sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

ENTREVISTA COM RENATO CINCO SOBRE A LEGALIZAÇÃO DAS DROGAS

Realizada por Eliseu Pirocelli e Danilo Georges em dezembro de 2009, na Tijuca, RJ.



Renato Ataíde Cinco, mais conhecido como Renato Cinco tem 35 anos, carioca, nasceu e cresceu no bairro da Tijuca. Cinco foi militante por onze anos do Movimento Estudantil desde a 8º série do colégio, de 1988 a 1999. Se formou na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em Ciências Sociais. Na universidade começou a fazer militância partidária, com o grupo REFAZENDO, uma corrente do PT. A partir de 2004, a sua militância passou a ser prioritariamente sobre as denúncias de guerra às drogas, como um instrumento da criminalização da pobreza.

Em 2004 já fora do PT, com um grupo de 12 companheiros militantes, fundou o Movimento Nacional pela Legalização das Drogas. A primeira ação pública foi uma oficina no Fórum Social Mundial em 2005, a oficina teve como tema 'baixa de guerra as drogas', e foi distribuído no Fórum um material que historicizava a criminalização das drogas. O ato contou com a participação de professor universitário da Bahia e líder comunitário do Rio de Janeiro aonde começou o debate da ilegalidade das drogas como estratégica da criminalização da pobreza.

“Nós fomos procurar movimentos e possíveis parceiros, aí descobrimos uma ONG importante que é a Psicotrópicos. Essa ONG já trabalhava com o slogan de 'baixa a guerra as drogas' esse é um slogan internacional que surgiu como “Stop in the drug war” War and drugs é um conceito do Richard Nixon, no EUA o debate em torno desse conceito é mais avançado. Aí, posteriormente resolvemos participar da Marcha da Maconha, ajudamos a organizar a Marcha em 2005. Em 2006, nós decidimos não fazer mais a marcha pela legalização da maconha, nós fizemos a Marcha Rio Pela legalização das Drogas, Baixa de violência. Fizemos no centro da cidade, mas tivemos primeiro um revés por que a marcha de 2005 teve mais de 400 pessoas, e a de 2006 de legalização das drogas teve 150 pessoas. Em 2007, sem a gente saber enquanto organizávamos a marcha, nossa idéia era seguir o calendário mundial que acontece desde 1999 em outros países, que se inicia sempre no começo do mês de maio. Então nossa idéia é que aqui no RJ não seria só pela maconha, mas pelas drogas. Nossa intenção era essa, mas em 2007 sem agente saber teve uma organização pela legalização da maconha, então teve dois movimentos: o nosso “MLD” Movimento de Legalização das Drogas que teve 30 pessoas no nosso ato, na legalização pela maconha dois dias depois, teve mais de 700 pessoas. Então com isso o MLD se esvaziou, eu e algumas pessoas queríamos aderir a Marcha da Maconha, mas não parar de lutar pela legalização das drogas, por que entendemos que a Marcha da Maconha é um movimento de massa, em que ela afirma uma identidade, são dezenas de milhões em todo mundo que fumam maconha, muito mais do que usuários de todas as outras drogas, aonde essas pessoas já não aceitam mais a discriminação, a ilegalidade da sua conduta. O movimento pela legalização da maconha tem um potencial muito parecido com outros movimentos de identidade cultural, como movimento das mulheres, homossexuais, negros, essa galera foi à luta por que quer que a maconha não seja mais criminalizada.
Em 2007 participei da Marcha da Maconha, e desde então ajudo a organizar o movimento aqui no RJ, mas tento ajudar a organizar em outras cidades dando apoio.
Hoje nós estamos com 12 ou 14 cidades com esse movimento, em maioria capitais e na grande maioria delas o movimento ainda está proibido pela justiça. Em 2009 a marcha foi liberada em 8 capitais, e proibida em 4, hoje Salvador conseguiu derrubar na justiça e liberar a marcha, pegaram um habeas corpus e aconteceu no dia 5 de dezembro. E estamos discutindo a construção das marchas do ano de 2010”.

Z – Você pode explicar qual a diferença entre a legalização, a liberação e a descriminalização das drogas.

Cinco – Normalmente quando se fala em descriminalização está se falando em descriminalização do uso. Mas a descriminalização ela pode ser do uso ou do comércio também, você tirar da lei a definição de que é crime. Agora, a legalização significa a descriminalização e a regulamentação. Então legalização pode significar descriminalizar e regulamentar o uso ou descriminalizar e regulamentar o comércio e a produção. Mas normalmente quando se fala em legalização está se falando em legalização de tudo, né, tanto da produção quanto do consumo. Agora a liberação, eu não conheço ninguém que defenda a liberação das drogas. Porque liberar significa descriminalizar e não regulamentar. Isso significaria o cara, sei lá, poder fumar maconha e pilotar um avião, por exemplo, isso é totalmente irrealizável. O que os movimentos defendem em geral é a legalização porque entendem que as drogas tem que ter normas e regulamentos tanto pra produção, como pra distribuição, quanto pro uso.

Z - A legalização das drogas, são de todas as drogas, a cocaína, o crack, tudo?

Cinco: Eu entendo a coisa da seguinte maneira, se eu for pensar no ideal, na utopia anti-proibicionista, no meu socialismo, no meu comunismo seria nós termos uma legislação que trate das drogas, e não uma legislação que temos hoje que é esquizofrênica aonde algumas drogas são proibidas e outras permitidas, algumas controladas outras não controladas. Algumas tem publicidade outras não. Então a sociedade têm uma relação hoje com as drogas que ela não entende o que é droga. Muitos acham que droga têm esse nome por que é uma “droga” é ruim é uma droga, mas as pessoas não lembram que vão comprar remédios em uma drogaria, comprar medicamento. Se eu entendo que drogas são todas as substâncias que interferem no funcionamento de nosso organismo, então isso faz que as drogas sejam confundidas às vezes com os próprios alimentos. Existe uma discussão de que o açúcar é a droga que mais prejudica a saúde em todo o mundo e mais causa dependência. A publicidade da cafeína, por exemplo, está liberada e uma das maiores empresas publicitárias do mundo é a que vende o vício da cafeína, que é a coca-cola, cafeína ta no mate, guaraná, coca-cola, no café. Essa substância é viciante, causa dependência, a cafeína interfere no humor inclusive e as famílias dão isso para as crianças de 2,3 anos de idade achando que é só um refresco.

Então é importante entender o que é droga, perceber que a legislação precisa tratar a respeito do que é droga e não punir apenas algumas. A legislação tem que ter mais informação, a sociedade precisa saber dos efeitos de todas as drogas, seja da natureza ou da produzida pelo homem, sabendo das conseqüências do uso da droga. Então eu não acho legal que tenha publicidade de drogas, que sejam estimuladas a tomar coca-cola, melhoral, doril, qualquer medicamento ou substância que possa causar vicio. Acho que nesses produtos deviam conter informações dos efeitos e conseqüências dos seus usos, acho que o uso recreativo das drogas deve ser permitido e regulamentado em função das características de cada substância. Eu não sei te responder agora o que eu acho que deve acontecer com cada uma das drogas, mas acho que possamos considerar que a maconha, ecstasy, segundo estudiosos apontam, que essas duas são menos prejudiciais que o tabaco e o álcool. Então acho que essas deveriam ter uma regulamentação menos dura do que o tabaco e o álcool. Cocaína, heroína, crack, são drogas mais pesadas neh. É um debate muito novo, por que ta saindo da marginalidade do campo das idéias, e está ganhando força na sociedade, mas ele ainda carece de muito debate e tem uma estrada ai na construção dessas propostas.

Existe ainda uma série de propostas reformistas, muitas pessoas da esquerda que criticam a marcha da maconha, falam que a marcha interessa só a playboizada, essa critica tem dois graves problemas. Primeiro é que a economia das drogas mudou nas últimas décadas, então aquela situação de que maconha é barato e cocaína é caro, então dizem que vender cocaína dá mais dinheiro, não sei até que ponto isso é real. Hoje no Rio de Janeiro é possível um usuário desembolsar até 150 reais pra comprar 20g de maconha, é evidente que a coca é mais cara, mas tem coca encontrada barata, têm essa questão. A segunda questão é a seguinte, as drogas não é só a forma do tráfico ganhar dinheiro, mas é de desmontar a máquina da criminalização da pobreza e para isso a proibição da maconha é mais importante do que a da cocaína. Porque a maioria dos jovens presos por tráfico de drogas no Brasil são presos vendendo maconha, essa pesquisa foi feita pelo Ministério da Justiça e indicou no RJ e SP que mais de 60% estavam vendendo maconha. Os playboys não sofrem com a ilegalidade da maconha, sofrem no máximo com o achaque, você não vai ver um usuário rico sendo preso.

Z – Quando a maconha foi proibida no Brasil, ela foi proibida por lei, quem criou essa lei, você sabe explicar?

Cinco – Olha, a maconha foi proibida a primeira vez, até onde eu sei, em 1830, em uma postura da Câmara Municipal do Rio de Janeiro que proibiu a venda do 'Pito do Pango', como era conhecida. Mas essa lei, até onde eu sei, ela nunca foi efetivamente aplicada. Depois a proibição da maconha ela surge, se eu não me engano, em 1932 quando se estabelece uma série de elementos de perseguição da cultura negra, não só da maconha, como da capoeira, do candomblé, isso tudo ainda persistia naquele período. Você tem que lembrar que os anos 30 do século XX foi o ano da ascensão do nazismo, o fascismo estava no poder na Itália em 1922, o nazismo chegou ao poder na Alemanha em 1933. Então era um ambiente político e social muito diferente do de hoje, e as teses racistas, as teses eugenistas de purificação das raças, dos povos, etc. norteavam políticas públicas, definiam leis. E no Brasil a repressão a maconha ela aparece como uma das práticas eugenistas, né, onde inclusive os relatórios que fizeram a justificação científica, com muitas aspas, da proibição maconha acusavam que a introdução da maconha na cultura brasileira era a vingança dos escravos, né, pela escravidão. “Em troca de terem submetidos a escravidão, os negros introduziram a maconha na nossa sociedade”. Agora essa legislação vem de fora a partir dos Estados Unidos, da Europa, principalmente a partir dos Estados Unidos que se impõe ao mundo a política proibicionista.

Z – Num país como o Brasil, de desigualdade social gritante, os movimentos sociais deixam a questão da legalização das drogas como uma bandeira secundária. Como você avalia isso?

Cinco – Eu acho que esse é um dos grandes equívocos que a esquerda brasileira precisa corrigir. Porque a gente precisa entender que essa estratégia de criminalização da pobreza ela é fundamental pra manutenção da desigualdade social no país. O que garante que os movimentos sociais não explodam nesse país? Que não exista uma nova onda de greves e de mobilizações como aconteceu nos anos 70 e 80. Tudo bem, existem outros instrumentos de legitimação, os próprios meios de comunicação estão aí, a própria virada política do PT e da CUT ajudam a acalmar os movimentos etc. Agora a permanência da violência no coração das comunidades pobres do nosso país tem sido um elemento dificultador muito grande da possibilidade de organização e luta das classes populares (...).


Continua na Próxima edição do Fanzine.

Um comentário:

Marco Magri disse...

Otima entrevista!
Valeu!