Mais um Cidadão José Cap. 45
O som do Racionais Mc's soava baixinho dentro da viatura. Os três ficaram espantados de ver os policiais escutando Rap. Um dos gambé aumentou o volume do som e perguntou com tom de deboche:
- Vocês gostam desse som, né? Racionais Mc's. A gente também gosta muito.
O policial foi passando de faixa e na coletânea só tinha Rap que batia de frente com a polícia. Numa música do grupo Realidade Cruel a letra dizia: “Todo Camburão tem um pouco de navio negreiro”. A música do Trilha Sonora do Gueto zoava a polícia de forma mais engraçada: “Dicumento, RG e bilitação, se não tiver em punga vai pro camburão”. A música do Facção dizia: “A polícia brasileira é a que mais executa no planeta”. Os três ficaram assombrados quando os policiais colocaram na música do grupo Thiagão e os Kamikazes do Gueto. A música chama-se Tático Assassino e critica o aparelho repressor do Estado, em especial a Rone Preta. A parte 1 saiu no Cd do grupo Conexão do Gueto, quando o Thiagão era um dos integrantes. A segunda parte saiu no Cd solo do Thiagão (Jardim de Pedras) e a parte 3 saiu no Cd de seu novo grupo: Thiagão e os Kamikazes do Gueto. Essa última é a que pega mais pesado com os gambé e é intitulada aniquilação. Uma parte da letra diz: “Ta na hora de viúva de PM acender vela”. A música que os policiais estavam escutando era a parte 1, a que ficou mais conhecida entre os ouvintes de Rap, e o refrão dizia: “Vich, pra parar de pé é muita treta / Tático assassino, pau-no-cú da Rone preta”. Enquanto a música tocava os gambés ficavam olhado pros três e rindo. Um deles perguntou:
- Som doido, né? A gente gosta muito dessa música. Vocês sabem por que a gente gosta dessa música?
Os três permaneceram calados. O gambé continuou:
- A gente gosta dessa música porque vocês falam nela que nós somos o ‘Tático Assassino’.
Os policiais começaram a rir sem parar. As risadas faziam eco viela abaixo.
- Vamos dar uma volta crianças. Ahahahahahahha....
Colocaram os três na viatura e partiram.
José acordou no meio da madrugada com os malucos buzinando no portão. Estava com muito sono e foi no banheiro antes pra lavar o rosto. De uns dias pra cá isso já era rotina, ser acordado no meio da noite pra carregar e descarregar mercadoria. O galpão estava lotado de drogas e produtos vindo do Paraguai. Recentemente esconderam maconha dentro do brinquedos, encheram o porta-malas do carro e pegaram a estrada. Antes de sair de Foz o carro foi parado pela polícia. Reviraram as sacolas e só encontraram brinquedos, mas apreenderam a mercadoria por não ter sido cadastrada ao passar pela aduana. Os brinquedos foram parar no depósito da receita federal e depois foi doado para a PROVOPAR que doou para o Clube de Mães do bairro onde José morava. No dia das crianças as mulheres do Clube de Mães, juntamente com a Igreja Católica organizaram uma grande festa para as crianças do bairro. Em frente a Igreja Católica existe um grande terreno abandonado que estava tomado pelo mato e pelo lixo. Na semana do evento os moradores se reuniram e fizeram em alguns dias o que a prefeitura não fez em alguns anos. Limparam todo o local, plantaram árvores, fizeram uma praça, e fecharam a semana com uma festa para as crianças. O evento contou com apresentações musicais, teatro, oficinas. O grupo teatral pintou o rosto das crianças e foram distribuídos doces e brinquedos. Um desses brinquedos foi parar na mão do Neguinho, o filho de José. A Preta levou-o pro evento e inscreveu ele nas oficinas de Hip-Hop. Entre os 04 elementos do Hip-Hop o Neguinho escolheu fazer a oficina de Mc. No final do evento ele apresentou-se junto com os outros Mc's, onde cantaram a música criada pelos alunos naquele dia. O tema escolhido pelos alunos para fazer uma canção coletiva foi 'Drogas' e cada um escreveu um pequeno trecho que cantaram lendo no papel. O refrão dizia: “Ele não conseguiu fugir da morte / na norte / no coração de quem ficou a dor é forte / partiu sem passaporte / as drogas exterminam te atrai, depois te usa / chamam os manos pra morte, mas quem é forte recusa”.
O Neguinho estava brincando com o seu carrinho e desconfiou que era pesado demais. Pegou uma faquinha de serra e desparafusou a parte de baixo do carrinho. Correu pra perguntar pra mãe o que era aquilo que estava dentro do carrinho. Era maconha. Outras crianças também acharam e no outro dia estava na manchete do programa policial.
A viatura estacionou numa rua deserta e escura. Ali perto tem uma mata e o local é usado como cemitério clandestino e espaço de desova de corpos. Os policiais tiraram os três da viatura e os amordaçaram. Na seqüência começaram a espancá-los. Um dos policiais começou a dar coronhada na cabeça e o sangue escorreu pela roupa.
De repente o celular de um dos policiais toca.
- Fala chefia.
- Fala Japão.
- Como é que ta?
- Correria.
- O cachê caiu na conta?
- Caiu em boa hora.
- Então, tenho outro trabalhinho pra vocês.
- Fala que eu te escuta.
- Você pode colar aqui no QG?
- Certeza. Eu to perto.
- Vou ficar aqui no aguardo.
- To indo praí.
O gambé assinalou pros comparsas pararem com a tortura. Chamou os três no canto.
- O Japão quer falar com a gente. Tem um trabalhinho pra executar.
- E o que a gente faz com esses vermes.
- Vamos zerar eles. – propôs o gambé mais exaltado.
Um engatilhou e colocou o canhão na cabeça de Luci.
- Essa vagabunda aqui, deixa comigo.
Outro colocou a pistola na boca do Mano Guina.
- Esse daqui vai ser só um pipoco na boca, pra não estragar o coro.
O chefe pensou bem e interveio:
- Espera aí, eu tenho uma idéia melhor.
(Lizal. Na próxima edição mais um capítulo)
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
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