sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A FIGURA PATERNA NAS LETRAS DE RAP (Por: Lizal)

A grande maioria dos ativistas do Movimento Hip-Hop não conheceu o pai, ou o genitor não assumiu a paternidade. As letras de rap trazem uma certa mágoa com a figura paterna. Na música Negro Drama do grupo Racionais Mc's, Mano Brown canta: “Daria um filme / uma negra e uma criança no braço / solitária na floresta de concreto e aço (...) / mãe solteira de um promissor vagabundo (...) / um bastardo, mais um filho pardo sem pai”.

O grupo Inquérito ganhou o prêmio Hutus na categoria melhor canção com a música intitulada Dia dos Pais. Na música o filho narra que está indo no cemitério no dia dos pais para dar um presente pro seu coroa falecido. “Meti uma peita preta, vesti uma lupa escura / juntei uns troco pra floricultura”. O pai trocou a família pelo crime, nunca ouviu conselhos de ninguém. O refrão mostra a frustração do filho: “Eu trouxe o seu presente pai / é um buquê de flores / e agora o que que eu faço? / eu só queria era poder te dar um abraço”. A música é cantada como se o filho estivesse aos pés da sepultura do pai falando com ele: “Quando eu mais precisei, cadê? Você não tava / com 13 anos eu virei o homem da casa / a mãe sofrendo, doente, vivia em hospital / larguei a escola pra vender sorvete no Taquaral (...) Hoje quando eu te vejo nas fotos encima do Raque / vivo, positivo, só que nos negativos da Kodak / lembro do tempo que você vivia com nós / você sorria, mas aí, alegria / apagou mais rápido que um flash de fotografia”. No fim da conversa o rapaz pede desculpa por ter falado demais e diz que precisava muito desabar com alguém. “Já deu minha hora pai, deixa eu ir / você nunca escutou ninguém, não é agora que vai me ouvir / quem sabe um dia nós se tromba, nem que seja sonhando / pra eu te dar o abraço que ficou faltando”. Antes de ir embora uma última conversa: “Eu acho que a vida do crime é que nem a dessas flores aqui que eu te trouxe, no começo parece que vai ser linda sempre, de repente morre, desmancha, só fica os espinhos. Eu acho que os espinhos é que nem a saudade que fica machucando a gente, arranhando a nossa memória. É pai, mais um ano sem você. Mais um dia dos pais, sem paz, sem pai, só saudade”.

Na música Respostas do grupo Rajada Mc's, o Mc Careca narra as dificuldades de crescer sem um pai e a zombaria das outras crianças. “Você não tem pai”. No mês de agosto a professora pedia pra fazer um cartãozinho do dia dos pais, no caminho pra casa ele rasgava e jogava fora. Diante das dificuldades enfrentadas, a mãe posta pra fora de casa por causa da gravidez, sozinha no mundo com um filho no colo, ele se questiona: “Como seria se eu tivesse um patrocínio paterno?”. Pergunta sem resposta. O narrador diz que às vezes sente vontade de procurar o pai, mas teme uma rejeição, o que acabaria com sua vida. E durante a música as perguntas não param: “Será que ele ta vivo ou não? / será que eu tenho irmã, será que eu tenho irmão?”.

Uma canção bastante triste é do grupo Inimigos da Guerra. Intitulada Falha de um Pai, a música mostra os sentimentos do filho a respeito do abandono e do sofrimento passado em decorrência disso. “Nunca tive amor de pai, pra mim tanto faz / tendo amor da minha rainha, dessa forma vai que vai / Um amor de um pai que não tem dignidade de assumir o próprio filho e viver como um covarde (...) O desprezo de um pai e o abandono de seu filho / é cruel né tio, cada pecado tem seu preço (...) se eu dependesse de você cidadão / vich, eu já estaria no caixão”. O grupo Facção Central sempre é criticado por suas letras que abordam o crime e narram o cotidiano violento de São Paulo. Em uma delas: Um Gole de Veneno os primeiros versos já chocam as pessoas que não são acostumadas a ouvir suas canções: “Hediondo, premeditado, nem sei o artigo / só sei que eu to feliz vendo meu pai ali caído”. O pai, por causa da bebida, cometia todo o tipo de confusão e atrocidade. Na madrugada os vizinhos acordavam com o barulho dele chutando a porta e depois quebrando tudo em casa. Mexia com a mulher dos outros e apanhava dos maridos. Os amigos lhe arrumavam emprego, mas ele passava a noite bebendo e não conseguia acordar cedo pra trabalhar. Um vez bebeu, mesmo sem ter dinheiro para pagar, levou umas garrafadas e acabou preso. O filho se revoltava com tudo isso: “Quando eu trazia ele do bar vomitando pelo corpo / como eu queria ta morto, ter ido no aborto (...) / Como você não foi homem e trocou sua família pela garrafa / Morreu com o mesmo oitão que me dava coronhada”. O garoto fugiu de casa, para escapar dos espancamentos do pai. “Foi na época da escola que ele mais me batia / puta sol, de manga comprida, escondendo as feridas”. Mas depois se arrependeu de ter deixado a mãe sozinha à mercê de um monstro. “Fugiu um menino inofensivo, voltou um homem agressivo / convicto que era um duelo e só um saía vivo”. A gota d'água foi quando o garoto voltou do trabalho e encontrou a mãe quase morta. O pai bateu na cabeça dela com um tijolo pra tomar o dinheiro que era pra pagar a conta de luz. Após prestar socorro pra mãe o garoto se armou e ficou esperando o pai voltar da rua. “Chegou de madrugada, pediu perdão pra mim / cuspi na cara, atirei e ri quando vi ele cair / mesmo indo pra cadeia sinto um puta alívio / Aí: se teu pai te trocou pelo álcool abre o peito dele com um tiro”. O refrão da música diz que o álcool venceu o duelo entre o copo e a vida.

São poucos os rappers que vêem o pai como um herói. Em uma música do Face da Morte, intitulada Caipira, Aliado G agradece o pai que vê como um exemplo: “Sigo o exemplo do meu pai que vem da roça sem estudo / mas conseguiu criar seus filhos sem cair no submundo / sem vício / pobre de dinheiro, mas rico em espírito”.

Em uma canção do GOG ele mostra os dois lados da moeda. Na primeira parte da música narra a história de um pai que não foi responsa, se entregou à bebida e deixou a família na dificuldade. A música é intitulada Quando O Pai Se Vai, e o refrão traz um clima de tristeza: “Como vou deixar você, se eu te amo”. Já do outro lado da cidade um pai honrou a paternidade e criou sozinho os quatro filhos após a esposa falecer. Homem humilde saia de casa antes do sol raiar para trabalhar de farol em farol vendendo chocolate, água mineral, e lavar carro. No fim de semana ficava em casa e cuidava da educação dos filhos. “Acredita que a educação é necessária / apresentou pra eles a Biblioteca Comunitária (...) / Não deixava ouvir rap, mas observador / passou a prestar atenção nas letras e liberou / dizia sempre que a leitura / faz a pessoa mais inteligente e com cultura”.

Em recente entrevista para o programa Provocações o GOG afirmou que nessa primeira etapa do Movimento Hip-Hop no Brasil nós matamos o pai e colocamos a mãe como uma heroína. Nessa mesma música Quando O Pai Se Vai ele deixa um recado pra todos nós: “Isso me faz crer, que o Hip-Hop precisa dizer / que muito pai faz por merecer / que o filho contrai muita doença / com a sua ausência sem sua presença”.

“É triste ver quando o pai se vai”.

(Lizal é ativista do Movimento Hip-Hop em Foz do Iguaçu e perdeu o pai quando tinha sete anos de idade).

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