sexta-feira, 6 de março de 2009

ABALANDO AS ESTRUTURAS DA ARTE DE RUA








Entrevista com os mentores dos ataques à Bienal e a Invasão da Faculdade de Belas Artes. (Por: Alexandre de Maio).

Eles abalaram as estruturas das artes plásticas e do Street Art, logo eles, que sempre foram considerados vândalos, sem valor artístico, discriminados por muitos críticos. Só que em 2008 as ações dos pixadores se revelaram uma das coisas mais interessantes no universo das artes. Eles atacaram a Faculdade de Belas Artes, a Bienal de São Paulo, a Galeria Choque Cultural e ainda acirraram as disputas com os grafiteiros pelos espaços da cidade. Buscando respeito e atenção eles mantém vivo o protesto dentro da cultura da pixação. Eles têm história, têm propósito, e vão muito além de tinta na parede. Numa troca de idéias no Vale do Anhagabaú, Centro de São Paulo, entrevistamos um dos mentores desse movimento, conhecemos as motivações, a história e a verdade por trás dos ataques.

Tudo começou com o ingresso de um dos pixadores na Faculdade de Belas Artes. “O primeiro ataque foi o TCC do Rafael, que é um cara que é pixador e da periferia. Ele conseguiu uma bolsa de estudos na Belas Artes através de um trabalho que fez lá. Quebrou o braço, ficou desempregado e a faculdade foi obrigada a dar a bolsa integral para ele. Nesses quatro anos de faculdade, ele defendeu como tese artística a Pixação, e tinha, no final do curso, de apresentar um trabalho prático, e o que ele achou de mais verdadeiro foi levar a galera pra pixar a faculdade, dentro do contexto da pixação. Ele não avisou ninguém. Foi o trabalho dele de conclusão dentro do contexto do movimento. Sem perder a essência, ele foi e chamou a maior galera. Chegamos lá, invadimos e pixamos tudo, e o moleque foi reprovado e expulso. Foi aí que começamos a tirar as mascaras, mostramos que uma instituição de arte não agüentou com a tinta”, revela Cripta.

Depois dessa reação da faculdade, a história tomou forma e conteúdo, e os novos ataques foram à Galeria Choque Cultural, famosa por exposições de grafiteiros, e a Bienal Internacional de São Paulo. “O motivo do ataque à Bienal e à Choque Cultural foi defender a pixação como manifestação artística, mas sem perder a essência dela. O que aconteceu na galeria e na Bienal foi um deslocamento de contexto. A gente levou a pixação, que é uma arte da rua, uma arte da ilegalidade, para dentro da galeria e da Bienal, mas sem perder o contexto dela, que é a ilegalidade. Se a gente fosse convidado a pixar lá dentro, perderia todo o contexto”, explica. Travando uma luta de conceito com a arte de galeria, a pixação segue o caminho oposto ao do Graffiti. “A pixação não vai ser domesticada, como o que aconteceu com o Graffiti. O objetivo desses ataques também é mostrar isso, que eles podem até levar a estética da pixação para dentro da galeria, escolher meia dúzia de pixadores que não entendem nada e achar que é legal. Mas é só a estética mesmo, porque a essência do movimento só tem como se manter dentro da ilegalidade”, revela, com ar de desafio.

A Galeria Choque Cultural, que contribui para o sucesso de grafiteiros na cena mundial das Artes Plasticas, também não foi perdoada. “O dono da Choque Cultural, o Baixo Ribeiro, andava declarando que a galeria era underground, que representava a arte das ruas, que não tinha nenhum problema, então, a gente promoveu uma exposição da ilegalidade, e aí caiu a mascara da Choque Cultural, porque eles não entenderam e levaram para o outro lado, prestaram queixa crime. Como é que uma galeria que se diz underground e ganhou de presente uma exposição da ilegalidade, recusa dessa forma? Então, foi mais uma máscara que a gente tirou também”, afirma. Enquanto as galerias eram atacadas, o apoio era total, mas o aumento da cultura e as brigas por espaço na cidade também ficaram mais duras, e uma das ações dos pixadores foi atacar alguns pontos de Graffiti, como o Beco da Vila Madalena e a Avenida Paulista. Será que existe uma guerra entre grafiteiros e pixadores,irmãos na arte de rua? “O graffiti e a pixação sempre tiveram uma relação muito delicada. Alguns grafiteiros não respeitam a pixação, e vários pixadores não respeitam o Graffiti. No caso desses ataques, foi uma coisa pensada, para atingir o movimento de uma forma geral, uma espécie de alerta para os grafiteiros se ligarem que eles se renderam ao sistema. O Graffiti quando nasceu era ilegal, foi como a pixação, cada um buscava seu espaço dentro da ilegalidade. Aí, o Grafitti começou a ser usado como ferramenta para combater a pixação. As autoridades e a sociedade começaram a ver que os grafiteiros tinham o respeito dos pixadores, e começaram a usar isso para combater a pixação. Muitos grafiteiros se omitiram, se deixaram levar pelo dinheiro e acabaram se vendendo. Eles estão perdendo totalmente o respeito da galera, e esse ataque aos graffitis foi uma espécie de alerta, para os caras se ligarem em tudo, não entrar em qualquer fria, não ir para qualquer coisa que forem chamados. E também para buscar o espaço deles na ilegalidade, como o pixador busca. Não existe uma guerra, mas existe uma disputa de espaço. Mas essa disputa está sendo covarde por parte dos grafiteiros, que se aliaram ao sistema, à sociedade, eles se renderam ao sistema. Eu não posso ser específico, pode ser que aconteça uma guerra e a gente não sabe. O que rolou agora foi um alerta, tem muito pixador que não gosta de Graffiti porque os caras apagam os trampos”.

A discussão nas ruas continua, e na internet o seguinte texto foi divulgado pelos grafiteiros: “Ninguém deve atropelar o trabalho do outro, seja Graffiti ou pixação. Também é preciso lembrar que muitos grafiteiros que deveriam respeitar agendas e diversos rolês, não fazem isso, e talvez este momento seja oportuno para reclamar sobre esses atos com quem os pratica”, Diz o texto sem identificação, que acaba dando razão, em parte, aos pixadores. O Graffiti ganhou espaço, deixou um pouco a ilegalidade de lado e ganhou o respeito da sociedade, mas em termos artísticos, a pixação segue outros caminhos. “O caminho da pixação é se manter dentro da ilegalidade, porque vem da época da ditadura militar, e veio tomando outras formas. Essa pixação que a gente faz hoje em dia começou com a galera que ouvia Punk Rock, Hardcore, que tinha muita coisa de protesto nas músicas, e o pessoal saia pra pixar também pra protestar. Só que começou a virar uma parada de gangues, de disputa de espaços. O que aconteceu é que no decorrer desses vinte anos de movimento, a pixação ficou focada mais na vaidade do pixador, no seu ego, e foi perdendo aquele cunho político de protestar. A intenção dos ataques foi resgatar esse lado que estava esquecido, esse lado do protesto”.

Mas os ataques não são unanimidades entre os pixadores. Grandes nomes das antiga se pronunciaram contra, dizendo que tudo isso só serviu para atrair a atenção da polícia. “Tem muito pixador que não enxerga um palmo à frente do nariz, só pensa em si mesmo. Tem cara que acha que essas paradas vão arrastar a pixação, porque, de repente, tem o pensamento de que a pixação vai ser aceita, como o Graffiti foi. Isso tudo acontece para mostrar o que? Pra ficar na rua só quem é, porque o cara que tem medo da repercussão que os ataques estão tendo, vão deixar de pixar, e isso é bom também, porque aí vão ficar só os verdadeiros, só o pessoal para bater de frente mesmo, porque pixação é resistência, não tem hierarquia, não impede nada”, rebate o ativista.

Nos ataques à Bienal estava escrito “Abaixo a Ditadura”. “Ditadura não se enquadra só em ditadura militar, ela se enquadra em tudo que é ditado, porque a burguesia está acostumada a ditar o que é arte. Quem organiza a Bienal? É a burguesia, são os burgueses. Então, eles estão acostumados a ditar o que é arte e a reduzir a pixação ao vandalismo. Abaixo a Ditadura foi contra a ditadura da arte, e existem várias formas de ditadura dentro da arte. Nosso abaixo a ditadura na Bienal foi contra tudo isso aí, ditadura da arte e a ditadura camuflada em que a gente vive”.

(Fonte: Revista Cultura Hip-Hop n° 04. Adquira a revista e leia a matéria completa).



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