduzido uma 20 letras de Alfa Blondy pra ele. Acari viveu um período brabo de turbulência após a morte de César Boi, um dos traficantes mais cabeça de Acari. Pra acalmar seus "braços" de fé JL costumava entupi-los de maconha e passar ene vezes o disco lazer de Alfa Blondy pra eles. Foi catando coisas de Alfa Blondy que descobri Salif keita. Salif Keita, é um músico do Mali, descendente direto da Dinastia de Sundiata Keita, unificador do Império do Mali, lá por o ano 1260, da idade média ocidental. Só que Salif Keita caiu em desgraça, ou melhor, já nasceu em desgraça, nasceu albino, tal doença é sinal de maldição em boa parte das nações tradicionais africanas. Como desgraça pouca é bobagem Salif cismou de botar guitarras elétricas sintetizadores nas musicas tradicionais e sagradas malienses. Datadas da época de seu nobre antepassado, Sundiata Keita, Mike e Salif Keita foram vitimas de doenças que embranqueceram suas peles. Julgando suas aparências exteriores julgamos que suas almas embranqueceram juntas.

Curioso é que Gilberto Gil, como muitos de nós somos fãs adordorosos de Salif keita, e por muito tempo detestamos Mike. Mas isso é "história" pra outro texto que esse tá grande demais e o tempo na Lan House já acabou.

(Deley de Acari)

Fonte: www.deleydeacari.blogspot.com

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