A laje faz parte do imaginário coletivo e é símbolo de status na periferia. Isso porque aquele que possui espaço livre para atividades diversas, como soltar pipa, estender a roupa lavada, tomar sol para manter o bronzeado ou mesmo arriscar um churrasco no fim de semana com os amigos, é um privilegiado. Com a superpopulação e a falta de espaço livre na periferia, a laje se torna um símbolo de conquista para seus moradores, que, na maioria das vezes, é obtido com a própria ajuda de amigos, parentes e vizinhos. É o “ritual” de “bater” laje que também movimenta a vida nos fins de semana periféricos. Há motivos para dele participar: uns ajudam por solidariedade, desinteressadamente, outros calculam a recompensa ao final da jornada de trabalho árduo, que é só gastronômica: mocotó, feijoada ou churrasco, regado com cerveja gelada. A complexidade desse “ritual” é mostrada no documentário Depois rola o mocotó, que, em seu título, já sugere o prêmio pós-trabalho.
Dirigido por Débora Herszenhut e Jefferson Oliveira (Don), o filme acompanha duas famílias na conquista de suas lajes, sem abrir mão de todo o entorno simbólico e social que a laje representa para a periferia. A laje tem seus personagens inseparáveis, como a garota da laje, o pipeiro e o olheiro do tráfico, que pontuam e acrescentam ao filme as vivências cotidianas das comunidades periféricas brasileiras, mesmo que tenha sido rodado no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. A representação da laje, onde quer que esteja, é sempre a mesma. Depois rola o mocotó revela, desde o início do dia, os preparativos para cumprir o "ritual" de encher a laje, as dificuldades para subir nas costas o material que será usado para fazer o concreto, o pouco espaço para mexer a massa, e os preparativos para o esperado mocotó, que fica por conta das mulheres, enquanto os homens deixam a laje pronta. Diferentemente do que se possa esperar de um documentário que adentra os morros cariocas, Depois rola o mocotó toca na questão do tráfico de drogas muito sutilmente, para não perder o foco, apenas revelando o uso da laje como ponto privilegiado de observação, sem que, com isso, crie visão estereotipada da periferia. A trilha sonora, assinada pelo coletivo Digitaldubs, é ponto forte. A música está inteiramente ligada ao filme, gerando empolgação e expectativa no decorrer das imagens; é uma trilha sonora que “fala”, que parece pertencer às imagens. Os diretores lançam mão do documentário observacional: não há entrevistas posadas ao estilo clássico, só depoimentos dos personagens que surgem no decorrer das imagens, sem que falem diretamente para a câmera, mas que dão conta de explicar o filme pela riqueza de imagens e pela montagem proposta.
Selecionado pela quarta edição do programa de incentivo à produção e difusão de documentários, o DOCTV, Depois rola o mocotó revela a dialética da periferia com base na laje, mostrando o cotidiano e as diferentes formas de socialização das comunidades periféricas, que sofrem mudanças geográficas a cada fim de semana, com a construção de uma nova casa ou o enchimento de uma nova laje.
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