UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANA EDUCAÇÃO E LETRAS – CCHEL
COLEGIADO DO CURSO DE HISTÓRIA
DANILO GEORGE RIBEIRO
AS MUITAS FACES DE FOZ DO IGUAÇU
A PARTIR DO MOVIMENTO HIP- HOP
MARECHAL CANDIDO RONDON
2008
DANILO GEORGE RIBEIRO
AS MUITAS FACES DE FOZ DO IGUAÇU
A PARTIR DO MOVIMENTO HIP- HOP.
Trabalho de conclusão de Curso apresentado `a banca examinadora do curso de História da UNIOESTE - campus de Marechal Candido Rondon, como requisito básico para obtenção do título de licenciado em História.
Orientadora: Geni Rosa Duarte
MARECHAL CÂNDIDO RONDON
2008
CLARAÇÃO DE AUTORIA
EU, Danilo George Ribeiro, RG: 8.109.351-2, CPF: 055146029-66, residente no endereço: rua Pernambuco, 1599, Marechal Cândido Rondon, declaro que o texto aqui apresentado é de minha exclusiva autoria, assumindo portanto total responsabilidade sobre ele.
Agradecimentos
Agradeço primeiramente a meus pais pelo incentivo ao estudo e pelos ensinamentos que me transmitiram nesses vinte e dois anos de vida Agradeço também a dona Julieta, seu Adão, Avô Raphael, dona Nova e a todos que rezaram por mim e cuidaram do meu lado espiritual.
A todas as pessoas que prestaram de alguma forma algum ensinamento, que estiveram ao meu lado nos acertos,vitórias mas também nos erros e derrotas.
Aos amigos que fiz, aos que me aconselharam, me acolheram, me apoiaram, choraram, riram mas sempre estiveram comigo, aos amigos, colegas, parceiros, que por quatros anos compartilharam esse espaço acadêmico formado por contradições.
De modo muito especial agradeço os educadores (a) Geni Rosa Duarte, Robson Laverdi, Emilio Gonzalez que pensaram junto comigo essa proposta de trabalho, objetivando novas perspectivas e abrindo novos horizontes.
E agradeço a tantos outros mestres: Petrônio Domingues,Paulo Kolling , Davi Felix Schreiner, Marcio Both, Selma Duarte, Alessandra Gasparotto,Alexandre Blanki e a todos os professores que de alguma forma me passaram parte do seu conhecimento e reflexões.
Aos que auxiliaram e me ajudaram em momentos tenebrosos, minha irmã Danny, Mauro, Anderson, Raimundo, Rosilene, Fernando Favaretto.
Aos que compartilharam bons momentos ao meu lado nesse ultimo ano, agradeço aos amigos João Paulo, Nando, Gervasio, Iolanda, Roseni, Maicon, Felipe, Tristoni, Dezordi, Nelson, Divino, Lorena.
Aos que me receberam em suas casas, aos que narraram suas trajetórias, aos manos guerreiros que vivem cotidianamente rompendo as barreiras e superando as mais adversas situações.
Mando um salve pra toda banca C.D.R, aos traficantes de informação, aos dançarinos da companhia de Rua, Cartel do Break , MC, Djs, Grafiteiros, poetas, Ativistas e moradores da periferia: Toninho, Caê, Adenilson, Boneco, Leandro, Bib, Robinho, Rivaci, Gustavo, Fernandinho, Fernando Negre, Santiago (woloco), Mano Edo, Guilherme, professor Maikol, Pesadelo, Nelson, Morf, Josué, Mascara, Nego Jhonny, Paulo Bogler, Arinha, Zé da Borsa, Xandy, Elias, Carol, Samuel, e ao incansável mano Zeu que me apresentou as periferias, pois sem ele esse trabalho não teria ocorrido. E uma serie de irmãos de hospícios, que com seus sonhos e loucuras me deixaram bons ensinamentos. Nenhuma fronteira irá nos separar.
RESUMO
Este trabalho propõe discutir, numa perspectiva histórica, as linguagens que expressam práticas e relações socioculturais vividas a partir da movimento Hip-Hop e da análise de fanzines , constituídas nas/pelas articulações do movimento Cartel do Rap de Foz do Iguaçu, existente desde 2000. Busca-se apreender dinâmicas tecidas pelas tensões e disputas vividas naquela realidade pela juventude das periferias que produzem outras significações de pertencimento, as quais conflitam com a memória hegemônica da cidade e as apropriações concedidas pela indústria do turismo. Dessa forma pretende-se perceber a cidade a partir do viver urbano da experiência periférica, no qual o movimento Hip-Hop aparece como possibilidade de expressões e narrativas desses sujeitos.
PALAVRAS-CHAVE:
Cidade; hip-hop, Foz do Iguaçu, Fanzine.
(...) Revolução é resistência, resistir acima de tudo, resistir contra o tempo ruim, os dias chuvosos, a falta de dinheiro, manter a mente no lugar, mesmo quando o mundo está se corrompendo, é revolucionar nas pequenas coisas. Quando se fala em revolução se fala em armas, passeatas; mas muitas revoluções nascem nos becos, porões. Existem revoluções acontecendo neste momento, gente que está conversando, mentes pensantes que irão decidir o rumo que a nação ou um bairro vai tomar.
A revolução está nas pequenas coisas, é olhar não para as coisas que tem mais Glamour, mais perfume que brilham mais, isso é revolução. É não ser escravo de pensamento nenhum, é estar livre, sua mente precisa estar livre.
A revolução para mim é um monte de coisas cantadas, vividas, o que se come, o que se bebe, se veste, a mulher que você olha. Existem vários padrões a ser quebrados, vários tabus, preconceitos e paredes para serem derrubadas,. São varias revoluções por dia. Revolução é quebrar barreiras todos os dias, não se acostumar com barreira nenhuma.
(Mano Brown, Racionais Mc´s, entrevista à revista Rap Brasil,Agosto de 2006).
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.. 2
CAPÍTULO 1 - CIDADE E MEMÓRIA: 8
O viver urbano a partir da experiência periférica em Foz do Iguaçu. 8
1.1 CIDADE NOVA: O NOVO QUE JÁ NASCEU VELHO. 13
1.2 TRANFORMAÇÕES DO ESPAÇO URBANO: RESIGNIFICANDO NOVOS LUGARES. 24
CAPÍTULO 2. 30
HIP-HOP EXPRESSÕES E NARRATIVAS DA CIDADE. 30
2.1 O PROCESSO DO HIP-HOP EM FOZ DO IGUAÇU. 33
2.2 TRAFICANDO INFORMAÇÃO.. 47
CONSIDERAÇÕES FINAIS. 54
FONTES E BIBLIOGRAFIA.. 59
INTRODUÇÃO
Cartel do Rap é arma, de conscientização em massa;
É tronco, é folha, é fruto, é raiz;
É arvore que cresce em terreno baldio;
É arte que brota em terra insalubre.
Cartel do Rap é alma,é punho, é mente, é coração;
É asa que voa por becos sombrios;
É o canto cantado nos quatro cantos.
Cartel do Rap é crime;
É carro que anda na contramão,
É o povo unido com armas na mão;
Fazendo o trafico de informação.[1]
O trabalho que pretendo realizar é um desdobramento de pesquisas anteriores que venho realizando na forma de Iniciação Científica desde 2005, ano de meu ingresso nessa universidade. Na ocasião, me interessou o tema cidade e as questões ligadas a música de raiz negra, especialmente o Hip-hop. A pesquisa, intitulada “Um Estudo Sobre o Viver urbano Através das Obras dos compositores Sinhô, Jorge Ben, Chico Science, Mano Brown”, buscava mapear formas de interpretar as transformações ocorridas no espaço urbano a partir da produção musical, especialmente daquela realizadas nos subúrbios, periferias, ou seja, lugares habitados por pessoas pobres e, no caso, também negras. Ali, pensava-se a contrariedade do viver urbano da cidade, discutindo a reivindicação das camadas populares, através das obras de compositores ligados a ela.
Posteriormente, iniciei uma pesquisa de PIC/V no ano de 2006, sobre a questão do grupo Racionais e suas narrativas da periferia do bairro Capão Redondo, periferia da zona sul de São Paulo. Dessa forma percebi uma das funcionalidades desse movimento em datar contradições a cerca do viver na cidade. Assim, procurei em minha cidade natal, Foz do Iguaçu, algo sobre o movimento Hip-hop e me deparei com um arsenal bastante amplo de materiais produzidos por jovens da região periférica da cidade, no qual o que mais me chamou a atenção foram os Fanzines criados em 2005, os Fanzines já sofreram diversas reestruturações. Inicialmente, sua produção era bastante artesanal, basicamente mimeografada em uma folha A4 que, quando dobradas, totalizavam duas páginas, frente e verso. Atualmente, os cadernos tem apresentado em média 6 páginas.
O rol de colaboradores nesse período cresceu significativamente, assim como a variedade temática. Inicialmente concebido para ser um “porta-voz” do movimento Hip-hop, em pouco tempo, foi sendo aberto à participação de integrantes de outros movimentos presentes na cidade, como os punks, MONARFI (Movimento Negro de Foz do Iguaçu), Casa do Teatro, além de universitários, poetas e lideranças políticas de bairros.
Esse trabalho visa discutir aspectos do movimento Hip-hop surgido na cidade de Foz do Iguaçu /PR a partir dos anos 1990, bem como as possibilidades de expressão de novos olhares sobre vivências urbanas abertas a partir desse movimento. O trabalho enfocará especialmente a estruturação, organização e divulgação de materiais alternativos como discos de rap, cartazes, panfletos e, especialmente, dos Fanzine. Este último, surgido a partir de 2005, passou a se constituir como um importante espaço de debate em torno das questões relativas ao viver urbano, especialmente a partir do olhar “periférico”, ou seja, dos próprios moradores que, ao que tudo indica, tem encontrado no movimento Hip-hop um importante aliado na desconstrução de narrativas e memórias hegemônicas na cidade.
Constatando esse rico material produzido pela organização Cartel do Rap que foi formada a partir do ano 2000, com a junção de jovens de diversas periferias, que queriam divulgar a sua música Rap na cidade, a partir das fontes produzidas por essa organização nos deparamos com elementos que mostram aspectos da vivência periférica na cidade. Assim o primeiro capítulo data o surgimento dessas áreas irregulares na cidade, e busca trazer parte da experiência periférica e suas diversas formas de vivências, o objetivo principal desse capítulo é compreendermos o local que esses jovens se situam nesses materiais, a partir do debate de dois autores da historiografia local da cidade, que escreveram sobre esse processo Edson Belo Clemente de Souza e Emilio Gonzalez,que eles abordam aspectos sobre o processo de crescimento urbano recente e o processo de formação das periferias na cidade de Foz do Iguaçu.
Edson Belo Clemente de Souza trabalha as políticas públicas a partir das transformações operadas na obra da construção da Itaipu Binacional as décadas de 1970 e 1990. Nesse sentido, visualiza uma sociedade que vive em constantes conflitos de interesses gerados em torno da constituição dos espaços urbanos, protagonizados, entre outros, por moradores de ocupações irregulares e os poder público. Na avaliação do autor, entretanto, aparecem formulações tornadas já “lugar comum” entre os autores que estudaram os processos de urbanização no período pós-ITAIPU:
O término da construção da Hidrelétrica de Itaipu marcou o final de um período de crescimento para a região, principalmente para Foz do Iguaçu. Se de um lado as conseqüências foram positivas com o fortalecimento do setor de comércio, serviços e da construção civil, por outro lado, devido à incapacidade do município atender a uma demanda básica crescente, provocou carências sociais (saúde, educação, saneamento básico, habitação, etc.), que o poder público ainda não conseguiu absorver.[2]
Esse assunto é focado no nosso primeiro capítulo dessa dissertação. uma linha diferente o autor Emilio Gonzalez através da sua pesquisa sobre as ocupações de uma das maiores regiões periféricas da cidade, tratou a periferia como um lugar que impulsionou o crescimento da cidade, não sendo somente visto como reflexo dele:
(...) uma vez que essas populações direta ou indiretamente também pressionaram o poder público para realização de obras como saneamento, básico, creches, calçamento, posto de saúde, além de uma pauta ampla de políticas sociais, estabelecendo uma relação quase paternalista com setores políticos da cidade. [3]
Assim esses dois autores nos auxiliaram com suas interpretações acerca do viver urbano na cidade de Foz do Iguaçu, nesse capítulo ainda apontamos para reflexões a cerca da temática cidade, a partir de alguns autores como Antonio Arantes, Raquel Rolnik, Dea Fenelon, Para os quais a cidade e o espaço urbano devem ser entendidos como um espaço em constante disputa, na qual se constitui uma verdadeira “guerra de lugares”, nas palavras de Arantes. Na acepção de Fenelon:
Se compreendermos a cidade como o lugar onde as transformações instituem-se ao longo do tempo histórico com características marcantes, queremos lidar com essas problemáticas como a história de constantes diálogos entre os vários segmentos sociais, para fazer surgir das múltiplas contradições estabelecidas no urbano, tanto o cotidiano, a experiência social, como a luta cultural para configurar valores, hábitos, atitudes, comportamentos e crenças. Com isso, reafirmamos a idéia de que a cidade nunca deve surgir apenas como um conceito urbanístico ou político, mas sempre encarada como o lugar da pluralidade e da diferença, e por isso representa e constitui muito mais que o simples espaço de manipulação do poder. E ainda mais importante, é valorizar a memória, que não está apenas nas lembranças das pessoas, mas tanto quanto no resultado e nas marcas que a história deixou ao longo do tempo em seus monumentos, ruas e avenidas ou nos seus espaços de convivência (...).[4]
Assim, no segundo capítulo descreverá sobre a atuação do movimento hip-hop na cidade de Foz do Iguaçu-PR, o objetivo principal desse capítulo é entender que o movimento hip-hop não está acima das transformações urbanas ocorridas na cidade, ele é ao seu modo reflexo dessas disputas e contradições acerca do viver urbano na cidade, e possibilita que essas transformações sejam elaboradas e interpretadas por pessoas que, de outra forma, dificilmente teriam como expressar suas concepções acerca da experiência de morar na cidade.
Por fim, devemos apontar também no segundo Capítulo como o movimento hip-hop vem sendo tratado no âmbito mais geral da historiografia. Para tanto, podemos apontar uma perspectiva bastante comum entre os pesquisadores do assunto, e que pode ser observada, por exemplo, em Rosana Martins Silva e Celso Rosa. Para estes, o movimento aparece ligado diretamente às populações marginalizadas, como se fosse uma espécie de “voz dos excluídos”. Porém, estes acabam tratando o Hip-hop, erroneamente, apenas como objeto de “protesto”, como se fosse algo homogêneo, cuja única função seria a de se converter na “voz dos excluídos”, porém, vazio de disputas e conflitos. Para Rosana Silva, por exemplo:
(...) o Rap Nacional não apenas fala da dura realidade das ruas, mas fala na linguagem da periferia, de uma coletividade que se apresenta discursiva e argumentativamente num espaço público de forma aberta e racional, que ganha sua expressão no âmbito da vida social na composição de seus interesses, vontades e pretensões. Portanto, a importância de uma comunidade imaginada segue daí: ela evidencia um “nós” necessário para a constituição de cada ser individual, processo que dá testemunho ao fato de que vidas individuais não se formam apenas de dentro das estruturas burocráticas institucionais, mas principalmente de fora, ou seja, das arenas internacionais, dos espaços públicos de argumentação. [5]
Nesse sentido, quando se fala em Hip-hop, ele aparece como representação musical de uma única forma, seja no seu conteúdo (denúncia, protesto), seja na sua forma (rítmica, artística), seja na sua função política (conscientização das massas) nos mais diferentes lugares e realidades, chegando-se até mesmo a falar em termos de “Rap Nacional”. Também é comum associar sua existência e condições de reprodução aos grandes centros urbanos, como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Também foram importantes as contribuições no campo da história oral as reflexões de Alessandro Portelli, acerca dos princípios éticos e da utilização da história oral enquanto fonte de pesquisa. Para ele:
A história oral alia o esforço de reconstruir padrões e modelos á atenção ás variações e transgressões individuais concretas. Assim a história oral tende a apresentar realidade não tanto como um tabuleiro em que todos os quadrados são iguais, mas como um mosaico ou colcha de retalhos, em que os pedaços são diferentes, porém formam um todo coerente depois de reunidos, a menos que as diferenças entre eles que sejam tão irreconciliáveis que talvez cheguem a rasgar todo o tecido. [6]
A história Oral subsidiou parte do contato com os moradores dessas áreas periféricas, e se mostrou como uma importante ferramenta para interpretar e mapear questões acerca da vivência desses moradores, além de revelar as múltiplas formas de sentido, significado, símbolos, ajudando a romper com a idéia homogênea desses lugares.
Na presente pesquisa, no entanto, o Hip-hop será tratado dentro de algumas especificidades que o diferenciam das análises acima mencionadas. Vários fatores indicam para essa opção. Trata-se de uma cidade de porte médio no interior do estado do Paraná, na triplice fronteira com Argentina e como Paraguai. Nela, os índices de violência são considerados elevadíssimos em relação à média nacional, figurando na lista o grande número de homicídios entre a população jovem.[7] Na cidade, é forte a incidência do trabalho “informal”, incluindo o contrabando de mercadorias do Paraguai, e, principalmente, o tráfico de entorpecentes. Nesse sentido, é possível entender o porquê o Hip-hop realizado nessa cidade incorpora temas que também aparecem no Rap de uma forma geral, no Brasil, mas, ao mesmo tempo, mantém várias especificidades. Ou seja, é evidente que tal movimento não se desliga totalmente daquelas questões pautadas pelo Hip-hop realizado nos grandes centros urbanos como São Paulo, Campinas e Brasília, mas, certamente, o faz de forma totalmente nova, original, discutindo problemas do ponto de vista da experiência daquele que vive na “fronteira”; temáticas que o presente trabalho pretende explorar.
CAPÍTULO 1 - CIDADE E MEMÓRIA:
O viver urbano a partir da experiência periférica em Foz do Iguaçu
Este trabalho aborda questões da “periferização” da cidade de Foz do Iguaçu. Outros estudos sobre esse processo já foram feitos por alguns autores como: Edson Belo Clemente de Souza (1998) [8] e Emilio Gonzalez (2005),[9] ambos abordaram aspectos sobre o processo de crescimento urbano recente e o processo de formação das periferias na cidade de Foz do Iguaçu.
Porém esta pesquisa teve por objetivo abordar a constituição das periferias na cidade a partir da trajetória do movimento Hip-Hop. Nesse sentido, consideramos que esse movimento age como uma espécie de tradutor dessas expressões de memórias de moradores das periferias que de outras formas dificilmente se manifestariam.
O palco de atuação dos jovens abordados por esta pesquisa são as diversas periferias da cidade, como: Cidade Nova, Porto Meira, Favela do Bambu [10], Favela do Cemitério[11], Jardim Paraná[12], Jardim Jupira, Favela da Mosca [13], Três Lagoas, Favela do Queijo, Vila Brás, Porto Belo, entre outras[14].
Para entendermos a história do movimento Hip-hop na cidade temos que compreender um pouco o desenvolvimento dessas áreas periféricas e a constante luta desses sujeitos.
Foz do Iguaçu é uma cidade marcada pelos usos dos diferentes Recursos naturais, assim como pelas obras desenvolvidas em torno do turismo e de planejamento,mas a experiência urbana periférica fora daquelas visões romantizada, da propaganda oficial turística, para quem Foz do Iguaçu seria uma terra idílica, edênica, composta apenas por atrativos turísticos naturais (Cataratas, rios Iguaçu e Paraná, Parque Nacional do Iguaçu, etc.) e tecnológicos (Itaipu Binacional, pontes da Amizade e Tancredo Neves, comércio de eletrônicos de Ciudad Del Este, etc).
Outra visão da cidade é aquela estereotipada pelos jornais sensacionalistas, para a qual a “periferia” é, por excelência, o berço da criminalidade e violência, porém iremos discutir a organização e reorganização do espaço na cidade, que revela a multiplicidade de territórios criados dentro de uma mesma cidade.
Neste capítulo nos debruçaremos sobre a questão do território, bem como sobre os fatores que permeiam a luta entre os órgãos públicos e as comunidades periféricas que foram se desenvolvendo na constituição da cidade.
A cidade é marcada desde o início do século XX pela luta de posse da terra no seu desenvolvimento territorial-urbano, e esses conflitos se acentuam após década de 1970, derivado do início da obra da construção da barragem da Itaipu, no início do ano de 1973. A partir desse período, percebe-se um profundo interesse governamental, que começa a agir no planejamento da cidade, designando e interferindo nos territórios, remodelando, de certa forma, os seus contornos físicos e simbólicos. Desde esse momento os órgãos públicos tentam exercer a prática de ordenar e estruturar o crescimento urbano, intervindo nas relações de moradia, habitação, e tentando planejar um desenho mais interessante para a cidade.
Foz do Iguaçu, que tinha cerca de 33 mil habitantes no início dos anos de 1970, chegaria ao início dos anos de 1990 com um crescimento populacional superior a 800%, o maior registrado na história do estado, isso, portanto, em um curto período de apenas três décadas[15]. Percebemos, a partir desses dados, que houve um processo do “boom demográfico” e das abruptas transformações na estrutura urbana da cidade de Foz do Iguaçu. Assim se acentua o movimento, em certas áreas das chamadas “ocupações”, principalmente às margens do Rio Paraná.
Nas duas décadas seguintes, essas áreas de “ocupações” se espalharam pelos quatro cantos da cidade, como veremos a seguir. Desde esse momento os órgãos públicos tentam exercer a prática de ordenamento e estruturar o crescimento, intervindo nas relações de moradia, habitação, e tentando planejar um desenho interessante par a cidade, desse sentido Rolnik faz uma importante análise do planejamento da cidade:
Uma das características distintas da estratégia e modo de ação do estado na cidade, é a emergência do plano, intervenção previamente projetada e calculada, cujo desdobramento na história da cidade vai acabar desembocando na prática do planejamento urbano. O que há de mais forte e poderoso atrás da idéia de planejar a cidade, é sua correspondência a uma visão que a cidade pode funcionar como um mecanismo de relojoaria, mecanicamente.[16]
No ano de 2000 a Secretaria do Planejamento de Foz do Iguaçu iníciou uma revisão do Plano Diretor do município[17], lançado em 1990. A partir dessa revisão foram sendo criadas “forças- tarefas” coordenadas pela Guarda Municipal· da cidade. Essa operação procurou controlar crianças e adolescentes que realizavam furtos na área central da cidade, sendo realizada então uma verdadeira operação polícial nas saídas das favelas do Cemitério, Marinha, Monsenhor e Bambu.
Evidenciando a prática repressiva que buscava conter a criminalidade naquele local, tinha-se como plano trabalhar em conjunto com outras secretarias sociais programas como “Apoio acrianças e aos adolescentes”, como afirmou o secretário de Segurança Pública Honório Olavo Bortolini: “Vamos direcionar as ações das secretarias e entidades para complementar as metas estabelecidas na operação das polícias.” [18]
Essa operação tinha realmente como meta espantar e reprimir os residentes nas favelas, e até os dias atuais perdura essa prática polícial nessas áreas, de que trataremos posteriormente.
Queremos salientar que as “ocupações” a que nos referimos acima se tornaram as atuais favelas, que até hoje permanecem próximas ao atual centro da cidade. Embora tenha havido, ainda, ações no sentido de despejar e remover essa população, essas fracassaram, e em decorrência disso, foi-se elaborando um desenho para o centro bastante contraditório, com a cidade dando as costas para o rio Paraná, rebaixando ainda mais as favelas para as margens do rio, na tentativa de esconder aquele cenário dos turistas e comerciantes que por ali transitavam.
O desenvolvimento dessas favelas na cidade não preocupa somente as autoridades locais, tendo uma grande repercussão nacional como aparece baixo em reportagem de um grande jornal paulistano:
O aumento na fiscalização no lado brasileiro e os bloqueios da ponte pelos paraguaios estão empurrando o trafico de mercadorias para o Rio Paraná e o lago de Itaipu. As rotas vão de Puerto Franco e Cuesta Leste, na margem paraguaia para as favelas do Queijo, Jupira e da Marinha, no lado Brasileiro.[19]
A luta pelos espaços não se restringiu somente ao centro comercial, pois no início dos anos de 1990, as ocupações se expandiram para outras regiões, que inclusive já faziam parte dos planos das instituições públicos e privadas e despertavam o interesse empresarial da cidade.[20]
Houve, portanto, um retalhamento da cidade, em que se tentou impor na perspectiva das classes dominantes, critérios de higienização e organização do espaço. Fica claro que essas e outras áreas faziam parte do constante interesse da reorganização capitalista, pois a cidade crescia e havia um forte empreendimento no setor hoteleiro, que visava à exploração do turismo, assim como a exploração comercial de produtos importados na fronteira com o Paraguai e Argentina. [21]
Nesse processo surgem novas concepções sobre a cidade, a partir da experiência social de moradores que irão resistir às tentativas de remoção [22], permanecendo próximos aos centros comerciais e turísticos, organizando o seu novo espaço e interferindo mais uma vez nos planos das classes dominantes.
É claro que a explosão populacional vivida na cidade também trouxe benefícios para sua “elite”, pois criou uma grande quantidade de mão de obra excedente a ser utilizada, por exemplo na construção civil. Esse processo foi evidenciado nas entrevistas com os jovens da periferia, na grande maioria trabalhadores ou ex-trabalhadores, às vezes filhos de trabalhadores das construções civis.
O Porto Meira é a segunda maior região periférica da cidade, conta com cerca de 40 mil habitantes é um conjunto que une 32 bairros[23], conhecido, hoje, por grandes invasões e uma densidade demográfica alta. Foi um dos primeiros territórios que foram evidenciados na dinâmica de ocupações [24]ainda na década de 1980, recebendo inclusive um fluxo de imigrantes vindo do Paraguai que se fixaram na região.
A partir de 1980, ficava claro que os poderes públicos tinham um grande interesse na área, com a possibilidade de ligação e intensificação do comércio entre Brasil e Argentina. Desde a década de 1970 esse bairro dispunha de um porto, que localizado às margens do Rio Iguaçu, possibilitando a travessia para a Argentina. Com a construção da ponte Tancredo Neves e o encerramento da travessia por balsa, o bairro passou a ser incluído nos planos de construção de casas populares, dando vazão ao processo de “desfavelização” do centro. Todavia, as ocupações da década de 1990 no Porto Meira se diferenciaram das de outras décadas, pois não predominaram de moradores despejados do Centro, mas pessoas que já viviam naquele bairro ou em outras áreas de ocupação.
A partir daí essa região já se aparecia pela ordem social como periferia, mas até hoje ainda é um lugar que os órgãos públicos e privados investem num certo planejamento. Grandes avenidas cortam a região, como as Avenidas General Meira e Avenida das Cataratas que ligam o centro à , Argentina e a outros bairros. Encontra-se ainda no Porto Meira o Marco das Três Fronteiras, um dos mais conhecidos monumentos da cidade, transformado em atração turística, assinalando o encontro das águas dos rios Iguaçu e Paraná, demarcando as divisas entre Brasil, Paraguai e Argentina[25]. Nesse local foi construído o Centro de Convenções, uma construção bastante imponente, que se destaca visualmente a partir dos territórios dos outros dois países limítrofes.
1.1 CIDADE NOVA: O NOVO QUE JÁ NASCEU VELHO.
Hoje o bairro já superou alguns problemas, está diferente mas a má fama ainda perdura, fica a indagação: até que ponto é valido retirar uma família de seu lugar de origem, aonde nasceu ou vivem, onde está seus amigos e familiares, esse lugar que aprenderam a gostar, mesmo com os tiros cantando próximo de sua janela. Até quando vamos precisar mentir o nome do bairro aonde moramos para conseguir um emprego. [26]
O processo de periferização se espalhou, adaptou e transformou o espaço urbano da cidade. A fundação desse bairro ocorreu no ano de 19996, e veio do anseio da elite em remover aquelas populações, que moravam em favelas próximas ao centro. A construção de casas populares são feitas de blocos de cimento e cobertas por telhas do tipo eternit.
A prática de construção de casas populares na cidade é antiga, iniciada em meados dos anos de 1980, sendo realizada desde o Governo municipal de Dobrandino Gustavo da Silva. O projeto de casas populares “Cidade Nova” foi realizado no governo municipal de Harry Daijo no ano de 1997.
Todas as casas tem a mesma estrutura, com dois quartos, uma cozinha e banheiro, mas o processo de construção faz com que algumas delas apresentam varias falhas na sua estrutura, como portas que não fecham, blocos de cimentos que desmancham, e a grande quantidade de frestas entre as paredes, como podemos observar na foto abaixo, tirada em uma das nossas idas ao local:
Através do projeto Cidade Nova, que deu o nome ao bairro, este se formou inicialmente a partir de um desmanche das favelas da Marinha[27], Favela do Cemitério e do Monsenhor Guilherme, que ficam próximas ao centro, processo a que já nos referimos anteriormente. O próprio centro da cidade passava por um processo de remodelação.Que visava deixar a cidade mais atraente e com o aspecto de organizado, o que podemos perceber pela construção da Praça das Nações (localizado no centro comercial, em frente ao Colégio Estadual Mitre) [28], e pela obra de implantação do calçadão na Avenida Brasil.
Mas para esse processo urbano para se concretizar era preciso mais uma vez “tirar os pobres do caminho”, e assim ocorre novamente mais um afastamento de populações das áreas de ocupações irregulares perto desse centro oficial da cidade.
Lembramos que Foz do Iguaçu não tem somente um centro comercial. Há outros centros,construídos próximo o de áreas mais afastadas, e há também um forte pólo comercial perto da Ponte da Amizade, localizado na região da Vila Portes, principalmente ao setor de atacado e varejo.
Os moradores foram então “colocados” numa região bem afastada, práticamente ainda com algumas características rurais, próximo à Subestação de Furnas. Portanto, o bairro Cidade Nova foi se constituindo enquanto espaço receptor daqueles sujeitos que representavam perigo e incômodo para as classes dominantes.
O bairro contém uma divisão instituída pela Prefeitura, entre Cidade Nova I e Cidade Nova II, havendo duas organizações de moradores. Os moradores podem votar cada um na sua parte do bairro, e, dessa forma, existem dois lideres comunitários, cada um responsável por uma parte do bairro.
O Cidade Nova I é mais isolado, No início não se tinha a necessidade de construir casas populares mais próximas da avenida, mas posteriormente, com construção da segunda parte , o bairro encostou novamente na avenida Tarquínio Joslin dos Santos, bem próximo à subestação de Furnas. Todavia, constatei que os moradores se referem a essa duas partes do bairro como parte baixa e parte alta, ao invés de Cidade Nova 1 e 2. Percebe-se, claramente, que esse processo de separação não é bem aceito, sendo que alguns moradores expressam que só deveria haver um líder, apontando que um deles favorece os evangélicos do bairro, assinalando que todas as obras, dinheiro e melhorias são feitos em beneficio das igrejas evangélicas.
Outra reclamação é que supostamente os dois líderes comunitários são trabalhadores da empresa de ônibus Rafagnin , e os moradores querem que se estabeleça ma linha de ônibus inter-bairros. Porém, como a empresa que realiza esse trajeto é concorrente da Rafagnin, considera-se que os lideres não lutam pelo inter-bairros pois estariam batendo de frente com o negocio do patrão.
Nesse sentido podemos pensar no senso político desses moradores, que comparam as atuações dos lideres comunitários, e buscam uma mobilização para eleger um novo representante, pois esse ano é eleitoral no bairro, visto que acontecem de dois em dois anos.
Os moradores narram que sofreram com o afastamento total da cidade, uma vez que o bairro não contava com as mínimas condições de habitação, uma vez que não havia escola, Posto de saúde, creche, e não existia nenhum espaço comercial, educacional, etc. Um dos nossos depoentes faz uma reflexão sobre sua vinda para o local e critica o discurso utilizado pela prefeitura á época para a transferência dessas favelas centrais, como podemos constatar abaixo:
Olha só o bairro, eu até escrevi no Fanzine número 29 que fala sobre o Cidade Nova, só quem conhece por dentro pode entender, né. Esse zine ate “zuou”, pois os políticos falam muito em erradicar favela, e erradicar pra gente, morador, significa destruir, e eu tenho um panfleto ai que tá escrito: Paulo Macdonald [prefeito de Foz] erradicou as favelas de Foz. Ele destruiu, tá ligado? Acabou. O que o cara fez aqui, ele destruiu, foi frio e calculista. Você tira os caras das “quebradas” deles, até tirou gente de barranca de rio, mas jogou aqui sem mercado, sem asfalto, sem saneamento, sem escola, sem nada.
Cara, eles tinham que ter preparado isso aqui primeiro, pra trazer essa galera, e outra, cara, arrumar emprego pra essa galera ai que ta vindo, pelo menos pra um de cada família. (...) A galera tá sem trampo [emprego] jogada aqui no fim do mundo, longe de tudo, sem escola, aqui não tinha nada farmácia nada, não tinha um posto de saúde não tem ate hoje calçamento, chove aqui fica tudo um barro. Então ele destruiu, ta ligado, tinha que ter pensado melhor daí. E por que, que ele fez isso, prá falar que acabou com as favelas, erradicou e tal [29].
Como podemos percebe, esse morador utilizou a produção dos Fanzines para desconstruir o discurso do prefeito, valendo-se da sua atuação no movimento hip-hop, que possibilitou um meio de contar e narrar suas experiências sociais na cidade. Voltaremos a esse ponto posteriormente. Mas podemos já assinalar que, a partir dessas narrativas, percebemos o quanto a “história oficial” da cidade é negada, recusada, elaborando-se novos significados, desmistificando a imprensa e o discurso político da elite, transgredindo o sentido de melhoria e desenvolvimento criado pela propaganda institucional e pela imprensa. Interessante é o sentido dado de destruição por esse morador frente ao discurso de erradicação elaborado no panfleto citado do prefeito: na prática vivida e expressa, erradicação é destruição, perda, prejuízo, detrimento.
Nesse sentido entendemos que as transformações da cidade no aspecto de desenvolvimento urbano econômico interferem também no plano dos territórios e da cultura dessas regiões periféricas.
Alguns moradores do bairro já se posicionaram através de certas organizações, e algumas atividades de protestos e reivindicação já foram polemizadas na cidade. Uma das mais surpreendentes que foi comentada num Fanzine[30] do Cartel do Rap: os moradores se reuniram no dia na escola Municipal Jorge Amado, para discutir o preconceito e a discriminação contra o bairro.
A reunião foi organizada do seguinte modo: Foi colocado debaixo da porta dos moradores do bairro um papel dizendo “Convite especial” aos moradores do bairro Cidade Nova, “prezados moradores convidamos a todos para uma grande reunião que será realizada na escola municipal Jorge Amado, as 19:00 horas, no dia 08/07/2006”.
Estavam presentes nessa reunião vereadores, representantes da secretaria de obras, pastores, e o secretario de esportes, presidente do bairro e das associações dos moradores, a diretora da escola, representantes da igreja católica e mais de quatrocentos moradores. Segundo o Fanzine o desfecho da reunião foi o seguinte:
O líder comunitário discursou “As pessoas estão sofrendo muito, por causa do preconceito, muitas vezes os filhos passam fome por que os pais não conseguem arrumar emprego (...) Uma senhora que trabalhou dois anos em um hotel e estava há seis meses desempregada, foi procurar um emprego em um hotel que oferecia uma vaga. Como ela era experiente a gerente falou a vaga era dela; mas quando ela voltou disseram que a vaga já tinha sido preenchida; tudo porque olharam no currículo dela e viram que ela morava no Cidade Nova(...) Foi aprovado uma lei e assinada por todos os vereadores, autorizando o prefeito a fazer uma campanha publicitária a favor do Bairro Cidade Nova (...) O presidente da câmara dos vereadores Carlos Budel, deu a palavra : “ um dos próximos centros de convivência será aqui no Cidade Nova, a criança vai ficar o dia inteiro na escola por que os pais precisam trabalhar e não tem dinheiro para pagar uma babá(...) tudo aquilo que a câmara puder dar em favor do bairro, ela vai dar. [31]
Nesse sentido ponderamos que a questão do preconceito com os moradores do bairro Cidade Nova não se restringem somente a esse bairro. Há outras periferias que sofrem com essa situação, o que também afeta moradores da Favela do Queijo (que dizem que moram em outra região do Porto Meira) moradores do Jardim Jupira, (falam que moram na vila Portes), e assim por diante. O apontamento desses lugares como bairros de bandidos, vagabundos, marginais, se espalhou, especialmente pela atuação da imprensa: esses locais que estão sempre apontados nos jornais, principalmente os sensacionalistas, políciais.[32]
Talvez a fama do Cidade Nova não provenha somente da violência que assolou os seus primeiros anos de existência, mas o bairro herdou a notoriedade das favelas que foram, removidas para este local, principalmente da Favela da Marinha, que sempre foi apontada na cidade como um local de alta periculosidade.
A idéia da prefeitura do município e dos órgãos já citados para combater a discriminação seria lançar uma publicidade favorável a esses locais, o que, de certa forma, demonstra a contradição: utilizar a imprensa, a mesma que denigre esses moradores, nos programas políciais, para também reconstruir uma outra versão daqueles sujeitos e local. É claro que essa medida paliativa não resolveu nada, e nada foi feito nesse sentido.
Esse bairro pode ser considerado uma outra Foz do Iguaçu, pois reuniu em seu espaço gente de locais diferentes, sendo vítima de conflitos internos, diante da heterogeneidade das favelas que foram sendo desmanchadas, que tinham particularidades na sua própria forma de organização e que não podiam imediatamente ser adaptadas, uma vez que na mudança de espaços se locomovem também os territórios ali existentes, plenos de valores e éticas. Contam os moradores que no início do bairro havia muita revolta por viverem na precariedade e no isolamento, cercados de mato e com ruas não calçadas, cheias de barro. Segundo Rolnik, a compreensão desse processo se dá no entendimento sobre o sentido do espaço:
Enfim, a idéia que está colocada aqui, ao invés de circular na esfera da função, quer dizer, o espaço-função (muito compatível com um raciocínio da exterioridade da produção social e econômica em relação a esta configuração espacial), é a idéia do espaço como marca, como expressão, como assinatura, como notação das relações sociais, como cartografia das relações sociais. [33]
Em conversa com alguns moradores fica clara a questão de diferenciação que alguns fazem questão de frisar, entre os que vieram e os que não vieram das favelas, e sim de outros bairros, havendo até certa identificação do tipo “fulano é favelado, veio de tal lugar”. Existe, portanto, uma atitude de separação por parte dos moradores, não no sentido de se negar a conviver, mas no sentido de se afirmar como não senso proveniente de favela.
Um dos fatores que contribuam para isso foi à idéia de que “favelados” são bandidos, vagabundos, sujos, reiterado pelos meios de comunicação, demonstrando que há mesmo certa absorção desse discurso por alguns moradores.
Mas há também aqueles que possuem uma outra visão do desenvolvimento das favelas na cidade, como é o caso do morador do José Batista Souza Filho:
Esse povo de favela que mora hoje no Cidade Nova, todos vieram de outras regiões pra trabalhar na Itaipu e a Itaipu sabe o que ela fez? Quando foi acabando a obra ela foi tomando essas casas dos moradores, essas pessoas foram formando as favelas, eles ficaram sem casa, sem nada. Então quem deve muito hoje pro município é a Itaipu, ela devia fazer casa pra esse povo, dar emprego, e ela não fazem nada. [34]
O morador contesta, nesse sentido, não somente a atuação da Itaipu na cidade, mas a memória “oficial” que é produzida por ela, que tenta construir uma idéia na qual a hidrelétrica desenvolveu, fez progredir, urbanizou a cidade. Na contramão dessa idéia está à expressão de um morador, que enxerga um avesso desse processo, apontando que muitos no bairro foram despejados, abandonados, apontando assim certa divida dessa estatal com grande parte da população.
Se a maioria dos moradores, no processo inicial de constituição do bairro, proveio do desmanche das favelas, outros se fixaram posteriormente, quando o bairro cresceu, teve algumas ruas asfaltadas, passou a dispor de escola, mercado, creche, igrejas (principalmente evangélicas).Assim, fixou-se nesse espaço moradores que vieram de outros bairros, como Ouro Verde, Parque Presidente, Três Lagoas e Jardim Paraná, etc.
Um morador explicou a sua vinda para o Cidade Nova, revelando a relação comercial com alguns terrenos do bairro:
As casas, no caso aqui a minha a gente ganhou em consignação o terreno, aonde que a Foz-habita que é autarquia do município, vende os terreno por preços mais acessível pros moradores, aonde é parcelado em 60 vezes e vai pagando até dar o valor x. Vai pagando até ganhar a quitação do terreno. Eu estou construindo minha casa há sete anos e tem muitas pessoas aqui que para terem a casa dele estão tendo que pagar por mês .[35]
Fica claro que nem todos que formaram o Cidade Nova vieram despejados, ou locomovidos, sendo que a prefeitura, hoje, comercializa terrenos e lotes neste bairro atraindo moradores de outras regiões. O detalhe é que, com o crescimento do bairro, os terrenos passaram a ter valor comercial, fazendo com que a prefeitura passasse a intermediar a venda dos terrenos.
Um dos motivos que atraiu outros moradores foi que ali estavam se construindo casas “novas”, diferentes de muitos barracos de madeira, muito embora muitas fossem entregues inacabadas. Mas o fato é que isso atraiu boa parte da população que migrou pra este local, e além do que havia a promessa por parte dos órgãos públicos de ali se tornar uma região independente, com seu comercio próprio. No quesito segurança, muitos moradores comparam esse bairro com outras favelas, principalmente as concentradas em barrancas de rio, revelaram, em conversas de bar e entrevistas, que a questão de criminalidade é baixa: “ladrão no Cidade Nova não se cria, não existe roubo dentro do bairro”. Pode-se dizer que existem certas “leis”, digamos assim, onde o morador que rouba ali dentro pode ser morto por outros moradores: “nós não chamamos a polícia para resolver, a gente aqui resolve tudo”. Podemos, portanto, concluir que esse bairro possui a sua organização própria, e quem cuidam da segurança do local é o próprio habitante dali.
Nesse sentido alguns moradores apontam à região do Porto Meira e Morumbi, principalmente, como uma região sem lei, e muitos dos que migraram dessas regiões reclamam que um dos fatores que impulsionaram sua saída desses bairros é que ali o local havia muitos assaltos cometidos por vizinhos ou pessoas que moravam naquela região, ou seja, feitos pelos chamados ratos [36]. “No Cidade Nova os ratos não se criam”, dizem alguns moradores, problematizando essa questão do controle dentro do bairro.
Outra questão percebida e apontada pelos moradores: por ser menor e mais afastado, o bairro Cidade Nova não serve como transição para outros lugares, tendo muito mais um caráter de “vila”.
Antes da fixação desses moradores no local, havia ali uma área de ocupação defronte à UNIOESTE. A população desse local vivia próximo do Rio Almada [37], o que causava certo mal estar tanto para os universitários que por ali transitavam quanto para empresários que pretendiam construir outra faculdade naquele lugar. Em decorrência, essa população foi removida, algumas agregadas para o Cidade Nova 1, que estava começando a se formar, numa área afastada da avenida , portanto, longe da faculdade. Outras famílias foram removidas para outras áreas.
No ano de 2001 foi fundada a UNIAMERICA [38], trazendo novas perspectivas para aquele local, como a abertura da Avenida Andradina, que liga a o bairro Cidade Nova à região da Vila A de Itaipu. No início alguns empresários planejavam a criação e o desenvolvimento de um pólo universitário a partir do surgimento dessa faculdade privada dirigida por um dos empresários mais influentes[39] da cidade. É interessante perceber que consta como endereço da UNIAMERICA[40] o Jardim Universitário, e não Cidade Nova. Dessa forma, de um lado da avenida se encontra o Jardim Universitário e do outro o Cidade Nova.
Com o aparecimento da faculdade ocorreram mudanças que re-elaboraram aquele espaços, não da forma que a classes dominantes almejava, pois a presença do bairro Cidade Nova instaura uma desvalorização imobiliária naquele local, impedindo o desenvolvimento de uma área universitária, onde seriam construídos bares, apartamentos, sorveterias.
A abertura da Avenida Andradina, mesmo com seus problemas[41], aproximou aquela região da vila A de Itaipu, um bairro arborizado, urbanizado com crescente desenvolvimento comercial, construído para abrigarem os trabalhadores da hidrelétrica. Essa avenida, portanto, ligou duas partes da cidade opostas: de um lado, um bairro inicialmente construído para desafogar as favelas do centro, do outro um bairro organizado e planejado por uma grande agente social da cidade, a Itaipu Binacional.
O Cidade Nova é visto por boa parte da população dessas outras áreas como um local de alta periculosidade, mas na verdade ele tem uma dinâmica bastante atraente para a região, pois representa um grande exército de mão de obra muitos dos seus moradores trabalham nas construções da vila A, que vive atualmente uma nova urbanização com a venda das casas que pertenciam à Itaipu para os seus funcionários, produzindo uma situação de constantes obras. Os moradores do Cidade Nova, ao cruzarem a avenida, cruzam também um outro espaço diferente, quase um outro universo, pois na vila A encontra-se um dos principais centros em expansão comercial da cidade, além do maior complexo de atendimento da saúde, o Hospital Ministro Costa Cavalcanti, além de escolas particulares, clubes, academias, o centro executivo da Itaipu e o seu espaço cultural e recreativo (o chamado Gramadão) [42].
Muitos desses moradores cruzam esse espaço não somente para trabalhar, mas também para passear, comprar e usufruir de serviços que faltam nos seus locais de moradia. Entendemos, então, que os territórios se movem junto com esses sujeitos, rompendo as fronteiras visíveis e invisíveis.
Um fator que me chamou a atenção nesse bairro foi perceber que a maioria das mulheres estão empregadas, sendo as mantedoras do lar, e geralmente trabalham como caixas de supermercados na Vila A, ou como empregadas domésticas nos bairros abastados como a Vila B, um condomínio fechado, onde mora teoricamente o grande escalão executivo da Itaipu. Enquanto isso, boa parte dos homens encontra-se fazendo “bicos” no trabalho informal do Paraguai , nas obras de construções civil, e muitos se encontram desempregados.
Outro dado relevante é a quantidade de crianças em média de 4 á 12 anos no bairro. Segundo um morador que organizou uma oficina de hip-hop para crianças e adolescentes, 90% deles não possuía o nome do pai no registro de nascimento.
Percebemos, então, que o crescimento do bairro Cidade Nova agiu também como impulsionador do desenvolvimento das regiões mais abastadas próximas dali, da mesma forma como ocorreu com as ocupações do bairro Porto Meira, na década de 1980, constituindo-se como o próprio motor de desenvolvimento urbano da cidade, e não reflexo dele.
Nesse sentido, entendemos que não existe uma dicotomia entre favela e centro, pois elas não se separam: o centro encontra parte da favela dentro de seu território, pois os moradores que saem de suas casas para trabalhar, comprar, vender, passear, fugir, roubar, tocar, cantar, levam consigo parte de seu dia-a dia, fazendo com que esses espaços sejam divididos, compartilhados e disputados. A partir daí entendemos também que dentro do mesmo bairro há vários territórios que se entrelaçam e se conflitam, formando um “mosaico urbano”.
Os conflitos locais do bairro, portanto, logo se espalharam pela cidade, criando uma imagem de “inferno urbano” para aquele local, e em decorrência os moradores do Cidade Nova sofriam com o preconceito e a caracterização feito pela imprensa de que ali era bairro de bandido. Eles apontam que sempre tiveram muita dificuldade para arranjar emprego pois aquele local ficou martirizado pela violência.
A primeira impressão do Cidade Nova é de que o bairro se apresenta de forma mais “desenvolvida” e atraente, pois de início não se notam casas de tabuas, as margens da barranca de rios, ou aquelas feitas de compensados, simples barracos cobertas por lonas como em outros locais da cidade, como se vê na Favela da Mosca. Mas, principalmente em dia de chuva é fácil notar que existe muita precariedade, como a falta de esgoto e calçamento, o que faz com que as ruas fiquem sujas e embarreadas.
O bairro conta com um espaço comunitário entregue pela prefeitura para tal, mas devido à falta de incentivo, como atividades de esporte, cultura, ou de algum projeto que envolva a população, o local é pouco usado. Não se percebe aí a ação da Fundação Cultural, órgão da prefeitura criado para integrar atividades nas comunidades. Devido a esse descaso das autoridades, alguns jovens do bairro cansado da evidente depredação daquele ambiente, resolveram tomar à frente aquele espaço, assumindo por conta própria uma reforma, como podemos perceber na fala de Elizeu Pirocelli:
(...) mano, o centro comunitário foi entregue pra galera bom, tinha vidro e telhado do melhor, entendeu, pintura boa, daí o quê, que aconteceu? Por mais que eles tenham que contratar uma pessoa pra cuidar, eles tem que bancar o “baguio”, fazer manutenção, tem, eles tem que fazer o projeto social pras crianças ficarem ali no centro comunitário aprendendo música, aprendendo isso ou aquilo, tinha que ter uma biblioteca comunitária, além da do colégio, porque a do colégio só tem livro didático, tem que ter, e o que aconteceu, a galera daqui pensa: a prefeitura não faz nada, eu também não vou fazer nada também. (...) A molecada tava jogando bola lá dentro. [43]
Ele revela uma mentalidade dos moradores do bairro que, cansados da falta de infra-estrutura, tomaram aquele espaço e usaram-no da sua maneira, do seu modo, de forma a aproveitar e conviver naquele ambiente. As crianças jogavam futebol lá dentro, devido à falta de um campo de futebol, ou um espaço para brincar Se tivessem realmente apoio, ou algum projeto que as envolvessem a comunidade, poderiam desenvolver algum trabalho, mas a prefeitura deu o espaço e não criou formas de utilizar aquele espaço. Elizeu ainda lembra do processo de degradação feito pelos próprios moradores e conta o que achou naquele local.
Daí começaram a roubar o vidro do centro comunitário, começaram a roubar as telhas, começaram a pixar na parede tanto que “nois” pintou, e se você for lá vai ver altos nomes inscritos na parede de carvão, (..) tava abandonado o mato tava tomando conta do “bagulho” a gente acho camisinha usada lá dentro, ponta de baseado, litros de vinho vazio então tava abandonado mesmo.
Aquela visão era feia, assustava tá ligado? Tanto que depois que a gente arrumo ali o “buzão” começou a passar na frente daquele local por que ficou bonito.[44]
Para entender esse processo, faço referência à reflexão dos autores Amailton Magnu Grillu Azevedo e Salloma Salomão Jovino da Silva
Tais práticas podem ser lidas ou interpretadas como formas de inserção urbana, que as teorias convencionais da vida urbana não tem podido captar. São modos que prenunciam os projetos silenciados, na relação desigual com as elites econômicas da cidade. [45]
A prática de ocupar, tomar, reformar, é relevante, pois apontam para outro sentido dado aquele espaço apropriado pelos moradores, cada qual com sua forma. Assim, trabalharemos posteriormente com a “resignificação” das localidades.
1.2 TRANFORMAÇÕES DO ESPAÇO URBANO: RESIGNIFICANDO NOVOS LUGARES.
A intervenção do estado na cidade é portanto, contraditória: sua ação pode favorecer mais ou menos certos segmentos da sociedade urbana, mas nunca definitivamente.
O que há de permanente na cidade é a luta pela apropriação do espaço urbano e a ação do estado nada mais é do que a expressão das forças engajadas, voluntária ou involuntariamente, nesta luta . [46]
Atualmente os empresários da cidade de Foz do Iguaçu, ainda almejam uma grande transformação da cidade, em um grande centro Universitário. O projeto mais recente aliado a Itaipu prevê a construção da UNILA (Universidade da Integração Latina Americana, conjunto com o governo federal e MEC) que pensa em ter cerca de 30.000 alunos, metade destes procedentes dos vários países latinos americanos. A elite da cidade aspira uma grande transformação, como captamos no site Megafone através do texto do professor universitário José Afonso de Oliveira:
Teremos finalmente o que almejamos. Transformar a cidade em um grande pólo universitário. Sempre se pensou em industrializar a cidade, mas isso se mostrou inviável na prática, até por que Ciudad Del Este é uma área de livre comércio do Paraguai. O fato de sermos um pólo universitário dará uma nova dimensão à cidade. Várias atividades como seminários, congressos serão aqui realizados em âmbito nacional e internacional.
Vários projetos serão aqui desenvolvidos fazendo com que a ciência avance, podendo atingir a própria sociedade. Teremos ainda a convivência sadia com vários povos e culturas latino-americanos.
Será uma riqueza cultural única para uma cidade onde convivem harmoniosamente cerca de 72 etnias distintas. No atual mundo globalizado que estamos vivendo, isso é altamente significativo.
Os nossos setores de prestação de serviços vão conhecer novo ritmo de crescimento e desenvolvimento. A competição será cada vez maior, trazendo as vantagens de melhorias significativas de qualidade. Tudo isso é devido a nossa posição geoestratégica, como porta de entrada de uma nova realidade que está ainda em processo de sedimentação, o MERCOSUL. Já em futuro próximo o MERCOSUL será uma alavanca fundamental para o nosso desenvolvimento em termos de América Latina. Seremos “um bloco poderoso e nele estaremos presentes, pelo desenvolvimento do conhecimento. [47]
A partir desse novo processo vamos observar, estudar, refletir, combater, como as relações sociais se produziram nessa nova disputa pelos espaços da cidade.
As ocupações da cidade, se acentuam nas barrancas do rio Paraná, como já descreve, mas não se resumem às barrancas do rio ou ;áreas centrais: as ocupações tomaram conta também de prédios abandonados, como foi o caso de um edifício de frente para Avenida Paraná (uma das principais da cidade, que liga o bairro da vila A ao centro) ao lado do colégio Objetivo, e de frente pro prédio da Polícia Federal.
O prédio foi ocupado por moradores de rua, houve algumas remoções naquele local, mas os moradores voltaram a ocupá-lo, e hoje o prédio é utilizado também por universitários que realizam o salto de Rapel, subindo e entrando durante o dia, quando a maioria dos moradores está catando materiais recicláveis na cidade e só voltam no fim da tarde, aparentemente não se incomodando com o movimento. De certa forma compartilham aquele espaço.
A entrada do prédio é tampada por dois outdoors gigantes, que podem ser observado na figura que segue.
O prédio hoje se tornou uma grande dor de cabeça para os órgãos públicos, pois abriga moradores de ruas, tornando-se uma favela vertical, não se tem como impedir a entrada desses moradores e o prédio não pode ser demolido, pois fica ao lado de um outro edifício residencial, e a implosão acarretaria em prejuízo para o outro edifico.
Movido pela curiosidade fui conhecer essa ocupação vertical, e presenciei uma imagem chocante O prédio conta com 14 andares, a partir do 9° andar é possível ver quase toda cidade, e andando pelos becos do prédio encontrei materiais domésticos espalhados pelos quartos,corredores, escadas, espaços abertos no qual deveriam passar o elevador, dentre os materiais estão colchões, roupas, lixos, e uma grande quantidade de tubos de canetas utilizadas para o fumo do crack.
Há outra ocupação diferenciada, esta localizada em uma região nobre, no bairro Jardim Eldorado repleto de casarões, as margens da Av. General Meira, popularmente chamada de “Casablanca” com uma estrutura invejável com piscina, jardim, um verdadeiro palácio abandonado que foi tomado por alguns moradores.
São três moradores, com os quais realizei entrevistas. Todos participam do Cartel do Rap, entidade periférica aqui já comentada, e utilizam essa casa não somente como moradia, mas nos finais de semana realizam oficinas de Hip-Hop. Santiago é grafiteiro, realiza ali com crianças e adolescentes, um curso de desenho; Edo e Guilherme são B.boys, e realizam oficinas de break.
A casa ainda serve de espaço para ensaios de grupos de Rap, sendo ponto de encontro dos jovens do Cartel do Rap que se reúnem todos os domingos para conversar e tomar encaminhamentos a frente do movimento.
A trajetória de cada integrante é distinta, e procuramos discutir e apontar através de entrevistas as suas relações com a cidade. Isso mostra que a prática de ocupar não se restringiu somente às regiões afastadas, periféricas, ou escondidas. Essa prática se expandiu a espaços abastados da cidade onde muitos moradores migram fugindo das periferias, alguns fogem da violência, outros a vêem como uma forma de não pagar aluguel, outros por ser mais seguro e confortável, obviamente uma casa que tenha cobertura, parede, do que o frio e relento da rua.
Diante dessas fugas e busca por uma condição melhor, o morador da casablanca Edson de Carvalho revela como conheceu os outros moradores e conta, um pouco da sua trajetória:
(...) Esse processo de ocupação, foi o seguinte no caso, eu já conhecia o Tiago e o Guilherme do movimento hip-hop, cresci no Porto-Meira, tive um desacerto com meus pais e fui morar no centro, era inquilino, pagava aluguel daí eles me falaram que ocuparam e queriam mais alguém para morar com eles, para ajudar a cuidar da casa. Aí no caso eu fui convidado e aqui to bem. No caso o aluguel que eu pagava lá eu ajudo aqui.[48]
A caminhada do outro integrante, Tiago Egea, que liderou a ocupação, tem outro sentido como podemos constatar na sua fala:
Cada um deveria ter seu espaço, deveria ser assim, então essa. Ocupação é uma forma de a gente romper essa barreira, que o lado rico, excluiu o lado pobre, então eu sai de uma favela pra morar numa mansão, a gente não tem voz, a ocupação é pra gente reagir diante da burguesia.[49]
A ocupação, explicitamente, se apresenta como uma forma de resistência, e uma luta para romper com as fronteiras sociais que separam a burguesia da periferia. O “ocupante” grafiteiro Tiago Egea enxerga nela uma forma de reagir a essa exclusão. Quando eu indaguei sobre sua posição política, ele responde de forma bem clara de sua ideologia, declarando-se ser um jovem que luta por uma outra realidade social:
Eu sou Marxista leninista, eu gosto de revolução, gosto de Marx, Engels, as idéias são ótimas, e eu queria que tivesse uma divisão social diferente, posso ser chamado de esquerda, ou do que for, mas eu queria uma outra realidade social.[50]
Muitos historiadores, intelectuais e estudiosos enxergam essa classe periférica como “alienada”, não percebem nesse processo de ocupações, intervenções, elaboração de músicas, Fanzines como resistência, algo que pode ser rebatido pela “consciência”, não pela afirmação de garantir que é de esquerda, (no qual todos podem se afirmar) , mas pela sua prática e idéia de ocupar para reagir à exclusão. Nesse sentido, vale a pena refletir, e compreender com o “fazer-se da classe trabalhadora”, que segundo o históriador Thompson:
A ação,de resistência ultrapassa, os limites das lutas institucionais, travados entre sindicatos e organizações, pois também se constrói de forma não organizada, ora conflitando, ora cedendo dentro da dinâmica do processo social no qual são participantes.[51]
Nesse trabalho de campo, aos poucos fui, percebendo a multiplicidade de memórias que compunham agora um mosaico de histórias da cidade, e tive a oportunidade de conhecer um povo, capaz de improvisar, lutar, resistir e sobreviver em territórios e condições adversas. Descobri que os jovens do movimento hip-hop, sabem burlar como ninguém o silencio e o esquecimento promovido pela diferença da cidade. Pela narrativa de suas experiências através da música rap ou pelas poesias escritas, pela arte grafite que simboliza muitas vezes o direito renunciado dessas comunidades, pelo contexto contestatório dos textos produzidos nos Fanzines.
A periferia se articulou e agora os favelados, excluídos, desajustados, ex- detentos, moradores de rua e todo um exército de deserdados da cidade deixa de aparecer somente como vítima da desigualdade social e passam a construir sua própria história, sendo protagonistas das suas memórias, reivindicando o seu direito á cidade.
CAPÍTULO 2
HIP-HOP EXPRESSÕES E NARRATIVAS DA CIDADE
Neste capítulo abordaremos as memórias que expressam, através do hip-hop, os anseios, sonhos, lutas, conquistas perdas em torno do viver urbano na cidade de Foz do Iguaçu. Nesse sentido temos que entender um pouco da trajetória desse movimento, lembrando que o hip-hop [52] é um movimento que corre hoje o mundo inteiro (E.U.A, Japão, França, Brasil) [53], entre outros,países, no qual percebemos um movimento heterogêneo. [54]
Enquanto falarmos do hip-hop iguaçuense,[55] lembramos que esse possui suas particularidades apontadas nesse capítulo, porém ele não se desliga totalmente dos outros movimentos nacionais, e herda um pouco desses traços predominantes desse conjunto.
Vale ressaltar que a idéia do movimento está sempre ligada aos grandes centros urbanos no Brasil como: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Brasília, dentre outras cidades, mas que o movimento desde meados dos anos 1990, vem se desenvolvendo no interior do país [56], estaremos aqui trabalhando com uma cidade que não é uma metrópole, mas apresenta características intrínsecas com a relação desigual de uma sociedade tipicamente brasileira.
O hip-hop se caracteriza por ser um movimento integrado por práticas juvenis construídas no espaço das ruas, e assim ele é reconhecido como uma “cultura de rua”: a rua é referência não somente como expressão, mas de produção da arte juvenil.
Esse movimento passa a abrir possibilidades para a expressão e inclusão de jovens com baixo poder econômico. No Brasil, o Hip-Hop começa a criar proporções maiores na cidade de São Paulo na década de 1980, com diálogos com outros grupos urbanos como os punks.
Nesse sentido destaca-se o grupo Racionais mc`s, que, desde o início dos anos 1990, passou a pautar temas que logo se tornariam modelares para o movimento como um todo, constituindo-se como uma referência quase que obrigatória para os demais grupos que surgiam no cenário do hip-hop nacional, bem como de outros movimentos.
Embora na atualidade seja muito comum associar a gênese do movimento à presença sempre marcante dos Racionais Mc’s, ou, mais comumente, sua crítica social como “a voz da favela”, é importante ressaltar que dentro e fora de São Paulo assistia-se nesse mesmo período à emergência de outros grupos artístico-musicais que também se dedicavam à leitura e interpretação do cotidiano periférico desses grandes centros urbanos. Apenas a título de exemplo, podemos citar o rap de GOG, em Brasília; o Mangue-beat, de Chico Science, na cidade de Recife; o funk oriundo dos morros cariocas, além de outros grupos de rap que surgiu no Brasil
Nessa acepção esse movimento não se desliga da cidade a sua atuação age enquanto expressão dela, e exalta as contradições do viver na cidade, a percepção apontado por José Carlos Gomes da Silva:
O movimento Hip-Hop constitui uma possibilidade de intervenção político-cultural construída na periferia. E se uma das formas de compreender os jovens é ouvi-los, o movimento hip-hop certamente tem algo a dizer. [57]
Entendendo que o hip-hop não é algo que está acima das transformações urbanas, ou dos sujeitos que o elaboram, como se fosse um movimento artístico deslocado da realidade que o constitui; ele é, ao seu modo, também fruto das transformações operadas e vividas no espaço urbano, e possibilita que essas transformações sejam elaboradas e interpretadas por pessoas que, de outra forma, dificilmente teriam como expressar suas concepções acerca da experiência de morar na cidade.
O movimento Hip-hop tem se desenvolvido de forma significativa na medida em que a cidade também vai se expandindo e definindo seus contornos urbanos. Não é a toa que esse movimento tem aparecido naquelas áreas consideradas periféricas da cidade, e nas quais sua população é acentuadamente constituída por pessoas de pouca instrução escolar, baixo poder aquisitivo, e condições de moradia precárias, e cujos índices de pobreza e violência parecem fazer parte da vida cotidiana.
Nesse sentido, o hip- hop passou a revelar faces de um cotidiano periférico ainda desconhecido pela maioria da população que não viviam naquelas áreas periféricas (favelas, ocupações, morros). Através dele, novas interpretações acerca do viver e se inserir na sociedade urbana a partir da experiência periférica vieram à tona. Além de revelar a existência tácita de todo um código moral e ético formulado a partir do viver urbano, esse movimento pautava novas noções de direitos (negados ou reivindicados) e possibilidades da reconstrução física e simbólica do seu meio e de sua memória a partir da sabedoria popular.
Também é possível afirmar que o Hip-hop brasileiro também buscava, desde seu início, denunciar as mazelas de um cotidiano urbano contraditório, violento e marcado pela exclusão social, contra a qual alguns desses moradores se levantam e reconhecem sua capacidade de luta. Para além de uma simples forma de expressão artística[58], portanto, esses movimentos integravam-se a um debate mais amplo, que além de colocar questões novas, acabava por politizar esse cotidiano e tomar parte importante na busca pela construção de uma identidade social de luta e expressão desses sujeitos.
2.1 O PROCESSO DO HIP-HOP EM FOZ DO IGUAÇU.
As influências desse gênero que começaram a sacudir as periferias, iniciaram na passagem de 1990 pra 1991, chegando às casas noturnas de Foz do Iguaçu a febre do Funk de salão, com as músicas que estouraram no Brasil como “Era só mais um silva” , e “Eu só quero ser feliz”, ambas relatando um cotidiano que atraia os jovens de periferias. Já no ano de 1992 um grupo de Rap paulista, os Racionais mc`s chamava atenção com as músicas “Tempos Difíceis”, e “Pânico na zona sul”, que estavam contagiando as periferias paulistas.
Lembrando que nesse período só havia fitas-cassete desses grupos, e nenhuma propagação nas rádios, ou em um veículo televisivo, pelo menos em Foz do Iguaçu, a divulgação desses sons era facilitado pelos preços e produtos pirateados do Paraguai. Interessante é perceber que em alguns relatos os entrevistados diziam que tinham vergonha de ouvir rap nesse período. Apontam também a má qualidade das gravações daquele tempo, lembrando que o rap nacional ainda não tinha tido nenhuma grande produção. A música Rap era feita em algumas coletâneas, e desde esse tempo era visada como uma música marginal, que trazia desde ali um caráter “reinvidicatorio”, Sendo apontada como uma música de “favela”.Em Foz do Iguaçu poucos conheciam a música rap, como podemos perceber na fala de Elizeu Pirocelli:
Na vila [59] não tinha quem escutava rap ninguém ouvia, hoje você passa ai, em quase todas as casas tem gente curtindo rap na maior altura, eu sempre curtia escondidinho (...) ai uma vez chegou um “truta” [60] em casa e eu rapidinho troquei o som coloquei um rock daí trocando idéia esse “truta” me falou escutei um som e pá e era Racionais aí, eu falei. O loco, eu tenho esse som aí, ele falou “demoro” coloca ai pra “nois” curti, ai eu vi que a galera escutava, comecei a escutar com outros irmãos, mas era um grupo pequeno de pessoas.
Percebemos que na própria periferia da cidade houve alguma resistência dos moradores para aceitar esse gênero. O rap na cidade tomou proporções maiores a partir do sucesso, em 1997, do álbum “Sobrevivendo no inferno”, dos Racionais mc´s.[61] Lembrando que o sucesso desses CD até hoje é uma marca no Rap Nacional, conquistando não somente as periferias, mas o gosto da classe média.”Essa transposição das fronteiras entre a periferia e o centro tendo como mediação o Rap, não ocorre de forma fácil para nenhum dos dois lados” [62]
O Rap pode aparecer como um mediador entre diferentes lugares, mas escutar um rap não quer dizer incorporar a periferia por outra classe. O estouro do Rap no Brasil impulsionou um cenário de Rap na cidade de Foz do Iguaçu. Em 1998 jovens de diversas partes da cidade formaram o grupo de Rap “Mundo Iguaçu”, do ano de 1999 aparecem outros grupos na cidade como “Enquadro Verbal” e “Aliados da Periferia” e no bar do Verdega[63] foi organizado talvez a primeira atividade de hip-hop na cidade a “Quinta do Hip-hop”.Foi revelado nesse tempo que existiam rixas entre dois grupos, um por ser formado por skatistas oriundos da classe media que não eram bem visto por outro, que era formado por jovens da periferia; nesse sentido um jovem afirmou que “Os caras da favela achavam que skate é esporte de boy”.[64]
No ano de 2000 as informações sobre o Rap nacional chegavam mais facilmente na cidade, através do programa YO na MTV, e a circulação da Revista Rap Brasil, Nesse ano aconteceu o primeiro show de rap com grupos de outros estados, vieram na abertura da pista de Skate[65] na cidade “Da Guedes” de Porto Alegre, e “SNJ” de Guarulhos, e sobre esse acontecimento vale lembrar que esses shows foram financiados pela prefeitura (ultimo ano do mandato da prefeitura de Harry Daijó 1996-2000).
Lembrando que nesse período o movimento hip-hop da cidade era bastante vinculado aos skatistas. Sobre esse processo Antonio Lopes[66] explica como aconteceu o show:
Tanto que o show da pista foi uma parada política, ia ter uma eleição no próximo ano, o cara tava tentando se reeleger e resolveu bancar toda a história,(...) mas eu acho que foi uma parada que a gente usou o sistema ao nosso favor.Aí depois chegou à família Silva [67] e pra falar de rap perto deles nossa!, Rap pra eles era banditismo.
Em seu programa político o prefeito Daijó se caracterizou em tentar conquistar os jovens eleitores da cidade, Dessa forma financiou shows de interesse desse público e a construção da pista de Skate foi um dos marcos da sua campanha.
No ano de 2000 surgiu a primeira organização de Rap na cidade, Cartel do Rap ou banca C.D.R, embora já fossem organizados festas e alguns eventos com o estilo Hip-hop, que ficavam geralmente em áreas centrais sendo organizadas por Skatistas,o movimento não existia articulado funcionando com os quatro elementos (mc[68], dj[69], Break[70], grafite[71]) como um conjunto na cidade, mas somente o Rap, que une dois elementos o mc, e o dj.
Essa organização surgiu a partir do interesse de alguns moradores da Periferia por terem espaço para tocar a sua música o Rap, e baseado em outra organização, esses jovens de várias partes da cidade tiveram a idéia de organizarem uma banca[72]como se explicita na fala de um dos idealizadores do Cartel do Rap:
(...) A banca foi no ano 2000 que tinha o grupo “Aliados da Periferia” que já tava se apresentando em alguns lugares só que a gente esperava um ano pra poder se apresentar num lugar que ninguém chamava,ta ligado? Ninguém organizava evento de hip-hop daí a gente ia se apresenta quando? Na festa de um amigo, num aniversario de um cara, daí tava lá todo mundo no “tuts tuts” (barulho de música eletrônica) Ai começamos a pensar tinha que ter evento de rap, vamos fazer tipo o pessoal ali da casa do teatro se eles não organizarem o evento ninguém chama eles pra se apresentar, eles que tem que fazer e se apresentar. A gente nem sabia que em Foz tinha tantos grupos daí quando começou a divulgar o rap a gente foi descobrindo que tinha um pessoal do lado de lá que fazia, tinha O Zero ponto um, tem uns irmãos aqui que era o Magrão B.Z e o Marcelo que tão fazendo um som. Ai a gente reuniu essa galera num dia 7 de setembro no feriado lá no meu barraco na época no JD. Paraná fizemos um ensaio todo mundo junto se conhecemos e uma semana depois a gente se reuniu era o Aliados da Periferia e o Vulgo pt, que era o Marcelo e o Magrão aí a gente pensou e falamos o vamos criar uma família né, cara tava muito solidão você corre sozinho com seu som, muito complicado então vamos criar uma família á e o que nos vamos fazer, começamos a ensaiar junto e toca nos lugares juntamos os nomes, e daí nessa época o CD do MV Bill tocava bastante aquela música Traficando Informação daí a gente pensou né trafico de informação então vamos criar um cartel pra trafica essa informação. [73]
Como vemos, nenhum órgão público, nenhuma entidade apoiava o Rap na cidade, Ele era lembrado e pensado em épocas eleitores como uma forma de chamar jovens oriundos da periferia para os comícios. A partir daí alguns se mobilizam,espelhando em outra organização a Casa do teatro[74], que reuniu um conjunto de ativistas que elaboraram uma organização para realizar atividades de teatros, músicas e tudo que poderia englobar a cultura excluída na cidade.
Lembrando que nesse período a banca era composta por apenas um grupo, o “Aliados da Periferia” [75], em 2001[76] se integra à banca o grupo “X2DAB”, que mais tarde se tornaria uma das principais referência de rap na cidade o grupo 5° Naipe.
Começa o desenvolvimento dos primeiros Freestyle[77] na cidade, mas ainda sem muita expressão, pois estavam em fase de desenvolvimento. Nesse ano surge mais um grupo, o Vulgo PT: o desenvolvimento da banca é evidente na medida em que começa a se divulgar o rap na cidade vão aparecendo jovens que se interessam por rap, ou que já faziam rap e não se conheciam, e assim se iniciam as primeiras apresentações nos bairros[78], e de forma inicial essas apresentações aproveitam o espaço dos comícios políticos.
Outra questão importante é que os shows também aconteceram em uma cidade vizinha de Foz do Iguaçu, em Santa Terezinha de Itaipu: o rap não se limitava somente à cidade, e já, de certa forma, se expandia.
Na passagem de 2002 para 2003 acontece na cidade mais um show de rap com um grupo de fora vieram o Ndee Naldinho de São Paulo, lembrando que nesse show não teve nenhuma ajuda política,. De certa forma percebe-se que a cena do Rap na cidade começava a se desligar e busca se tornar independente de ajuda e financiamento de políticos.
No ano de 2003 ocorreu o primeiro festival de Rap na cidade de Foz, cujo tema era contra a Guerra do Iraque, mostrando que esse movimento não se preocupava somente com as questões locais, mas sim se pautava também as situações globais. Nesse sentido foram organizados inicialmente diversos eventos, e o segundo festival de Rap aconteceu ainda nesse ano, cuja causa era em prol do “Fome Zero”, Com essa fórmula de pensar questões de fora da cidade que permeiam o mundo global, mas que de certa forma referem a significados do modo de viver no mundo, conforme a autora Rosana Aparecida Martins Santos, que traz em sua fala uma importante compreensão:
Numa escala global o rap vêm se assentando num discurso (lírico e musical) afirmativo, reflexivo, e narrativo da representação de si próprio, das suas experiências e das suas convicções. Isto o torna uma formula acessível de prática intensiva da identidade. Encarado como um dos elementos das estratégias culturais da autodefinição, um tipo de subsistência ideológico-identitária sobre a relação que um individuo estabelece com o mundo ou, melhor, o modo de existir no mundo.[79]
Nesse ano o Cartel do Rap organizou o seu primeiro evento, o “Rap na Quebrada”,[80] já com o intuito de levar o rap para os bairros. O primeiro show aconteceu no Jardim Paraná, e esse evento se tornou umas das expressões do movimento, chegando, em quatro anos (2003-2007) a trinta e sete edições. Dessa forma esses jovens conheceram muitas partes da cidade: praticamente os quatro cantos foram contemplados com esse evento, desses trinta e sete shows aconteceram praticamente nas periferias da cidade, e o importante é perceber a heterogeneidade desses lugares, apontados nas rimas, e aparecem claramente nas entrevistas, havendo uma comparação entre eles, designando valores. Uns aparecem como mais violentos, feios, perigosos, tranqüilo, e dessa forma lembramos que todos são bairros afastados receptores principalmente daquela população “desfavorecida” pela lógica capitalista da cidade, mas que ambas possuem diversas diferenças, e são comparadas pelos próprios moradores. A relação de conhecimento destas áreas por outros moradores revela muita vez uma serie de sentimentos, e apontamentos exemplo “os irmão de lá estão mais necessitados que a gente”, lá é “melhor tem posto, escola, dessa forma se constituí um próprio juízo a cerca da cidade”.
Nesse sentido as palavras de Antonio Arantes ajudam a nos esclarecer esse processo:
Os habitantes da cidade deslocam-se e situam-se no espaço urbano. Nesse espaço comum, que é cotidianamente trilhado, vão sendo construídas coletivamente as fronteiras simbólicas que separam, aproximam, nivelam, hierarquizam ou, numa palavra, ordenam as categorias e os grupos sociais em suas mútuas relações Por esse processo, ruas, praças e monumentos transformam-se em suportes físicos de significações e lembranças compartilhadas, que passam a fazer parte da experiência ao se transformarem em balizas reconhecidas de identidades, fronteiras de diferença cultural e marcos de pertencimento. [81]
O importante é ressaltarmos que esses jovens faziam tudo com sua organização própria, sem patrocínio, e ajuda de qualquer instituição da cidade, e isso foi construído o pela própria vontade desses moradores de divulgarem o rap para a cidade. Sobre a organização dos shows,e escolha dos locais, Elizeu Pirocelli esclarece:
Em 2004 foi uma época boa de você ta fazendo show num lugar e ter gente de vinte favelas diferentes, saia da quebrada deles e iam pro evento, daí rolava ó vamos fazer show no nosso bairro e a gente já agendava ali mesmo e já avisava no microfone no dia mesmo tal dia, em tal lugar, show do cartel do rap, ai rolava no bairro dele tipo a gente tava no Jupira e aparecia um cara do queijo e falava o vamos faze um rap lá tem condições? Era assim um ia arrumando pro outro ia fazendo, fazendo daí convidava gente e nesse ano quase toda semana tinha show de rap em 2004 foi muito bom.
É importante perceber que esses shows de rap produziram um espírito de coletividade que foi gerado nas periferias, algo que particularmente me surpreendeu, e que combate àquela idéia do individualismo das sociedades modernas, a lei do “cada um cada um”, mostrando que a atividade do Cartel, antes de lançar uma música de protesto, elaborou também um sentimento de união entre as periferias. Destaca-se que em sete anos de atuação nos bairros nunca houve uma briga, morte, algo desse gênero, o que contrapõem aquela noção pré- estabelecida sobre as favelas como recinto da violência.
Em 27 de março de 2004, aconteceu na cidade o Show do maior expoente do rap no Brasil, o Racionais mc`s. O show contou com uma grande multidão que lotou o Estádio do ABC, e teve a abertura dos grupos de Rap da cidade. Apresentaram-se nessa ocasião: Zero Ponto Um, Aliados da Periferia, Voz do Gueto, Conexão P.B Face Racial, e o grupo de Campo Mourão-PR Rajadas MC`S, além dos grupos CRM e X-Pin ambos de Engenheiros Beltrão-PR .[82] O Rap Paranaense começava a se articular organizando shows em conjuntos, nota-se nesse período o desenvolvimento do Rap em outras cidades Paranaenses (Cascavel, Umuarama, Toledo, etc.). Em 2004 as apresentações do Cartel do Rap deixaram de acontecer somente nos bairros, e tomaram o centro da cidade, aconteceram shows no Taberna, Urbanus Bar, Café Conserto e praça do Mitre.[83]
Nesse ano foi lançado, de forma independente, o primeiro álbum - “A chave é a união” - com os grupos que faziam parte do Cartel do Rap. Essa frase ficou como lema da banca, onde aparece como principal objetivo de unir os grupos de Rap da cidade para difundir o movimento Hip-hop da cidade, promovendo diversos eventos nos bairros,numa média de dois eventos por mês.
Sobre esse processo percebemos que a banca tentou atingir e expandir a música Rap, porém ao que parece no centro esse som não teve tanta “significância” para essa parte da cidade, algo que gerou algumas contradições entre o movimento, dividiu inclusive a opinião dos membros. Muitos se negam a tocar nessa parte, dizendo que seu público é somente a periferia, outros tocam, mas dizem que a periferia tem prioridade, e se for pra escolher entre o centro e a periferia, ficam com a periferia, e há outros que acham que esse negócio de só tocar nas “quebrada” é se fazer, e almejam atingir a classe media com seu som. Esse debate é amplo, não somente no rap da cidade, mas na configuração do Rap nacional,[84] nesse debate percebem-se as várias funcionalidades do Rap e seu vasto significado para esses moradores. Como nosso trabalho pretende explorar um pouco dessas divergências dentro da cidade, algumas falas desses sujeitos nos ajudam a refletir:
A gente prefere não estar muito nas praças à gente priorizou a periferia mesmo, 90% talvez até mais foi dentro de favela, na rua, na casa de alguém, num bar, foi dentro da quebrada eu tenho uns irmão que fazem rap que falam ou vocês se fazem de mais vocês só ficam nos bairros por que não vão pro centro e tal, mas a gente não vai privar a periferia disso.[85]
Interessante o sentido de privar que foi colocado nessa fala - não podemos privar o rap da periferia, - remetendo um sentido do Rap acontecer nesse local, mas ela emite também a opinião que dividia o movimento, mostrando que não eram todos que concordavam com essa postura de só ficar na periferia. Entre essa “divergência” se expressa a idéia de Tiago Egea:
A música é para ser ouvida, o rap é pra ser ouvido, tanto a critica ou o elogio à música tem que ser ouvida aonde for, tanto é que não adianta só tocar lá se o som vai acabar chegando aonde for, não tem barreira. [86]
Nessa fala nota que o Rap deve realmente ocupar outros espaços e não tem barreira. Nesse debate dos lugares da cidade, vale lembrar que algumas apresentações aconteceram em escolas: o grupo 5° Naipe talvez seja um dos únicos que realiza show em igreja. Dessa forma, analisando a trajetórias dos grupos, percebemos que houve uma expansão pela cidade. Saiu da periferia e ocupou outros espaços, e por mais que boa parte de igrejas e escolas se localizem no espaço da periferia, vemos esses espaços como outros territórios tomados pelo Rap.[87] Para alguns grupos se apresentar na periferia é mais do que fazer um show, é manter o senso político do movimento de dialogar com os “excluídos”, e ao mesmo tempo em que se apresentar em outro território é buscar se tornar porta voz da periferia para uma classe diferente.
Evidentemente que a prioridade foi dada à periferia, pois o Cartel do Rap nessa expansão passou a organizar mais dois tipos de eventos nas periferias, o “hip-hop” [88] e o Rap in Foz.[89] Ao que parece essa idéia de tocar em praças e áreas centrais da cidade não vigorou muito. O rap se desenvolveu mesmo foi nas periferias.
Nesse tempo os Freestyle na cidade ganhavam à ascensão, sendo organizado o primeiro evento desse modelo, o Mortal Kombat de Freestyle, um evento marcante desse período que revela a “memória” do movimento sendo organizada em tributo ao Raperr Sabotagem, que tinha sido assassinado. O evento se chamou “Rap é Compromisso”, uma das principais músicas desse artista.
Em 2005 [90] o hip-hop da cidade ganha seu primeiro programa, La Onda, programa que transmitia somente músicas do gênero e iam ao ar todos os domingos, comandado pelo DJ Caê. Esse programa ajudou a divulgar o Rap na cidade, o desenvolvimento do Hip-hop como agrupamento nos quatro elementos acontece com o desenvolvimento do break através do trabalho de oficinas do professor Michael, e surge nesse período os primeiros Grafiteiros, dessa forma o hip-hop na cidade começaram a iniciar trabalhos com os quatro elementos.
Em Fevereiro de 2005 o cartel do Rap realiza um projeto ousado, que iria transformar o movimento na cidade, que hoje, pode ser consideradas umas das maiores ferramentas de expressão desses moradores, a criação dos Fanzines do cartel do Rap.
Em 2006 em conjunto com a Casa do Teatro, foi organizado o “Encontro de Hip-hop Conexão Paraná” [91], que aconteceu no Colégio Estadual Monsenhor Guilherme sendo ministradas oficinas de grafite, MC, DJ, Break. O público somou dezenas de alunos das periferias. Percebe-se que a partir desse ano, a organização de oficinas com elementos do Hip-hop em escolas, com o objetivo. De divulgar e agregar simpatizantes para esse movimento. E desenvolver a formação ideológica dos jovens, tendo diálogos com temas como violência, drogas, educação. Essa organização tinha dois objetivos claros: trazer mais pessoas para o movimento e desenvolver uma conscientização, podendo ser visto como um trabalho no campo social. Além de divulgar o Hip-hop paranaense, buscar uma atuação mais expressiva no cenário nacional. Dessa forma, pode-se entender esses jovens como ativistas desse movimento.
Significante destacar nesse período o aumento de lojas destinadas a esse movimento na cidade[92], mostrando o alargamento do Hip-hop. Nesse ano ainda houve três shows de grupos de forte veiculação do Rap nacional: Facção Central, Realidade Cruel e SNJ. A importância desse movimento é significativa porque Foz do Iguaçu é uma cidade que ainda vive os efeitos de um processo de crescimento urbano repentino, iniciado recentemente, nos anos 70. [93]
Entende-se que o hip-hop não pode ser reduzido apenas a uma manifestação artística, pois seu significado extravasa tais significados, tornando-o potencialmente “contestatório”. Nas palavras de Marco Aurélio Paz Tella:
O rap transforma-se num veículo de construção de identidades, trazendo a formação da consciência da violência práticada contra a população negra em toda a história do Brasil - consciência da discriminação racial e social. O rap tem a função de estimular o rompimento com os padrões - de embranquecimento, conformismo, cordialidade que habitam o imaginário da nossa sociedade .[94]
O rap produziu formas de engajamento que contribuiu para a formação de novos valores e expressão acerca da cidade. Que conflita com a visão “hegemônica” produzida sobre ela, na qual o turismo, as belezas naturais e tecnológicas (Itaipu, pontes internacionais, diversidade étnica, etc.), aparecem como seus sujeitos centrais. Podemos perceber, entre os moradores periféricos que seus códigos, linguagens e valores são estabelecidos. De certa forma, há uma remodelação da cidade por isso, trata-se de uma disputa travada no âmbito da Cultura.
Chamando a atenção para esse aspecto no processo característico da cidade, Antônio Augusto Arantes aponta o enredamento e multiplicidade do conflito e das reproduções sociais a partir dos próprios elementos que o compõe na esfera da cultura. De acordo com Arantes:
A questão é que pertencemos, a um só tempo, a diferentes categorias e agrupamentos sociais, segundo critério de gênero, etários, de raça, étnicos, regionais, profissionais, religiosos, partidários... E de classe e nacionalidade. Evidentemente nem todos esses critérios de segmentação e classificação social possui o mesmo peso no delineamento de reivindicações de cidadania. Mas — e isto é o que me parece ser relevante neste contexto — a participação no processo social se dá não a partir de apenas um, mas resulta do conjunto desses vários eixos, cada um dos quais possuindo estatuto político próprio. Em certos contextos numa capacidade, e em outros, noutra, somando instância de identidade, expondo algumas, camuflando outras, transitamos taticamente em função de negociações e interesses socialmente situados e, assim fazendo, exploramos, constituímos e reordenamos as fronteiras simbólicas que nos unem e nos separam, com toda a sua ambigüidade e ambivalência. [95]
Assim, mais do que simples artistas, estamos considerando esses rappers também como intérpretes do processo urbano vivido na cidade na atualidade. E é nesse processo que esse movimento Hip - Hop age enquanto tradutor dessas novas dinâmicas surgidas, e assume uma centralidade.
Os Rappers são uma alternativa de informação e conhecimento, e muitas vezes formadores de opiniões, e eles sabem do poder que tem com as palavras perante a influência de outros jovens, como percebemos nas entrevistas realizadas com os “Rappers iguaçuenses”. Nessa acepção usarei trecho da fala de Rivaci Rossoti que revela os traços da sua música com a religião e dessa forma ele utiliza o rap para passar princípios bíblicos:
O rap é a forma que eu tenho de transmitir aquilo que eu acho certo né cara, que é transmitir princípios bíblicos, a palavra de Deus. Então o rap pra mim é a arma que eu uso pra me informar, não digo do que é certo do modo geral, porque é relativo falar de verdade assim como falar de certeza, mas o rap é á arma. E o instrumento que eu tenho pra me expressar, pra me informar e às vezes até mesmo de influenciar pessoas. [96]
Nesse sentido, dataremos a heterogeneidade do rap, onde variam diferentes tem as, e diversas visões do modo de vida, das idéias que são lançadas e defendidas pelos autores da música, evidenciando a sua opinião.
Os grupos de rap expressam suas características próprias.[97] Dessas mensagens se relacionam a partir dos referências com a cidade, cada sujeito histórico expressa sua memória, faz a sua seleção de fatos e acontecimentos que revela na sua música uma série de significados da sua experiência. Enquanto sujeito histórico.
A gente fala mais dos lugares da barranca de rio. E falamos também da fronteira ali Paraguai e Brasil “nois” relata ali o que, acontece que muitos parceiros vivem lá e sofrem na saída do Brasil, por não terem outra opção e ficam arriscando a vida trabalhando lá no Paraguai em meio ao perigo. E como o nome do grupo já diz a gente gosta de relata as relações da fronteira. (...) E falamos muito de discriminação, violência e principalmente do crime,morte, perca de parceiros que deixaram saudades de pessoas que partiram ai e se perderam, e o sofrimento da favela né. Aqui tem muita coisa triste, muita mãe chorando. Isso aqui já é rotina, mas eu relato mesmo são as coisas daqui, sem maquiagem .[98]
O rap ainda pode narrar algo verídico, um fato vivido, uma história contada, revelar um olhar sobre a cidade, ou simplesmente expressar os valores culturais desses sujeitos, revelando sentimentos de amor, ódio, angustia, religião, sofrimento, sonho, luta, dificuldade, noções de educação, violência, fé que são colocadas por esses sujeitos que narram muitas vezes a sua história. Nessa questão vale a pena observamos o rap de um dos primeiros grupos da cidade O Zero Ponto um:
Adivinha quem voltou lá do fundo baú raiz do rap “Iguaçuense” zero ponto um, mensagem positiva, patriota, educativa evolução dos manos, bem melhor que a cocaína. Insulina diabete “nois” espalha tipo peste/ vai na minha cara, minha rima não tem falha J.S.P a sigla da minha quebrada, tem praça da paz, tem poder no beat box,tem freestyle e a banca que só cola idéia forte, o preto tem o dom também sabe improvisar se o bicho já pegou é melhor você se armar de consciência e atitude que ladrão nunca se ilude/ quem estudou também faz parte, se pá uma faculdade pra sobreviver doutorado em verdade, fecha a porta vira as costas se o negocio é droga, química do demo te destrói/ dois palito pra cair se arrepende agora é tarde então antes de ir preso faça a sua parte, por que tem uma pá de mano que logo se embala, mas pode reparar sempre começa na cachaça, “ixi” só desgraça os “pm” embasa a mãe chora desespero ti ver morto lá na praça, “boqueiro” é aquilo pronto pra cobrar vacilo na madruga passa mal amanhece coberto de tiro/ desacreditar só naquela tiroteio, morte, roubo cada santo uma vela, na favela do bambu, Jupira foz do Iguaçu, no Chicão só sangue bom zero ponto um. Jardim São Paulo, Vila Brás, Porto Meira, Racionais, Vila C no proceder nossa banca pede paz no portal nunca se arrisca, Três Lagoas quer justiça no Dourado os irmão até se escondem da polícia no pombal, jardim América ligou as favelas na batalha dá um, dois, ai já era no parque presidente os doido é chapa quente, no Alice onde o Bill [99] aprendeu a trocar os pente, nego vou te falar que rimar não tem segredo, deixa os manos mais contente e as mina vêem sem medo de o mh2i agora ta colando aqui pra rimar, versar, pronto pra te ouvir...(Zero Ponto Um, Mh2i, 2001,)
Essa música narra à propagação desse movimento na cidade: Mh2i (Movimento Hip-hop Iguaçuense), tido por alguns como a primeira organização do movimento na cidade que teria ocorrido no ano de 1999.
Tocado por um dos grupos mais antigos da cidade - daí talvez a idéia de se apontar como raiz do Rap Iguaçuense. O MC se identifica como residente do Jardim São Paulo. E conta o que acontece no bairro, o encontro da sua galera na praça da paz, fazendo um Freestyle e Beat Box, mostrando a arte de improvisar, algo muito presente nesse movimento. A influência dos jovens nas drogas também é colocada, dizendo que sempre começam na cachaça. A perseguição dos PM com suspeitos, usuários, as mortes na praça que são atribuídas ao “boqueiro” (dono de boca de fumo, traficante), a partir daí a música segue citando algumas favelas, pedindo paz entre elas, no Portal fazendo referência ao bairro Portal da Foz apontado como um lugar onde “você não deve bobear, arriscar chegar botando panca”, no Três Lagoas quer justiça, uma referência a uma chacina polícial cometida num ano anterior, e assim são narrados alguns fatos dessas periferias.
O dialogo do Rap com a cidade é evidente, aqui irei apontar mais uma música de Rap de um grupo da cidade de Foz do Iguaçu. Nessa são apontadas principalmente, questão do desemprego e falta de incentivo pros estudos, que resulta no crime.
Nessa nossa Foz do trabalho informal, ilegal, trafico internacional e do contrabando que envolve vários manos, quem não quer qualquer no bolso de vez em quando?/ Do camelo na rua ao vapor vendendo droga, do ladrão ao pedinte de esmola cada qual com seu sonho seu castelo na cabeça, muitos na loucura por ai mó treta/ , jogado o dia inteiro num beco com medo, Foz do Iguaçu campeã do desemprego/ crianças crescem ali jogadas sem chinelo, sem cultura, sem escola e sem caderno,no quintal foco de dengue, barata e rato caco de vidro e muito lixo amontoado/ taj vendo aquelas mina ta vendo aqueles loco ta vendo aquelas casas de tijolo sem reboco, cerquinha de madeira cheiro de esgoto rapa reunindo bebendo dando um estouro, são poucos na quebrada que tem saco pros livros fazer o que se falta incentivo/ na Mosca no Bambu, no Queijo e na Morenitas as quadrilhas se unem para fazer a fita, mano pensa um pouco vai, raciocine...( Miséria de sobra, parte 2, Conexão P.B, 2007)
A música dialoga com questões acerca do viver na cidade como trabalho informal, contrabando e tráfico, todos buscando o seu “castelo” que significa fantasia, o sonho de se tornar rico, a referência dessa mentalidade com o desemprego resultante na miséria e criminalidade local.
Sobre o entendimento das canções Marcos Napolitano aponta outras questões que devem ser consideradas como idade, etnicidade. E fatores que primeiramente não parecem ter importância para o campo musical, mas são partes importantes dessas expressões:
(..) a canção vai além de todas estas linguagens e informações específicas, realizando-se como um artefato cultural que não é nem música, nem poesia (nos sentidos tradicionais), nem pode ser reduzido a um reflexo singular de totalidade que a gerou (da sociedade, da história, do autor ou do estilo musical) [100].
Não somente as contradições da cidade, mas o estado, prefeitura e o discurso elitista são também alvos dos Rap da cidade como percebemos na música Critério Humano do grupo Aliados da Periferia:
Pelo dinheiro ou por amor, o pecado trouxe a guerra e a guerra me trouxe a dor, é o fim do mundo e as dores começou/, no subúrbio aqui estou / não tem emprego, não tem dinheiro, não tem comida sendo assim não tem saída/ quando consegue um bico é de marmita fria, periferia por que é assim? O mano pobre chora e o rico sorri / Foz a capital do turismo é? E o outro lado da moeda ninguém quer/ barraco de madeira, chão de terra ei! Favela muita humildade amor por ela/, em cada compositor á um poeta que vive a guerra, na tríplice fronteira o crime impera mais que vida/ é o jogo do homem e tudo o que ele toca se corrompe/ Aqui não tem herói somos só nós, na cidade de ninguém aqui não tem lucro só luto/ gambé (polícia) se folga em todo mundo não quer saber se é trabalhador ou vagabundo/ me imaginei com tudo sou preto com orgulho um salve pros loco do outro lado do muro [na prisão] / o crime é assim, necessidade ou ambição?/ ocupação revolta do humilde fim da paciência, chega dos manos mofarem no presídio ou idoso na fila da presidência enquanto os boys de roupa de grife de butique chique esbanja, dinheiro nas gringas mansa/ de Mercedes, jatinho, lancha/ Enquanto famílias se humilham catando lixo do mercado, qual culpado? / município, a república ou o estado, ou você que tem pouco só deus e vive acomodado/ o Rap reforça a estrutura e te deixa informado.
Como percebemos nas três canções que datam de três períodos, e de três grupos diferentes, as narrativas de alguns moradores de diversas periferias tiveram algo em comum: as canções e o dialogo com a cidade ora aparecendo como nomes de bairros, praças ou descrevendo os lugares onde moram ou transitam. A desigualdade social é um fator apontado nas três canções, assim como drogas, crimes, desemprego porém notamos que cada grupo possui um discurso próprio e revela a situação desses sujeitos referentes a vivência urbana. Desta maneira aponto que o rap é um veículo de comunicação que expressa um pensamento de um grupo. As divergências de idéias e posturas são bastante polemizadas nessas relações, o rap como um movimento heterogêneo diverge nas posturas desses interlocutores e nas opiniões formadas e representadas. Dessa maneira temos que tomar por parâmetro as divergências, não é por que são da mesma classe, ambos da periferia, praticamente a mesma faixa etária que as opiniões irão no mesmo caminho, uma das maiores contribuições do estudo desse movimento é a exaltação da diversidade.
No próprio cartel do Rap, que reúne em media doze grupos, são estabelecidas essas diferenças tal grupo narra o amor, o outro narra o crime, outro prefere uma levada mais religiosa.
2.2 TRAFICANDO INFORMAÇÃO
Os Fanzines surgem primeiramente como mais uma forma de manifestação, dando lugar a críticas, indignações, lutas, sonhos, denúncias que eram cantadas, e passam a ser escritas através de poemas, textos, pensamentos, e resposta a imprensa convencional. Através desse material percebemos uma nova possibilidade de expressão da favela. O Cartel do Rap a partir dessa produção de material não usava somente a música para atacar, contar e narrar fatos vividos: o Fanzine tem, de certa forma, um caráter conscientizador, e educativo. E o movimento carecia, na visão de Elizeu, um dos idealizadores do Fanzine, de palavras impressas:
O Fanzine foi mais uma forma da banca atacar além da música, o cara leva pra casa ele lê a irmã dele lê, ele empresta pro amigo, às vezes tem varias informações diferentes o cara ta precisando de um trabalho pro colégio que talvez tenha informação no Fanzine, tanto que saiu numa edição de um mês sobre a importância da leitura daí dois meses depois saiu o ENEM e a redação era sobre a importância de lê, então os manos que leram aquele Fanzine estavam bem né. Eu mais ainda por que eu li uns vinte textos diferentes pra poder escolher um pra por no Fanzine. [...] você cantou ali ficou sua idéia ali, mas daí chega outro dia alguém esqueceu ou não lembra outro não se ligou. No “zine” não você imprimiu distribuiu palavra impressa tem um poder ta “ligado?” e o bom é da galera ta acompanhando você vai ali divulga os eventos, tem os textos e hoje tem poeta de quebrada escreve a poesia dele e manda pro “zine”,quem sabe daí não surge um poeta um escritor e a leitura ajuda em tudo né cara, i é bom a gente lê o que é nosso tem que lê os outros também “ta ligado?”, tem que lê o que a favela ta escrevendo também, a gente tem que escreve nossa própria história “demoro”. [101]
Esse material é produzido mensalmente, contam com patrocínio de algumas lojas da cidade, principalmente as que atendem o público do Hip-hop, mas não existe relação com nenhuma organização administrativa, e nenhum patrocínio ou ajuda de algum político ou empresário.
O jornal é feito com folha a4, dobrado e grampeado, impresso com impressora de computador. No início o jornal continha apenas duas folhas, posterior essas folhas foram aumentando, e hoje são cerca de seis folhas publicadas pelo movimento, além da melhora perceptível dos textos e da qualidade da imagem postas.
É comum se expressar a critica contundente do movimento Hip-Hop pela voz, que é a principal forma de expressão do Rap, porém no movimento Hip-Hop de Foz do Iguaçu o movimento não se restringe somente à voz dos Rappers , à arte do grafite , ou à batida seca dos Dj´s. Uma das principais formas de manifesto desse movimento se dá a partir dos Fanzines., Dessa forma, creio que o movimento da cidade se diferencia ao de muitos lugares, pois utiliza um quinto elemento.
A importância dos Fanzines é notável a partir do envolvimento de pessoas que não são somente vinculadas ao movimento Hip-Hop ; então quando analisamos esses jornais. Há uma nova possibilidade de expressão de outros sujeitos da cidade.
Sobre esse processo, a produção dos Fanzines embarga a prática da elite e seu olhar de preponderância sobre a favela denunciando o abuso polícial, e as mazelas desse cotidiano e explicitam o rompimento com a idéia de superioridade das classes dominantes dessa maneira. Assim o movimento Hip-hop reelabora e reinterpreta o que é veiculado pelos “meios de massa”. Resgatando uma auto-estima das periferias da cidade, a capacidade de os próprios moradores serem interlocutores da sua história também é evidente nesse material, bem como a produção coletiva de idéias, valores, símbolos é propagada para a cidade.
Os moradores periféricos lançaram o seu primeiro manifesto por escrito e chamam a todos para contribuir, como percebemos na proposta inicial:
O Cartel do rap nasceu da necessidade de expor pensamentos através da música, da indignação e insatisfação com esse sistema que não funciona, esse sistema que aprisiona, que maltrata, que aliena, e que não te deixa outra opção a não ser protestar e reivindicar nossos direitos.
Não vamos beber do veneno que nos oferecem todos os dias, nas novelas, horários políticos, filmes e desenhos violentos, Faustão, Gugu e milhões de porcarias que não ajudam em nada.
A polícia que desce aqui e trata qualquer um como traficante, ladrão, assassino, bate na cara fala grosso, e se não for com a sua cara forja um flagrante só para te levar em cana.
Políticos e juízes entre outros que acumulam riquezas enquanto o povo pobre e miserável passa fome, por essas e por outras temos que formar uma resistência, resgatar a auto-estima da favela, chamar o povo para se manifestar, junte-se a nós e seja mais um degrau na escada da revolução. [102]
A partir do Fanzine número 2, foram incluidos textos que narram às experiências desses moradores intitulados de “novela da vida real, mais um cidadão José”.
José é um personagem criado onde mostra as angustias sonhos, revoltas, medos, miséria, trabalho, preconceito entre outros temas da vivência periférica, através desse personagem algumas história vividas por esses jovens são passadas para o papel, mostrando como os moradores dessas regiões vivem apontando algumas questões relacionadas na cidade como podemos exemplificar através da narrativa do Fanzine [103].
José dormia tranquilamente num colchão no chão de um barraco em uma favela, é madrugada e ele acorda assustado com os sons de tiro que ouvia perto de sua goma[104]. Preocupado ele lembra que essa semana esta acontecendo uma mega operação e a cidade esta cheia de polícia. [105]
Todo mundo esta mocosado[106] dentro de casa, quem deve e
Quem não deve também, porque polícia é “foda”, para mostrar
Serviço eles podem até forjar um flagrante e levar um inocente
Para o “casão” [107].
Nessa narrativa aparecem elementos do cotidiano periférico. Através das linguagens do texto percebemos que ele está voltado pra a leitura dessas próprias comunidades. Evidenciando gírias e dialetos como suas formas de expressão. E revela um morador acordando com os barulhos de tiro na favela, porém o que difere essa narrativa é a percepção desse Morador representado por José fazendo ligação com os tiros do programa “Foz segura” [108] implantado para dar segurança à cidade, onde ele mostra também o medo dos moradores saírem de casa durante essa operação, e explica que a polícia pode forjar um crime, ou uma droga para dar voz de prisão á algum morador. Sendo assim os envolvidos e não envolvidos com a criminalidade local se escondem em suas casas e tem medo de sair, tendo certo risco de virar finado ou presidiário.
Nesse mesmo Fanzine encontra um texto onde relata mais dados sobre essa operação “Foz Segura”, o nome do autor é mantido em sigilo, temendo a exposição de seu nome e alguma possível retaliação.
O Titulo do texto é polícia é “foda”. Estarei aqui trabalhando com algumas partes desse texto:
18 de Março, 7:56 da manhã eu estava chegando no “trampo”
Quando recebi uma mensagem dizendo que estamos há cinco
dias sem assassinatos na fronteira. Isso me deixou muito feliz, a
noite no jornal tinha uma matéria falando algo a respeito disso:
Está sendo realizada em Foz do Iguaçu uma mega operação
chamada Foz segura, que diminuiu o índice de assassinatos na
fronteira, tudo isso graças a mais de mil policiais que chegaram
à cidade.
Na periferia o sentido de paz, segurança e tranqüilidade não se remetem a essa operação como veremos a seguir.
Segundo o Fanzine [109] , material utilizado também como denúncia de moradores, alguns “manos”, informaram que esses policiais dessa operação pegam qualquer pessoa na rua que lhe pareçam suspeita (exemplo: cor de pele preta e camiseta de grupo de rap) e levam para beira de rios e lugares afastados e escuros propícios para desova de corpos e espancam essas pessoas tentando coletar alguma informação. E muitas vezes são pessoas inocentes que apanham de graça, por não terem nada a falar.
A seguir segue o desabafo do autor do texto:
(...) Será que é válido torturar dez pessoas inocentes para encontrar um culpado? Estou torcendo para que esses policiais vão logo embora para termos uma Foz do Iguaçu “segura” sem assassinos a solta nas ruas, assassinos bem armados, com munição de sobra, equipamentos e um distintivo que lhe dá o
Direito de tirar vidas. E principalmente para que as pessoas necessitadas voltem a trabalhar, porque o desemprego é um dos principais culpados pelo aumento da violência. Queremos escolas profissionalizantes e não presídios de segurança máxima.
A partir desse texto temos a parte de algumas opiniões de alguns moradores sobre a operação e a denúncia do abuso polícial, a crítica desses moradores referentes a esse programa que aparece na imprensa como algo que transmite a paz e segurança pra cidade, cabe a nós questionar e perceber de que “lado” da cidade ela está prestando segurança, porque na prática do vivido da periferia esse programa transmite valores diferentes como insegurança, violência e revolta cometida e legitimada pelos órgãos públicos da cidade.
A imagem da operação é totalmente negativa, mostrando relatos de abuso, violência, opressão, crimes, subornos e outras práticas, e enquanto isso essa operação é propagada com sucesso em alguns veículos da imprensa, nem abordarei aqui as reportagens na integra para não me aprofundar nesse debate, estarei colocando somente algumas manchetes de alguns jornais da cidade. [110]
Nesse sentido, o segundo comandante do Políciamento do Interior da Polícia Militar do Paraná, coronel Celso José Mello sobre esse programa de segurança afirma: “O mais importante foi o resgate da sensação de segurança para a população. As pessoas sentiram a presença da polícia na rua.” [111]
Na periferia foi se instaurado o “caos”, com arrombamentos de casas, ameaças, chacinas a idéia deste programa por moradores das regiões afastadas é de medo, ódio, revolta com esse programa. Bem diferente do resgate propagado pelo coronel da polícia militar. Esse sentido de resgate pode ser promovido pelas classes dominantes que não tem a sua casa arrombada, com certeza seus filhos não são ameaçados pela polícia.
Assim, entendemos que as imagens e fotografias postas nos Fanzines datam de situações que busca romper com a vinculação feita a mídia, assim as imagens cotidianas que envolvem jovens, mas especialmente crianças e velhos. Nelas, estes aparecem brincando nas ruas, tomando chimarrão, cantando um Rap, à sombra ou conversando com os vizinhos na varanda de casa, ou seja, divertindo-se e vivendo normalmente, assumindo a perspectiva de que a periferia é um lugar como “outro qualquer”, como aparece nas figuras abaixo:
FIGURA 4- Ensaio Fotográfico Cidade Nova
Fonte: Retirada do Fanzine Cartel do Rap, julho de 2007- Fanzine n°32. [112]
Ao que tudo indica, a disposição dessas imagens tem o intuito de desmistificar e contestar outras, veiculada pela mídia local, na qual a periferia seria somente um reduto de violência e criminalidade. Assim, mais do que divulgar o movimento Hip-hop na cidade, esses Fanzines parecem ter se colocado no próprio debate sobre os vários sentidos de uma cidade. Nesse caso, respondendo e desconstruindo imagens e estereótipos por esses meios de comunicação, atribuindo e explicitando outros valores e concepções presentes naqueles locais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mas nesta hora só tem sangue quente e quem tem costa quente, Pois nem sempre é inteligente, peitar um fardado alucinado, Que te agride e ofende para te levar alguns trocados Era só mais uma dura, resquício de ditadura Mostrando a mentalidade, de quem se sente autoridade
Nesse tribunal de rua.
(O Rappa, Tribunal de Rua).
Quando iniciei minha pesquisa sobre Hip-hop, no final do ano de 2006, eu idealizava os lugares periféricos da cidade de Foz do Iguaçu como aquele local da pobreza, tristeza, exclusão, diferença, violência, preconceito, sujeira, exploração. Ao entrar nesse universo me deparei com povo guerreiro que sobrevive às situações mais adversas e que renunciam ao posto de vítima e não sustentam a fraqueza que lhes são muitas vezes atribuídas. Assim, vão ultrapassando barreiras todos os dias, não somente aquelas barreiras impostas pela divisão de classes mas, aquela da diferença, do olhar preconceituoso, na qual nós, muitas vezes, nos colocamos como inexistentes da nossa parte, mas ao conviver com o “outro” nos deparamos com nossas próprias contradições.
Assim, fui com muita dificuldade renunciando a parte dos meus pré conceitos, e adquirindo novas experiências. Inicialmente meus contatos nas periferias se deram com jovens e crianças dessas regiões que, como a de todas as outras partes, possui sonhos, lutas, desejos, e um conjunto de sentimentos que permeiam nossas vidas; assim pude entender que antes da pobreza, exclusão e toda essa perversidade da nossa sociedade, existem uma vida, uma memória, uma trajetória, que formam um conjunto de relações que parcialmente busquei explorar através dos moradores dessas regiões aqui nesse trabalho.
Dessa forma posso afirmar que esse trabalho inicialmente foi pensado visando a elaboração de um TCC, mas ao me envolver com essas pessoas e com estes locais tudo o que menos me interessa é a minha apresentação, a mina nota, a repercussão que este trabalho teve ou terá na academia, por que o que eu vivi e aprendi nesse trabalho de campo não irá constar no meu currículos Lattes, nem me sustentará num concurso ou numa vaga de emprego, mas com certeza os valores aprendidos, o respeito á consideração aqui empreendida, ninguém será capaz de tirar essa experiência de mim.
O que era pra ser um projeto de faculdade virou um projeto de vida, de pensar de perceber as diferenças, desigualdades, a cumplicidade, estereótipos, assim conseguir parcialmente ultrapassar as fronteiras que me separava dos manos, favelados, pobres, periféricos, hoje tudo isso está entrelaçado entre a minha cidade e a cidade deles.
Ainda há muito a ser pensado e realizado agradeço pelas conversas, debates e momentos de reflexão com a ajuda dos meus entrevistados, colegas, professores, moradores que me deram a oportunidade de me descobrir enquanto históriador.
De fato todo esse processo se iníciou e não me explicou muita coisa, só me confundiu ainda mais, a respeito das nossas vidas e acerca da nossa sociedade, e afirmo com franqueza que isso não acabará por aqui, há muito a ser explorado, a ser repensado e redescoberto. Obrigado, favela, que através de alguns de seus interlocutores me ajudaram a pensar que uma poesia, o Rap, um grafite são fontes ricas possíveis de revelar as muitas faces dessa cidade.
Num âmbito mais amplo, os trabalhos de Marcos Alvito e Alba Zaluar[113] me ajudaram a perceber as experiências urbanas a partir de realidades distintas, como aquelas vividas na cidade o Rio de Janeiro, o que, por sua vez, remeter diferentes olhares para as disputas e significações dessas áreas periféricas, mostrando que não existe um tipo ideal de “favela”, pois cada qual produz seu conjunto organizacional, com características próprias, e mostram que dentro de uma mesma área coexistem micro-territórios historicamente formados, e que, por sua vez, apontam para disputa de espaços entre os próprios moradores, surgindo assim organizações paralelas ou até substitutivas a ausência do estado (poder paralelo), com leis próprias, códigos tácitos e múltiplos significados, muitas vezes só possíveis de serem compreendidos pelos próprios moradores daquelas áreas, assim parte dos textos, artigos lidos desses autores serviram mas para a experiência a ser percebida no trabalho de campo.
Entende-se que, a partir da discussão desses autores, não é mais possível entender uma periferia de forma simplificada, funcional, como se ela fosse exclusivamente “depósito de pobres”, mas sim um local de disputa política, de resistência, de construção de direitos e novos valores.
Assim, assumi um compromisso político e pessoal em respeito às memórias que foram aqui trabalhadas, sabendo da importância de receber e buscar desvendar essas memórias, a história oral se apresentou enquanto uma possibilidade de conhecer práticas, Histórias, e vivências e acredito ter conhecido dessa maneira parte do cotidiano periférico da cidade de Foz do Iguaçu, assim me deparei com um espaço amplamente heterogêneo, e busquei ouvir moradores dessas áreas periféricas, pessoas comuns, trabalhadores, pobres, marginalizados, sendo totalmente necessária para compreender as questões sociais da cidade.
Nesse trabalho de campo que durou em media um ano, percorrendo diferentes áreas periféricas, me deparei com diversas dificuldades, mas sem duvida a maior delas ocorreu na Favela da Mosca. Digo de passagem de que entre as doze “quebradas” que visitei e percorri foi essa a que mais me chocou pela precariedade do local. Após o termino dessa entrevista com o grupo Profecia da Fronteira residente deste local, tirei algumas fotos do grupo neste local, foi quando o grupo pediu para eu fotografar a favela deles pois haveria uma edição dos Fanzines que faria uma espécie de cartão postal de cada favela.
Sendo assim saímos eu, Elizeu, Nelson, Tiago e Josué, eles me levaram perto de um esgoto a céu aberto que corta a favela da Mosca. Sendo assim tirei minha maquina digital e fui fotografar o local, quando nos deparamos com dois policiais civis armados que nos abordaram perguntando o que estávamos fazendo, um sacou uma pistola e pediu para que nós colocássemos a mão na cabeça devagar e virasse de costa; fomos revistados, xingados e acusados de ter roubado um carro, a partir dessa abordagem violenta alguns moradores da favela saíram de seus barracos e começaram a gritar pedindo que a polícia fosse embora pois, todos sabiam que aqueles meninos eram honestos a partir daí ocorre um confronto verbal de troca de acusações entre policiais e moradores. Foi quando um dos policiais gritou dizendo que teve um carro corsa verde wind roubado e que foram vistos dois elementos descendo nesse favela, a partir desse relato dirigi a palavra ao policial dizendo que o suposto carro roubado era meu. Foi aonde ele me interrogou me ironizando, perguntando se eu estava de brincadeira? “Foi aonde eu respondi não senhor, eu tenho os documentos aqui”. Foi quando ele os pediu após averiguar a documentação do veículo, ele pediu para eu subir a favela com ele, eu disse que subiria pra mostrar meu carro, mas que o Zeu deveria subir comigo.
O policial liberou o Zeu da acusação de ser ladrão de carro e falou pra nos subirmos à favela pra averigua a situação do veículo. O policial já me adiantara que meu carro está todo destruído, que alguns moradores daquele local tentaram roubar, mas ao chegar no local aonde tinha deixado meu veículo vejo que ele estava normal sem nenhum arranhão. A partir dai os polícias estabelecem algumas indagações do que eu faria naquele local? Eu expliquei que sou estudante e faço uma pesquisa sobre rap nas favelas de Foz.
Os polícias me deixam ir embora, porém ainda remetem algumas acusações ao Zeu dizendo que ninguém desce naquela favela sem uma suposta autorização, querendo nos relacionar supostamente a uma relação à bandidagem do local, sendo assim o Zeu responde que ele conhece muitos moradores honestos naquele local e que não existe esse negocio de permissão respondendo “eu tenho amigos aqui venho aqui diversas vezes e nunca pedi autorização a ninguém”.
O policial continua á pergunta de que bairro ele seria e etc.. Após uma longa conversa nos dois somos liberados, a TV local estava presente e tentou realizar algumas filmagens, foi quando eu mostrei os documentos do carro e pedi que minha imagem não fosse vinculada um programa policial. Dessa forma houve uma discussão com uma câmera, a repórter se aproxima e pede pra que explique publicamente o que estava fazendo na favela da Mosca, eu disse que estava trabalhando com uma pesquisa de hip-hop e que não gostaria de falar sobre meu trabalho na televisão dessa forma. Houve um consenso da mídia que não filmou nada, porém gravou a reportagem e eu ainda não sei se essa matéria foi ao ar.
Assim, um camburão da ROTAM (Grupo de Operações Especiais da Polícia Militar) fazia a cobertura a essa operação, e fomos ridicularizados por esses polícias que nos direcionaram alguns palavrões.
Antes de ir embora um dos policiais que participam dessa operação afirmou que a polícia faz hoje um bom trabalho em Foz e que se realmente o meu carro fosse roubado por aqueles marginais no qual eu entrevistei, eles iriam resgatá-lo, eu ironicamente agradeci ao trabalho prestado aquela tarde a Polícia Civil de foz do Iguaçu.
Quero deixar aqui a minha indignação contra o abuso dos policiais nas periferias de Foz, ao longo de ano de entrevistas em diversos bairros a polícia é apontada como algo negativo na cidade, sendo posta como responsável pela violência e coerção contra os moradores, sendo acusados de violência, crimes e suborno. Esse meu trabalho não tem vínculo com alguma organização e não possui especificamente nenhum caráter denunciativo especial contra a polícia porém esse fato me fez repensar na atuação desse setor nos bairros.
Assim percebi a relação entre mídia e polícia que agem como cúmplices neste tipo de operação, dessa experiência foi, de fato, a única negativa nessas periferias, mas, de certa forma serviu para eu repensar inclusive no meu trabalho questões acerca da vivência desses moradores, e algumas questões narradas na música Rap, postas em entrevistas ou colocadas em alguns textos nos Fanzines.
4. FONTES E BIBLIOGRAFIA
4.1 - FONTES
4.1.1 - DEPOIMENTOS ORAIS:
ELIZEU PIROCELLI ou “mano zeu”. 27 anos, Membro do grupo “Aliados da Periferia”, idealizador dos Fanzines e fundador do Cartel do Rap. Morador do bairro Cidade Nova, Foz do Iguaçu.
EDSON DE CARVALHO, “mano Edo”, 29 anos membro do “Cartel Break”, da banca Cartel do Rap e poeta, autor de mais de 500 poesias sobre a cidade de Foz do Iguaçu. Auto-entitulado “poeta marginal”. Morador de uma ocupação no jardim Eldorado, Foz do Iguaçu.
ANTÔNIO LOPES. “Toninho”, 29 anos, Apontado pelos Fanzines como um dos primeiros Rapers de Foz do Iguaçu, atualmente desligado do movimento Hip-hop. Hoje funcionário público, morador do centro, Foz do Iguaçu.
TIAGO MANFRÓI ou “Pesadelo” 16 anos. Membro do grupo “Profecia da Fronteira”, grupo de Rap ligado à banca Cartel do Rap. Morador da Favela da Mosca, Foz do Iguaçu.
GUSTAVO JIMENEZ, 27 anos, Membro do grupo “5° Naipe”. Morador do bairro Curitibano, Foz do Iguaçu.
RIVACI ROSSOTI, 25 anos, Membro do grupo “5° Naipe”. Morador do bairro Curitibano, Foz do Iguaçu.
GUILHERME NANTES,24 anos, Membro do “Cartel Break”, MC do grupo “Eloqüentes”, morador da ocupação no Jardim Eldorado, Foz do Iguaçu.
TIAGO EGEA, ou “Woloco”, 23 anos Grafiteiro, autor de vários grafites feitos na cidade, morador da ocupação no Jardim Eldorado, Foz do Iguaçu.
JOSÉ BATISTA SOUZA FILHO, ou “Zé das Borsa”. 46 anos, Funcionário público, agente de saúde no centro de Zoonoses, morador do bairro Cidade Nova, Foz do Iguaçu.
4.1.2 - DISCOS / CDS
- Coletânea Cartel do Rap - Rap Iguaçuense. Gravadora independente, Foz do Iguaçu, 2003.
- Cartel do Rap. A chave é a união, gravadora independente, Foz do Iguaçu 2006.
- Aliados da Periferia. CD Por traz da cortina, Demo, Foz do Iguaçu, 2007.
- 5° Naipe. CD Entre Cédulas e Pétalas, Produção Fonográfica 5° Naipe, Foz do Iguaçu, 2007.
4.1.2 - FANZINES
Cartel do Rap – Edição 01 (2005) a 37 (2007).
4.2 - BIBLIOGRAFIA
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ÍNDICE DE IMAGENS
FIGURA 1- foto do interior de uma residência no bairro Cidade Nova, em 30/08/2008. Acervo particular do autor. (pág. 14)
FIGURA 2- foto da entrada de um prédio abandonado no centro da cidade de Foz do Iguaçu, em 30/08/2008. Acervo particular do autor. (pág. 26)
FIGURA 3- foto da Casablanca, em 25/01/2008. Acervo particular do autor. (pág. 27)
FIGURA 4 e 5- Ensaio Fotográfico no bairro Cidade Nova, publicada no Fanzine Cartel do Rap, julho de 2007- n°32. Acervo particular do autor. (pág. 52)
[1] Poema retirado da capa do Fanzine Cartel do Rap, Foz do Iguaçu, janeiro de 2007.-Fanzine n° 26.
[2] SOUZA, Edson Belo Clemente. A Região do lago de Itaipu: as políticas públicas a partir dos governos militares e a busca da construção de um espaço regional. Florianópolis/SC: UFSC, Dissertação de Mestrado em Geografia, 1998, p.38.
[3] GONZALEZ, Emilio. Memórias que Narram a Cidade: Experiências sociais na constituição urbana de Foz do Iguaçu. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC / SP, 2005, Dissertação de Mestrado
[4] FENELON, Dea Ribeiro. “Introdução”. In: Cidades: Pesquisa em História. Programa de Estudos Pós Graduados em História da PUC / SP, coletânea. São Paulo: EDUC, 2000, p. 07.
[5] Disponível em: http://www.músicaecultura.ufba.br/Martins-Rap_nacional.pdf. Acessado em 13/10/2008, às 12:35 PM.
[6] PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre a ética na história oral. Projeto História, In: Revista Projeto História São Paulo: conferencia dia 15 de Abril:1997,p.17.
[7] A média anual de homicídios na cidade geralmente chega na casa dos 300 assassinatos, para uma população estimada em torno de 300 mil habitantes. No ano de 2007, uma pesquisa divulgada pela RITLA (Rede de Informações Tecnológicas Latino Americana) colocou Foz do Iguaçu entre as cidades mais violentas do país, sendo a líder em homicídios entre a população jovem (15 a 24 anos). O índice de homicídios na cidade em pesquisa referente ao ano de 2006 indicava um total de 76 assassinatos por grupo de 100 habitantes. Sobre essa informação, ver: http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,MUL277719-5598,00.html Acessado em 15/10/2008, às 21:20 h.
[8] SOUZA, Edson Belo Clemente. A Região do lago de Itaipu: as políticas públicas a partir dos governos militares e a busca da construção de um espaço regional. Florianópolis/SC: UFSC, Dissertação de Mestrado em Geografia, 1998, p.38.
[9] GONZALEZ, Emilio. Memórias que Narram a Cidade: Experiências sociais na constituição urbana de Foz do Iguaçu. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC / SP, 2005, Dissertação de Mestrado.
[10] Essa favela vive desde o ano de 2007, uma onda elevada de violência, sendo disputa por paraguaios e brasileiros que lutam pela exploração da barranca do rio para o trafico internacional de drogas e produtos contrabandeados do Paraguai, pois essa favela se encontra muito perto da ponte da amizade, muitos moradores estão abandonando esse local. A favela tem esse nome devido à forte concentração de bambus.
[11] Essa Favela fica bem próxima ao centro administrativo da cidade. Localiza-se nas costas do principal cemitério da cidade, devido a isso é conhecida popularmente como Favela do Cemitério.
[12] Esse é um nome oficial realizado pela própria prefeitura, aonde as ruas são todas com nomes de cidades Paranaenses como exemplo: Cascavel, Londrina, Maringá, etc. Esse bairro é cercado de vielas que são marcados por letras num total de oito, , indo até a viela “h”, Essas vielas são becos sem saídas e terminam na barranca do rio Almada.
[13] Essa favela tem esse nome devido a uma empresa de coleta de lixo e limpeza pública, que ficava muito próxima a esse local. Como a empresa se chamava Mosca, o local ficou popularmente conhecido como Favela da Mosca. Posteriormente essa empresa mudou de nome sendo chamada de Pluma, a partir daí alguns identificam a favela como Pluma, mas a grande maioria ainda a conhece como Mosca. Nos jornais da cidade aponta-se também para o nome Mosca. Dentro dos lugares que visitei essa favela foi a que mais me chamou atenção pela pobreza e precariedade do local: os barracos todos os amontoados, encostados em barrancos, um esgoto corta essa favela transmitindo um forte odor, é impossível transitar com algum veículo (automóvel) dentro dessa favela devido ao declive do terreno, Hoje essa favela é uma das mais visadas na cidade, está entre as que mais aparecem nos noticiários polícias.
[14] Muito dessas regiões e desses moradores estão classificados segundo o censo do IBGE de Foz do Iguaçu, realizado em julho de 2004, na classe E que tem a renda familiar de até dois salários mínimos por mês que chegam a ser 42% da população.
[15] Cf. GONZALEZ, op. Cit.
[16] ROLNIK, Raquel. O que é cidade, São Paulo: Brasiliense, 2004.p. 55
[17] O plano diretor traz propostas administrativas e urbanísticas para o município, sendo usado pela prefeitura para planejar o orçamento e determinar as leis urbanísticas para um crescimento ordenado na cidade. Através deles também são definidas as instalações de equipamentos urbanos como creches, escolas e postos de saúde. www.fozdoiguacu.pr.gov.br , acessado no dia 18/08/2008.
[18] www.fozdoiguacu.pr.gov.br , acessado no dia 18/08/2008.
[19] O Estado de S. Paulo, 26/03/2006.
[20] Podemos citar o bairro Porto-Meira que fica próximo à avenida que liga o centro Cataratas do Iguaçu, ao Aeroporto, ao Centro de Convenções, ao Parque das Aves, campo de Golfe etc., bem como o bairro Cidade Nova que fica num perímetro universitário que se encontram a UNIOESTE e a UNIAMÉRICA, a Favela da Mosca que fica próximo ao shopping Cataratas, e as favelas do Cemitério, Marinha, Monsenhor, ainda muito próximas do centro da cidade.
[21] Em 1985 foi construída a ponte Tancredo Neves, que ligava o Brasil e Argentina.
[22] Um dos casos mais famoso é o da ocupação na vila Batalha ou vila Resistência na região do três lagoas aonde os moradores resistem a anos a locomoção, devido a resistência desses moradores a vila ficou popularmente conhecida como vila resistência.
[23] http://www2.fozdoiguacu.pr.gov.br, acessado no dia 22/08/2008.
[24] O estudo desse processo foi objeto da dissertação de Emilio Gonzalez, op. Cit.
[25] Desse ponto podem-se avistar os marcos correspondentes nos territórios argentino e paraguaio.
[26] Fanzine Cartel do Rap, Julho de 2006, Foz do Iguaçu, N° 19- Texto Quem planta miséria, colhe violência. Elizeu Pirocelli.
[27] Apontada pela imprensa na década de 1990 com uma das favelas mais violenta da cidade, alguns depoimentos de moradores que moram hoje no Cidade Nova comentam das “rixas” entre traficantes daquele local . Um caso comentado foi o fato de que um traficante ferido foi levado à Capitania da Marinha, que fica próxima a favela, sendo ali recusado o atendimento. Por conta disso, alguns traficantes atiraram contra a base da Marinha. A fama da favela cresceu tanto que alguns moradores em entrevistas de empregos negavam ser daquela favela, pois tinham se esse fato se tornasse conhecido.
[28] Um traço contraditório na cidade é o nome de escolas, ruas avenidas por exemplo do militar Bartolomeu Mitre, que dizimou milhares de vidas na guerra do Paraguai i é tratado como herói pela memória oficial da cidade.
[29] Elizeu Pirocelli. Depoimento de 08.12.2007
[30] Fanzine Cartel do Rap, Foz do Iguaçu, julho de 2006. Ano2- n°19.
[31] Texto retirado do Fanzine n°12.
[32] Rota do Crime, Naipe Aqui Agora, Tempo Quente, são alguns exemplos.
[33] Rolnik, Raquel. A cidade a lei. São Paulo, Studio Nobel 1999. Pg. 33.
[34] José Batista Souza Filho, “Zé da Borsa” trabalha de agente de saúde no centro de Zoou nozes, já trabalho de serralheiro, metalúrgica, depoimento dia 6/09/2008.
[35] José Batista Souza Filho, depoimento citado.
[36] Ladrões de roupas, e materiais domésticos, geralmente são usuários de drogas.
[37] Na chamada Vila Almada havia aproximadamente 300 famílias vivendo ali. A maioria delas que permanece no bairro Cidade Nova sobrevive principalmente catando papelão.
[38] A Faculdade União das Américas foi criada pelo mantenedor Centro Educacional das Américas Ltda. e credenciada pela Portaria Ministerial nº 949, de 17 de maio de 2001, com sede na cidade de Foz do Iguaçu, Paraná, conforme www.uniamerica.com.br , acessada no dia 18 de julho de 2008.
[39] O empresário Libanês Fouad Mohamed Fakin, dono de uma grande loja comercial a Fouad Centrer New Time, seria o reitor e financiador desse projeto.
[40] Avenida Tarquínio Joslin dos Santos, 1000, Jardim Universitário, Foz do Iguaçu – PR.
[41] Uma das principais reclamações dos moradores é a falta de iluminação nela.
[42] Esse lugar é formado por um imenso gramado, daí o nome de “Gramadão”,. Esse espaço possui uma imensa concha acústica com o símbolo da Itaipu, e é usado para shows principalmente beneficentes na época do natal, atraindo público de todas as partes da cidade. Por ali transitam nessas ocasiões crianças, velhos, adolescentes, e é também ponto de encontro de jovens para namorar durante a noite , um lugar em que a polícia geralmente transita devido à venda e uso de drogas. Ao lado fica o centro executivo que cuida da parte burocrática da Itaipu, área que é cuidada pela empresa.
[43] Elizeu Pirocelli. Mas conhecido como mano Zeu, morador do bairro Cidade Nova e nesse período, vendedor de dvd, seu ultimo emprego com carteira assinada tinha sido no centro de zoonozes, aonde vacinava cachorros. Esse já habitou outros bairros como jardim Paraná, vila Sebastião , e organizou diversas apresentações do cartel do rap, em diversos bairros, Depoimento de 08.12.2007.
[44] Elizeu (mano Zeu) depoimento citado
[45] AZEVEDO, Amilton M. G. e SILVA, Saloma S. J. da silva, Os sons que vêm das ruas, In ANDRADE, Elaine N. de (org.) Rap e educação, Rap é educação. São Paulo: Selo Negro, 1999. p. 69.
[46] Rolnik, R. Op cit, p- 48.
[47] www.megafone.inf.br, Acessado no dia 1/09/2008.
[48] Depoimento Edson de Carvalho, “mano Edo”, concedida no dia 25 de Janeiro de 2008.
[49] Depoimento Tiago Egea, “woloco”, concedida no dia 25 de janeiro de 2008.
[50] Depoimento citado.
[51] THOMPSON, E.P. A formação da classe operaria inglesa. Rio de Janeiro Paz e Terra, vol. 2, 1987.
[52] O movimento Hip-hop se desenvolveu nos Estados Unidos na década de 1970 a partir de algumas questões que estavam surgindo no âmbito da juventude negra e dos seus questionamentos em torno de questões raciais e de classe daquela sociedade. Assim, o Hip-hop já nasce marcado pelo diálogo com outros movimentos que já existiam naquele momento, como os “black power”, os “panteras negras”, “Malcon X”, entre outros. De uma forma geral, tratavam-se de movimentos que se preocupavam com questões como a auto-estima e a auto-valorização dos negros, em uma sociedade ainda dividida pelo debate em torno das questões raciais pautadas a partir dos anos 1950. Em sua forma inicial, o Hip-hop americano aparece associado à cultura de rua e, por isso, também associada à idéia de “delinqüência juvenil”. Sua expressão era traduzida tanto na forma corporal (especialmente a dança, como o break), e rítmica (especialmente a forte batida do funk). Também o grafite e a forma característica de cantar (quase falada) são duas de suas características mais marcantes desse período.
[53] Nos anos de 1980, a atuação do Hip-hop se expande para os grandes centros urbanos de quase todo o mundo, propiciando assim, a formação de uma expressão cultural contemporânea, Por se tratar de um movimento que nasceu no território das “bordas” urbanas, onde a questão da segregação racial se faz presente, a diferença social também é algo evidente na contextualização do movimento a problemática da exclusão/ inclusão, o rap possui varias influências musicais no território Americano destacam-se artistas como James Brown, Marvin Gaye, etc. No Brasil essas influências vão desde sambistas antigos como artistas mais atuais, como Tim Maia e Jorge Bem.
[54] O Rap Francês por exemplo tem como prática explorar em suas letras a situação dos imigrantes no País, e aborda questões políticas com criticas a extrema direita. No Japão ele aparece mais como consumo, e apropriação do Rap Norte-Americano e vincula em filmes, propagandas, No Brasil se solidifica normalmente nas periferias das cidades.
[55] O termo Hip-Hop Iguaçuense é incorporado por mim, a partir da própria intitulação do movimento com a cidade, aonde os jovens participantes dizem construir o Hip-Hop de Foz do Iguaçu, afirmando ser o Hip-Hop Iguaçuense.
[56] Grupos nomeados atualmente no Rap vêm do interior, como é o caso do grupo Face da Morte.
[57] SILVA, Carlos Gomes da. Arte e Educação: A experiência do Movimento Hip-hop Paulistano In.. Andrade, Elaine N. de . (org) Rap e Educação, Rap é educação São Paulo: Summus, 1999.
[58] Desde as origens o sentido de arte no âmbito do movimento hip-hop associa-se ao vivido.
[59] Jardim Paraná.
[60] Gíria designa amigo, camarada.
[61] Mas foi em 1997 que após o lançamento do cd Sobrevivendo no inferno, que o rap de foz parou de engatinhar e deu seus primeiros passos. O cd passou a ser ouvido nos quatro cantos da cidade, era tocado nas festas, com certa aprovação, as músicas mais tocadas era Cap. 4 Versiculo 3 e Diário de um detento, posterior a esse cd surgiram sons como Mv bill, Sistema negro, Realidade Cruel, RZO, detentos do rap, etc.
[62] GUIMARÃES, Maria Eduarda Araújo. RAP: Transpondo as Fronteiras da Periferia, in. Andrade, Elaine N. de . (org) Rap e Educação, Rap é educação São Paulo: Summus, 1999.
[63] Bar alternativo que reunia um grande público jovem, ficou conhecido em um período como “verdroga”, devido ao uso de entorpecentes próximo a este local. Ficava próximo ao centro da cidade.
[64] Na gíria boy quer dizer burguês.
[65] Fundada em 1998, um espaço que abrigou skatistas e jovens do Rap.
[66] Os grupos de Rap da cidade , que abriram o show foram: “Mundo Iguaçu” e “Enquadro Verbal”.
[67] Samis Silva se elege, segundo o depoimento as portas se fecharam ainda mais para movimento, os grupos não eram recebidos, nem ouvidos e algum projeto elaborado nos bairros que tentavam incluir atividades nas periferias foi barrado. Antonio Lopes, depoimento citado.
[68] (mestre de cerimônias) porta-voz ,relata através de rimas, experiências das periferias, lança mensagens de alerta e orientação.
[69] Operador de discos faz bases e colagens rítmicas sobre as quais se articulam os outros elementos.
[70] Representante da expressão corporal, dança de rua conhecido também como Street Dance.
[71] Expressão Plástica, pinturas feitas em muros, ruas, etc.
[72] No dialeto popular desses jovens a expressão banca significa: A união de pessoas do mesmo movimento daí se cria a Idéia de fazer uma banca do rap, denominada Cartel do Rap.
[73] Elizeu Pirocelli “mano Zeu”. Depoimento citado.
[74] A casa existe desde o ano de 1999 hoje ela tem um caráter de (ONG) e tem projetos relacionados à inserção de crianças e jovens nas chamadas áreas de riscos.
[75] Hoje o grupo mais antigo de Rap na cidade, além de ser o percussor da organização Cartel do Rap.
[76] No cenário nacional começa a aparecer grupos cariocas como 5° andar, Jigaboo, Black Alien que trazem uma outra levada para o movimento, como a prática do Freestyle.
[77] É o combate de rimas, uma espécie de duelos um rimador contra o outro, as rimas tem que ser feitas na hora e no improviso a platéia julga com palmas, o melhor rimador.
[78] Jardim São Paulo, Cidade Nova, Porto Belo. Bela Vista.
29 http://www.hist.puc.cl/iaspm/rio/Anais2004%20(PDF)/RosanaAparecidaMartinsSantos.pdf, acessado no dia 16/09/08.
[80] O evento aconteceu em Lugares como : Cidade Nova, Favela do Queijo, Favela do Cemitério, favela da Mosca, Jardim Jupira, Três lagoas, Vila c Nova, Vila Paraguaia, Favela do Bambu, Guarda Mirim, Jardim Naipi, Jardim Paraná, Jardim América, Jardim Canadá, etc. As regiões Norte, Sul, Leste e Oeste da cidade foram visitados pelo cartel do Rap.
[81] ARANTES, A. Paisagens Paulistanas: transformações do espaço público. Campinas: Editora da Unicamp, 2000.Pg. 42.
[82] Posteriormente foi organizado o 1° Encontro de Hip-hop da fronteira,nesse evento se apresentaram grupos de Foz do Iguaçu, Santa Terezinha de Itaipu, Londrina, Campo Mourão, Engenheiro Beltrão. Aconteceram ainda oficinas dos quatro elementos do hip-hop na Praça do Mitre.
[83] Desses shows centrais destaque para o Dia da consciência negra, comemorado no dia 20 de novembro na praça do Mitre,o evento contou não somente com grupos de Rap, mas com Capoeira, Dança Afro, poemas, poesias, distribuição de um jornal elaborado pelo Monarfi, e shows com bandas. Isso mostra o diálogo do movimento hip-hop com outras organizações.
[84] Um dos maiores defensores da permanência do Rap ficar somente na favela e que se recusam a fazer shows para a classe media é o grupo Facção Central, Outros acham que o rap tem que tomar proporções maiores atingindo outros públicos como MV Bill.
[85] Elizeu depoimento citado.
[86] Tiago depoimento citado.
[87] Vale ressaltar que nesse desenvolvimento do Rap pela cidade surgiram outros grupos que foram agregados à banca, como: M.D.K, Revolucionários mc´s, Dependentes do Rap, Esquadrão do Rap, Relato Criminal e Black mc.
[88] Rolou até a 9° edição, destaque para shows na favela da JK, e Jardim Belvedere, lugares que ainda não tinham acontecido evento de Rap.
[89] Rolou até a 7° edição, com a participação de dois novos grupos o MDK e Sobreviventes do Subúrbio.
[90] Nesse ano aconteceram ainda três shows com grupos de fora o do DBS e a Quadrilha, Realidade Cruel e Facção Central.
[91] Com a participação do Cartel do Rap, A.C.U.S.A (Associação Cultural Sociedade Alternativa), e Colégio Monsenhor Guilherme.
[92] Lojas como a Vertical Hip-hop Wear, localizada na Av. Brasil (centro), Uhuru localizada na galeria Center Abas (centro), e a Laysla Hip-hop localizada em uma região periférica da cidade (Jardim São Paulo). No decorrer do movimento essas lojas foram agentes patrocinadoras dos Fanzines e de shows de Rap.
[93] CF - capítulo 1
[94] TELLA, Marco Aurélio Paz. “Rap, Memória e Identidade”. In: Rap e Educação: Rap é Educação. ANDRADE, Elaine N. (org.). São Paulo: Summus, 1999, pg. 61.
[95] ARANTES, op. cit., pp.136-138.
[96] Rivaci Rossoti 26, mc do grupo 5° naipe, entrevista realizada no dia 11/02/2008.
[97] Entre essas características estão o estilo de cada grupo como o Gangsta, rap pesado, Gospel marcado pelas mensagens bíblicas, bate cabeça um rap com mais batida pra pular e curtir (lembra o funk), o underground que fala dos sentimentos, entre outros. Lembrando que num mesmo grupo pode ter diversos estilos.
[98] Thiago Soares Vaz “pesadelo” (18), mc do grupo Profecia da Fronteira, entrevista realizada no dia 14 de fevereiro na favela da Mosca.
[99] Bill – Referência a um jovem envolvido no crime, na época residente do jardim Alice.
48 NAPOLITANO, Marcos. História e Música. Belo Horizonte: editora Autêntica, 2002.Pg.97.
[101] Depoimento citado
[102] Cartel do Rap, Fanzine n°1, fevereiro de 2005, ano Um, Foz do Iguaçu, Pág. 2.
[103] Fanzine Cartel do Rap, Foz do Iguaçu, março de 2005. Ano 1. Fanzine n° 2
[104] Goma – designa casa
[105] No dialeto periférica Goma: significa casa.
[106] Escondido com medo de algo.
[107] Cadeião
[108] Essa operação faz parte do “plano” do estado para diminuir o índice de criminalidade na fronteira, ela é formada pela Polícia Federal, Receita Federal, polícia Rodoviária federal, polícia militar e Civil. Conta com aproximadamente 442 polícias militares 80 civis, que usam 68 viaturas e dois helicópteros uma verdadeira “operação de guerra” o deve tambsa, quem deve e quem na. esta acontecendo uma mega operaçto de sua goma
[109] Fanzine Cartel do Rap, Foz do Iguaçu, março de 2005. Ano 1. N° 2
[110] “Operação Foz Segura inibe crimes na região de fronteira”, Operação “Foz Segura” reduz pela metade a média de assassinatos na cidade.
[111] www.aenoticas.pr.gov.br “Requião lança Operação Foz Segura que vai unir forças com a Polícia Federal”, 27/02/2008. Acessado 13/04/2008.
[112] Retirada do Fanzine Cartel do Rap, julho de 2007- Fanzine n°32. No texto acima aparece um texto de autoria dos moradores Elias e Lizal, que diz o seguinte: “Resolvemos fotografar nossa quebrada, Cidade Nova para imortalizar alguns momentos que passam batidos devido a nossa correria do dia a dia. De um lado o abandono e o descaso com o nosso bairro. Do outro o lado bom: As crianças brincando se manifestando, cantando, jogando basquete, andando de bicicleta, patinete, ou simplesmente deitando nas ruas para ver os carros desviarem. Imagens bem diferentes das que aparecem no programa polícial. (No lixão também nasce Flor).”
[113] ALVITO, Marcos. “A Honra de Acari”. In: VELHO, Gilberto & ALVITO, Marcos (orgs.) Cidadania e Violência. Rio de Janeiro, FGV; UFRJ, 1996.p. 147-64; e ZALUAR, Alba & ALVITO, Marcos (orgs.) Um Século de Favela.. Rio de Janeiro, FGV, 1998. p 209-230.
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