domingo, 2 de agosto de 2009

NOVELA DA VIDA REAL (Por: Lizal)

Mais um Cidadão José Cap. 41

Tudo isso era muito novo para José. O bairro novo, muita gente na rua, pessoas diferentes, novos amigos, reuniões. Outra mudança foi no seu trampo, agora não precisava mais trampar na madrugada carregando caixas de cigarro. Ficava no seu barraco onde recebia as mercadorias e guardava no galpão. Não tinha hora certa pros malucos descarregar e nem pra buscar essas mercadorias, na maioria das vezes foi acordado no meio da noite. A sua casa transformou-se numa espécie de quartel general, onde os malucos colavam pra buscar e levar informações sobre a firma. Outras pessoas da vila, próximas de Mano Dé e de Marina começaram a freqüentar a casa de José, ainda mais depois que ele comprou um aparelho de som bem potente no Móveis Usados da quebrada.

José estava revirando sua mala de roupas, depois da sua viagem para o Paraguai e achou os 3 mil reais que ganhou do Mano Gê. Ele achou que o dinheiro tinha sido roubado junto com a outra quantia que desapareceu da sua carteira. Com todo aquele dinheiro foi até o mercado e fez o rancho pro mês. Comprou também roupa nova numa loja de Hip-Hop que tem na quebrada e alguns cds de Rap. Além do aparelho de som, comprou no Móveis Usados uma televisão, um aparelho de DVD e um ventilador. Só quando as paradas já estavam em casa que ele percebeu que estava abandonando a idéia de ir embora da cidade e tentar vida nova. Em uma semana José já estava conhecendo uma galera, dando um rolê na vila com o Mano Dé. Por conta do Movimento Hip-Hop e os trabalhos que desenvolve junto à juventude e por seu carisma, o maluco é conhecido e muito querido no bairro. A galera da quadrilha também colavam muito na casa por causa da segurança, o muro era bem alto, e era a última casa da viela; em caso de fuga era só subir por uma escada e descer por uma árvore, saindo num matagal que dava acesso ao outro lado da cidade. Junto com os malucos sempre vinham algum irmão que era chegado numa erva e ali mesmo fumavam a vontade e tomavam altos goles ouvindo rap.

Em poucos dias a casa se tornou o point da galera maluca da favela onde se trocavam altas idéias e arquitetavam suas ações. Algumas pessoas não fumavam, outras não eram envolvidas, outras não bebiam, mas gostavam de estar ali no meio daquele monte de maluco. Sem falar que ali também começou a colar várias minas loca e começou a rolar várias festas. Numa dessas festas colou a prima de Marina, Alice. Ela mora em outro bairro e estava visitando os parentes naquele fim de semana. José se encantou com a beleza da moça e não conseguiu tirar os olhos dela. Alice também se simpatizou e os dois conversaram até a madrugada. A mina também dá um dois no baseado e toma uns goles, mas não gosta muito de ouvir rap. Disse pra José que seus sons preferidos é MPB, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia. Prometeu voltar pra conversar mais com José e trazer alguns cds pra eles ouvirem. José dormiu com aquela mina na sua cabeça, não conseguiu tirar ela da cuca o restante da semana. Percebeu que estava mudando o rumo da sua vida, há alguns meses atrás queria levar a Preta e o Neguinho pra morar com ele em outra cidade e agora está a fim de outra mina e não voltou mais pra tentar ver seu filho.

O bairro estava movimentado com a divulgação do Ato contra a violência de Estado que estava sendo organizado pela Associação de Moradores e alguns movimentos sociais. O carro de som passava pelas ruas do bairro chamando o povo a participar. “Segurança Pública é respeitar os direitos humanos e afirmar a vida”, falava no microfone um dos organizadores do manifesto. “Segurança não é polícia, segurança é educação de qualidade pra todos, moradia, saúde, alimentação, emprego digno...”. “Junte-se a nós nessa luta contra esse Estado que trata o povo pobre como bandido”. “Abaixo a Criminalização da Pobreza”. Simultâneo ao carro de som uma galera distribuía panfletos e conversava com os moradores. No panfleto dizia: “A Associação de Moradores, os Movimentos Sociais, Defensores de Direitos Humanos e outras organizações da nossa cidade críticos ao atual modelo de segurança buscam alternativas coletivas para fortalecer seus processos de luta e de resistência. A repressão não é o caminho para se obter uma sociedade mais segura. A orientação para invadir com armas as comunidades pobres, a censura às manifestações da cultura popular, a perseguição aos movimentos sociais organizados e, as prioridades adotadas pelos governos evidenciam uma lógica de apartheid que criminaliza a pobreza e acarreta em graves violações dos direitos humanos cometidas pelo Estado” (...) “A promoção de novas estratégias de resistência ao controle repressivo dos setores populares são passos fundamentais em nossa luta”.

Muita gente estava reunida na rua em frente a Associação de Moradores. Muitos com as bandeiras de seus movimentos, outros com camisas do Che Guevara, Zumbi dos Palmares, MST. Os manos do Hip-Hop também colaram em peso na manifestação. Num varal de poesias organizado pela galera do colégio estadual tinha poemas de Brecht, Mauro Iasi, Patativa do Assaré, Cora Coralina, entre outros. O grupo de samba da quebrada cantava sons das antigas de Jorge Aragão, Almir Guineto, Leci Brandão, Ratinho, Bezerra da Silva, Aluízio Machado, Jovelina. Nos intervalos o microfone era ocupado por representantes dos Movimentos Sociais onde se discutia a questão da segurança pública, a criminalização da pobreza e a crise mundial do capitalismo.

Um militante chamado Mazinho falou com eloqüência para as centenas de pessoas presentes: “O desemprego, a fome, a falta de dinheiro, os baixos salários já existem e já é grande antes que se anuncie a crise. Quando se vai pra mídia pra alertar a população a respeito da crise é porque ela chegou aos bolsos da elite, porque está afetando os capitalistas. Quando se vai pra televisão é para tentar convencer ideologicamente o povo a aceitar as medidas que o governo ta tomando. Essa parada de 'logo após a tempestade vem a bonança' é um caô', pra favela nunca veio bonança. Quem nasce na favela já nasce na crise”.

(...)

“Sempre procuram um setor, um bode expiratório para que seja o culpado, o causador da crise. A especulação imobiliária e blá blá blá blá... Mas na verdade é o próprio sistema que é o culpado. Se quisermos acabar com a crise temos que acabar com o sistema capitalista”.

(Lizal. Na próxima edição mais um capítulo)

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