sexta-feira, 6 de março de 2009

O PROGRAMA POLICIAL E A HORA DO ALMOÇO (Por: Luiz Henrique Dias da Silva )

Fui muito cruel com meus costumes quando decidi não ter mais televisão em casa. Mas, um ano depois, começo a colher os frutos de minha opção, pois percebo que a falta de um contato diário com a TV torna o ser humano mais sensível as mudanças do mundo. Quando ficamos parados, hipnotizados com a programação, nos tornamos apáticos aos fatos, cada vez mais corriqueiros e comuns em nossas vidas. As mortes não causam mais medo e se tornam normais. E isto me espanta. Lembro-me de ouvir comentários do tipo “o acidente nem foi tão grave. Só morreu uma pessoa” ou “o programa de hoje está fraco, o bom mesmo é o de segunda. Final de semana é cheio de homicídio”.

A vida vai seguindo e as tragédias se tornam notícias que meia hora depois não tem mais relevância em nossas vidas. Certa vez li um livro do jornalista José Arbex Júnior chamado Showrnalismo que mostrava, entre outras artimanhas da mídia televisiva, as táticas na hora de elaborar a seqüência de apresentação dos fatos, a fim de criar determinadas impressões no público, sempre de acordo com a intenção a transmitir ou com a ideologia do dono da emissora e de seus amigos. O fato é que minha experiência sem televisão em casa, me limitando há apenas poucos minutos por semana (ou por mês), me transformaram em um crítico voraz deste costume imposto e num defensor do limite diário de mídia como forma de reconstrução da vida comunitária. Na faculdade de Arquitetura e Urbanismo fui muito criticado ao abolir a sala de TV dos projetos residências ou a abrir mão das horrorosas e desumanas cozinhas com televisão que, em minha opinião, só servem para corromper ainda mais os laços familiares nesta sociedade cada vez mais individualista.

Pois bem, na última quarta-feira estava eu com muita fome e resolvi procurar um local para almoçar. Optei por uma pequena lanchonete que costumo freqüentar em uma galeria comercial no centro da cidade. O local é limpo e tem um prato feito barato e muito gostoso. Pedi minha refeição, uma água mineral com gás e me sentei numa mesa de frente para uma televisão desligada. Fiquei reparando, como de costume, as pessoas ao meu redor até que um senhor se levantou e disse para a moça que servia os pratos “coloca no canal 'tal', vai começar o programa”. E ela seguiu a exigência do freguês. Confesso que me interessei, pois há muito tempo não via televisão e achei que não seria de mal assistir um pouco enquanto esperava meu prato. Foi então que pude relembrar como é triste ver a banalização da vida na tela da grande mídia (seja ela local ou nacional).

O programa que mostra transforma a criminalidade como moeda de mídia, se diz defensor do povo e contra a violência urbana quando, claramente, depende desta para viver. Os quadros são dispostos intercalando mortes, pequenos furtos e comerciais. Os crimes mais bárbaros ficam para o final e, acredito eu, os comerciais mais caros também. Naquele dia pude acompanhar o caso de um homem que supostamente (pois não confessou) havia furtado uma máquina de cortar grama. O repórter, que também apresenta, tirou sarro do acusado. Ria e o chamava de “sortudo”, pois este alegava ter “encontrado” a máquina. Ao que sei, somos inocentes até a prova do contrário. Mas o direito do cidadão não foi respeitado. Algemado, sua imagem foi mostrada. Virou motivo de risadas na lanchonete (e em toda cidade) e depois, para piorar o desrespeito com o “acusado”, no comentário após o final da reportagem,o apresentador/repórter
apresentou a tese que o rapaz havia roubado para comprar crack, intitulado de “pedra da morte”, mesmo sem o preso se quer assumir o furto. Por fim, a matéria acabou com um alegre informe publicitário feito pelo próprio apresentador/repórter/garoto-propaganda.

Acredito que a sociedade tem o direito de julgar quem vai contra a lei, da mesma forma que o acusado tem o direito a defesa. Se nós não respeitamos o direito dele, como queremos que ele respeite o nosso?

(Luiz Henrique Dias da Silva é escritor, estudante de Arquitetura e Urbanismo e comunista (convicto). Ele afirma que em sua casa não há televisão. A explicação para isso, segundo o Luiz, é o combate ao poder alienante da mídia sobre a vida das pessoas e noção de que, na maioria das vezes, a televisão transforma os seres humanos em papagaios. “É o chamado 'senso-comum'” – diz o Luiz. Nós acreditamos que o Luiz está de frescura).

Fonte: www.acasadohomem.blogspot.com

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