sexta-feira, 6 de março de 2009

A MULHER NAS LETRAS DE RAP (Por: Lizal).

Quando lemos críticas ao Rap norte-americano é de praxe frases como essa: “É um estilo de música que trata as mulheres como prostitutas”. Na verdade, na maioria dos casos, o rapper norte-americano vê a mulher como um objeto, um produto de consumo. Nos vídeos clipes você pode notar isso: o carrão, as jóias, as mulheres, as bebidas. Aqui no Brasil a grande maioria dos rappers trata as mulheres com muito respeito. O Rap gospel – em especial – tem um cuidado muito grande com essa questão. O Mc Lito Atalaia em sua música intitulada Vocês são Damas, com parceria de Pregador Luo manda a idéia: “A gente sente quando as irmãs não tem valor / Pede ao Senhor lembrar os irmãos que as irmãs precisam de amor (...) / Não vou fazer rima pra insultar minhas irmãzinhas / fazer elas ouvirem tudo o que eu não gostaria (...) / Tem sujeito que é loco, xinga e bate em mulher / faz direitinho o jogo que o inimigo quer (...) / Na verdade a burrice e a fraqueza te consome / pra respeitar mulher tem que ser muito homem (...)”. O refrão da música coloca o dedo na ferida dos manos do Funk que chamam as mulheres de cachorras: “Uh, vocês são damas, Uh, não são cachorras / Uh, dê seu respeito, a quem te ama”.

A música Algo Especial do grupo Quinto Naipe – assim como o título sugere – trata a mulher como um presente divino: “Vou dizer que eu te amo / vou dizer que eu te quero / vou dizer, preciso de você (...) / Nega, não se entrega pra mulher dos pensamentos / por mais que a ame não demonstra sentimento / casamento é mó tormento, loucura, é várias perda / quem dizia 'nunca' a aliança ta na esquerda / sossegado, apaixonado, fornecido o sobrenome / os manos fazem engano do amor que o consome (...) / A se eu pudesse voltar no tempo Senhor / teria tantas coisas pra mudar (...) / Quantas vezes amei, sem se quer ser amado, mas não reclamo / quantas vezes me amaram, se decepcionaram, sonhos destruídos pelo engano (...) / Minha cara metade, minha alma gêmea, se o Senhor unir / ninguém tira ela do meu lado”.

Um dos sons mais ouvidos pela galera do Rap é a música Vida Loka também Ama do grupo Trilha Sonora do Gueto. A música narra as relações 'mano e mina' e as armadilhas da vida: “Não vai ficar aí se lamentando / se a mina não te quer doidão, cê sai andando / deixa ela pensar que é pá, que é modelo / que a fantasia de princesa dura o tempo inteiro (...)”. Em uma parte da música mostra uma mina que ta com o cara só por causa do dinheiro. E mesmo assim – por causa da mina ser bonita – o mano, que ganha seu dinheiro no crime, estufa o peito e fica cheio de querer. “Acho que você só ta com ela mesmo / porque você não trampa e não paga um veneno / queria ver se você fosse um operário / dasse aquele trampo pra ganhar um só salário (...) Mais vale um operário sem ela, vai por mim / do que um criminoso estando em cana ai sozinho / não sou mais que ninguém, só quero alertar / um dia eu também nego passei por lá / foi lá que eu notei que o homem também chora / quando a modelo de favela vai embora / aí só fica ele e a decepção / pagando de mau-mau abandonado na prisão”. O refrão é cantado suavemente: “Cara é complicado essa vida / mas aprendendo é que se ensina / ainda existe boa gente, que segue a luta e segue sempre em frente”.

A Mc Dina Dee, do grupo feminino Visão de Rua cobra a atitude das minas. O nome da música é Corpo em Evidência e vai contra a idéia das minas que mostram o corpo pra ganhar a vida. Já começa com o refrão: “Muita mulher / na Tv você vê, você quer / mas na hora de ver qual que é...”. “A capa da playboy / quem será a próxima tentação / vou te falar de um corpo perfeito e uma mente vazia / uma atriz pornô que interpretou uma vadia (...) / Ai da Kelly Key se fosse feia / eu vi seu pôster nu, até seu -ú- no boi de uma cadeia / a mesma chance não teria / cá entre nós, com aquela voz e um corpo cheio de estria / o adultério é um monstro que destrói o casamento / se não acaba fica a mágoa, a ferida por dentro / eu só lamento, o amor não é pra covarde, quem sente / enquanto ele existir é fiel até na mente / não deixe a confiança acabar (...) / Purifique seu pensamento dessa fome / pornografia é anti-amor, uma carne podre que tantos consomem (...) / Não tem comparação, sangue bom, as dançarinas do Gugu / é como essas que mal tem dinheiro pro xampu / até na cor, toda modelo na prática faz / bronzeamento, tratamentos corporais / objetos de sedução da televisão / com o tempo cai no esquecimento, se vão”.

O Ndee Naldinho sempre fez músicas românticas que falam de minas. A mais conhecida – com toda a certeza – é a canção Aquela Mina é Firmeza. A música é um desabafo, o narrador está conversando com o amigo: “Já faz um tempo que a gente não se tromba / amigo eu vou falar como a minha vida anda / esse tempo que a gente ficou desligado / muita coisa ficou embaçado / lembra aquela mina que era firmeza? / foi embora, me deixou na tristeza / irmão minha vida mudou / aquela mina firmeza me deixou”. A música segue com milhares de elogios para a mina, que o mano sente muita falta. Só fala dela, ta triste, pra baixo e diz pro seu truta que tava precisando desabafar. Quem faz o refrão é o amigo: “Amigo eu to aqui de braços abertos / me conta o seu problema eu quero estar por perto (...)”. Ele diz que não quer outra mina, precisa encontrar aquela, ela era especial, ajudou-o a superar situações difíceis. “Mulher de responsa, um dom da natureza / aquela mina é firmeza”.

MULHER ELÉTRICA!!! Um pedido de desculpa?

O grupo Racionais Mc's nós temos que analisar separado quando o assunto é mulher. Desde as primeiras gravações do grupo em cada álbum vem uma música que aborda esse tema. Começamos pela música Mulheres Vulgares do álbum Holocausto Urbano. Na canção o Mano Brown liga pro Edy Rock e ele canta um pedaço da música que ele fez: “Derivada de uma sociedade feminista / Que consideram e dizem que somos todos machistas / Não quer ser considerada símbolo sexual / Luta pra chegar ao poder, provar a sua moral / Numa relação a qual não admite ser subjugada, passam a dar pra trás / Exige direitos iguais (...) / É uma cretina que se mostra nua como objeto / É uma inútil que ganha dinheiro fazendo sexo / No quarto, motel, ou telas de cinema / Ela é mais uma figura viva, obscena (...). O refrão diz: “Mulheres vulgares, uma noite e nada mais”.

No próximo álbum saiu uma canção intitulada Parte II, como se fosse a continuação das Mulheres Vulgares. No início tem uma vinheta com uma encenação na qual a namorada do amigo do Edy Rock ta tentando ficar com ele. Ele fala que não é certo, que conhece o cara a muito tempo, mas a mulher insiste: “Deixa ele fora disso, é entre eu e você”. Edy Rock então solta o verbo: “Mulher de aliado meu eu considero homem / não admito dando em cima de mim ou de outros camaradas / são sem-vergonha, não prestam mesmo sendo compromissadas / não criam vergonha na cara, então, escória de safada (...) / No rebanho de fêmea, ela é a fêmea pior / Também a pedra branca no jogo de dominó / Ás do baralho, papagaio sem língua / árvore sem galho, repentista sem rima”. Aproveita a música ainda pra cobrar o vacilo do mano que confiou na mina e o refrão com scratches diz: “Ela te troca, troca, troca por outro”.

No álbum Sobrevivendo no Inferno de 1997 não tem nenhuma música que é direcionada pra mulher, mas tem duas músicas que deixa um salve. Numa delas é a música Fórmula Mágica da Paz: “(...) Sem dinheiro / sendo assim sem chances, sem mulher / você sabe muito bem o que ela quer / encontre uma de caráter se você puder, é embaçado ou não é?”. A outra música é intitulada Qual Mentira vou Acreditar? Em uma parte o Ice Blue conta que ta no role e encontra uma mina. Aí consegue sair com ela: “Tudo muito bom, tudo muito bem / sei lá o que tem, idéia vai, idéia vem / ela era princesa, eu era o plebeu / quem é mais foda que eu? Espelho, espelho meu (...) / Será que ela aceita ir comigo pro baile / ou ir pra Zona Sul ter o grand finale / amor com gosto, de jeito, até as seis da manhã / me chamar de meu preto e me cantar Djavan / ninguém ouviu mas, puta que o pariu / em fração de segundos meu castelo caiu / a mais bonita da escola rainha passista / se transformou numa vaca nazista / eu ouvindo James Brown, pá, cheio de pose / ela pergunta se eu tenho o quê? Guns and Roses / lógico que não / a mina quase histérica meteu a mão no rádio e pôs na transamérica (...) Só se liga nessa / que mina cabulosa olha só que conversa / que tinha bronca de neguinho de salão / que a maioria é maloqueiro e ladrão (...) / Disse pra mim não falar gíria com ela / pra me lembrar que eu não to na favela”.

No último álbum do Racionais Nada como um Dia após o outro Dia, a música que fala de mulher é intitulada: Estilo Cachorro. Quase toda a música narra a história de um cara que cata um monte de mulher. Ele é poderoso cheio da grana, moto, jóias e gosta de ostentação. O refrão diz: “Mulher e dinheiro, dinheiro e mulher / quanto mais você tem, muito mais você quer”. A primeira provocação vem antes do refrão: “Pra conseguir aquilo o que sempre quer / utiliza a mesma arma que você mulher”. E a música segue no ritmo de ostentação até que nos últimos dois minutos muda o instrumental e o Mano Brown chega cantando: “Não é machismo, fale o que quiser, o que é, é / verme ou sangue-bom tanto faz pra mulher / não importa de onde vem nem pra quê / se o que ela quer mesmo é sensação de poder / com um ladrão fez rolê se envolveu sei lá, saiu / mas ou menos abril, curtiu, quem viu, viu / em Maio foi vista de RR a mil, na BR no frio, com um boyzão da Civil / viu, uns e outros aí, bom rapaz / abre o coração e sofre demais / conversa com os pais ali no sofá da sala / ouve e dá razão enquanto ela fala (...) / E ele tava em punga / pra levá-la no trampo lá na Barra Funda / 10 graus, cinco da manhã, sem problema / se ela não morasse em Diadema / pontual como o big-bang, 4 anos assim / nem Sheakspeare, imaginaria o fim / te trocou por um vadio, sem vergonha / que guenta até a mãe quando acaba a maconha / E ela diz que é feliz, que ele é cabuloso / cê pisa pra caralho moscão pegajoso / mulher finge bem, casar é negócio / você vê quem é quem, só depois do divórcio / ei, ei neném, de amor eu não morro / vocês consagraram o estilo cachorro”.

Com a repercussão dessa música algumas minas do Movimento Hip-Hop tomaram uma atitude. Durante um debate do Dia Internacional da Mulher, organizado por Minas da Rima, convidaram Mano Brown. Uma das questões foi sobre como o Racionais trata as mulheres em suas músicas. Ele disse que era o Edy Rock que tem as idéias de fazer essas músicas provocativas e pediu para que elas conversassem com ele. Recentemente no show de gravação do DVD Mil Trutas, Mil Tretas o Mano Brown deixou uma idéia na música Fórmula Mágica da Paz. Na parte em que ele canta sobre mulher e diz “Encontre uma de caráter se você puder” ele acrescenta à letra: “Mas tem”.

Há alguns meses vazou na Internet uma música nova do Racionais intitulada Mulher Elétrica. A novidade é que quem canta a música é o Brown e não o Edy Rock. E pela letra da música dá pra ver que não foi o Edy Rock que escreveu. A música é uma ode as minas: “Ela chega, Ela olha, Ela bate um flash / Ela invade a pista e ninguém se mexe / Ela dança, Ela ri, Ela quer curtir / quer amar, quer beijar quer se divertir / Ela manda, Ela pode, Ela é quem faz / Ela é funk, Ela é samba, Ela é mais mais mais (...) / Ela é preta na cor loira no cabelo / Ela é 1 hora e meia em frente ao espelho / Ela é.../ Ela é Naomi, Ela é Clara, é Nunes, é Dona Summer / Rosa, é Sônia, Ela é Tereza / Ela é Ana, Ela é Glória, Ela é bem Brasil / me engana que eu gosto ela tem tristeza / balança o swing rara beleza, Ela é...”. Na verdade a música também é bem provocativa se analisarmos bem e mostra a malandragem da mina. “Ela bebe e malandro paga (...) / Uns 10 na fita e eu também... (...) / Ela é quem comanda e a minha comanda quase preencheu / mais se Ela vier valeu (...) / Contos de uma festa Black / é a cinderela High Tech / vai vendo moleque, Ela foi capaz / de entrar no banheiro e não voltar mais”. Então nós vemos que na festa a mina ficou na veia de um monte de loco, bebendo de graça e depois deu perdido. No fim da música tem uma colagem da operadora de celular que diz: “Infelizmente a sua chamada não pode ser completada, por favor verifique o número digitado e tente novamente”.

Aí podemos ver que a mina deu o número errado pro cara ou desligou o celular. Mas é lógico que as mulheres, acostumadas com as letras do Racionais tratando-as da forma que tratou, ouvirão com outros ouvidos ainda mais na parte que o Brown canta: “ Ela é as 10 mais da Billboard”.

Vamos esperar o novo álbum do Racionais para ver se o Edy Rock atacará novamente.

(Lizal, é ativista do Movimento Hip-Hop em Foz do Iguaçu e gosta de ouvir músicas que tratam as mulheres com respeito).

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