- ou não é à toa - (Por Eduardo Marinho)
Foi fácil chegar à visão de que o Estado, longe de servir à sua população (ao contrário, sabota o povo, a favor desta elitezinha de merda, que o controla), tornou-se seu algoz, seu ludibriador (tendo como linha de frente ideológica a mídia privada) e, em caso de movimentação popular, seu contentor - haja visto o aparelhamento da "segurança pública", com base nas práticas de Israel sobre os palestinos. Não é à toa que se importam caveirões de Israel, terrestres, aéreos e aquáticos. Não é à toa que agentes policiais brasileiros fazem estágios em Israel. Pelo menos aqui no estado do Rio de Janeiro, é isso o que está acontecendo, às vistas de quem quiser. Eu mesmo, que faço minha galeria nas calçadas ou em qualquer lugar, tô vendo isso, de longe e há muito tempo. Ou não fizeram até uma feira de armamentos ali no Riocentro, com destaque todo especial pro estande de Israel e seus equipamentos de contenção de massa? Precisa ser algum gênio acadêmico, pra se tocar? O pior é ver laureados acadêmicos, sociólogos, especialistas, cronistas, jornalistas e outros istas e ólogos apoiando o recrudescimento da repressão nas áreas pobres – e lembro de Brecht. “O homem que não conhece a verdade é apenas um ignorante. Mas aquele que a conhece e diz que é mentira, esse é um criminoso”. Que corações de pedra, que tipo de sub-humanidade pode sustentar uma segurança pública tão desumana, tão deliberadamente direcionada à contenção dos sabotados pelo Estado, à contenção das conseqüências dessa sociedade vergonhosa, concentradora de privilégios para alguns, enquanto sonega direitos constitucionais à maioria?
É de se pensar, por exemplo, na quantidade de armas israelenses nas mãos do varejo do tráfico, além de armas russas e algumas estadunidenses. Não é possível imaginar esses traficantes de morro, que mal sabem escrever seu próprio nome, negociando lotes de armamentos em hebraico ou russo, com especificações técnicas de alto nível, detalhando estratégias de transporte, entrega e pagamento de tais volumes de dinheiro, através do sistema bancário internacional. Morei um ano praticamente dentro do complexo do Falet, entre o Catumbi, o Rio Comprido e Santa Teresa. Cansei de ver os caras comentando uma arma nova que havia chegado, mostrando um pro outro como funcionava e seu potencial destrutivo, deixando perceber que a arma não era conhecida e que chegara acompanhada de instruções de uso, que eram passadas aos "donos" do morro, que as repassavam àqueles que iriam usá-las. Os verdadeiros donos moram em locais "nobres", têm grandes empresas para legalizar o dinheiro do tráfico, transitam nas elites, nas colunas sociais, nas assembléias legislativas, na Câmara e no Senado (vide a assustadora entrevista do Marcola - se não tiraram, tá no gúgol, na mídia privada não saiu nada), têm lobistas e seus contatos são fortes no comando da "segurança pública". E não permitem a descriminalização das chamadas drogas ilícitas, sua principal fonte de renda, mais lucrativa que qualquer outra empresa, mesmo sonegadora de impostos, mesmo favorecida pelos poderes constituídos, mesmo ao custo de milhares de vidas. Afinal, são “apenas pobres”, gente sem significância social – isso dói e revolta.
A estratégia de "combate" ao tráfico não toca em seu cerne, dirige-se ao combate mais inócuo, mais inofensivo ao próprio tráfico, com efeitos cosméticos e midiáticos, apenas, pois, para cada traficante de morro morto, há cinco miseráveis esperando a vaga, cinco candidatos que, em sua ignorância, pensam que com eles vai ser diferente, cada um esperando ser invulnerável ao destino inevitável de 90% dos meninos que trabalham no ramo, a morte. Os 10% sobreviventes vivem histórias de encarceramento, fugas, novos encarceramentos, brutalizações, seqüelas de tiros, etc. Cada vez mais embrutecidos, mais insensíveis, mais sangüinários, se prestando a serem pretextos pro recrudescimento da repressão brutal sobre a camada mais pobre da população (é preciso lembrar que, nas favelas de maior movimento de tráfico, o percentual de bandidos não chega a 1%, embora a população seja atingida como um todo pelas ações de invasão e/ou ocupação das comunidades pobres pela polícia).Os verdadeiros donos do tráfico não são afetados por essas ações, devido à ausência de obrigações trabalhistas e pela imediata substituição dos "funcionários" caídos em "serviço". A cada vez que interesses econômicos se excitam, qualquer coletividade no caminho se torna "inimiga" e deve ser eliminada de qualquer maneira. As estratégias vão da criminalização midiática (a mídia privada está sempre pronta a distorcer a realidade em favor de interesses econômicos privados) até a pura e simples dissolução dessas coletividades, sua dispersão e a destruição dos seus vestígios, com apoio do aparato de contenção montado nas polícias.
Exemplo claro, na construção da Vila Olímpica “para o Pan” (não à toa, os maiores investidores, na propaganda internacional da candidatura do Brasil, foram as construtoras e empreiteiras com interesses imobiliários na Barra), foi a remoção de dezenas de comunidades pobres instaladas na área, algumas com mais de cinqüenta anos e resistentes a inúmeras tentativas privadas de remoção por esses mesmos interesses. Na ocasião, chegavam nessas comunidades os assistentes sociais, seguidos de oficiais de justiça com ordens de despejo, apoiados por guardas municipais, com caminhões destinados a transportar as tralhas que pudessem, para abrigos da prefeitura – que de abrigos só têm o nome, são lugares infectos, com grades e guardas armados -, acompanhados pela PM, na função de conter qualquer reação mais exacerbada, e tratores, para botarem abaixo casas, palhoças, taperas e casebres e fazer a “limpeza” da área. O que os interesses privados não conseguiram na justiça, no suborno, na compra de líderes, nas ações de sabotagem ou na pistolagem, o município fez pra eles. Algumas famílias receberam o cheque-despejo, uma indenização pífia. A maioria menos organizada, nem isso.
O grito dos sacaneados só funciona se for "muito alto" e envolver grande quantidade de entidades, principalmente com repercussão internacional. Assim mesmo, provisoriamente. Toda a estrutura do Estado está viciada, legislativos, executivos, judiciários, tudo cooptado pela alta bandidagem social, a parte podre que habita a elite mais poderosa. É preciso desbancar a fábrica de idiotas, de consumistas, de competidores sem sentido. É preciso pulverizar a mídia, abrir pra todo mundo se expressar, se comunicar, com o apoio do Estado para a maioria sem recurso (que é quem banca esse Estado – de coisas). E pra isso, é preciso resgatar o Estado. Transformar o que eles chamam de “custo social” em “investimento na população”. Destrinchar a idéia plantada e mal intencionada de que a vida é uma competição desenfreada pra ganhar dinheiro pra pagar o consumo desenfreado. Às vezes fico pasmo de ver como valores tão escancaradamente mentirosos podem “colar”, a ponto de não se imaginar outras alternativas.
A estratégia de infantilização, de idiotização e alienação conduzido pela mídia privada, a distorção da realidade e a imposição dos valores falsos que regem nossa cultura social, para ter a eficiência desconcertante que vemos, depende diretamente da sabotagem do ensino público, para que a população não desenvolva defesas críticas. Daí o envolvimento emocional no futebol, nas novelas, nos biguebróderes e outros narcóticos, enquanto somos roubados na educação das crianças e jovens, no sistema de saúde, na privatização das empresas públicas, na privatização da maior parte dos orçamentos dos municípios, estados e União. Somos roubados nos direitos mais básicos, direitos humanos e direitos constitucionais, para que haja a concentração absurda de privilégios para a minoriazinha dominante e suas classes subalternas, em hierarquia decrescente, ficando as migalhas, poucas e podres, para a maioria. Não é à toa, como eu dizia, o atual aparelhamento das forças de “segurança”. Levantes estão ocorrendo, distorcidos na mídia como ações do tráfico, que obriga a população a protestar. A tsunami da miséria se levanta, e há quem acredite na eficácia do aparato de segurança para contê-la.
Eu fico pasmo com tamanha falta de inteligência, tamanha cegueira, tamanha temeridade. A elite parece ter a sensação adolescente de indestrutibilidade, de ser inalcançável, de estar fora de risco. Mas o tempo está passando, a bomba relógio está montada.
(Eduardo Marinho é arteiro, penseiro e escrevinhador).
Fonte www.observareabsorver.blogspot.com
terça-feira, 3 de novembro de 2009
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