terça-feira, 11 de novembro de 2008

NOVELA DA VIDA REAL

Mais um Cidadão José Cap. 32

José subiu até a esquina. No caminho olhou pra trás umas duas vezes. Queria acreditar que a Preta estava em casa. Imaginava ela correndo em sua direção gritando: “José, José!!!”. O neguinho vinha logo atrás correndo e sorrindo olhando para ele. Queria ter quatro braços para abraçar os dois e ficar assim por horas para matar um pouco da saudade. Mas, seus pensamentos fugiram quando, ali da esquina, viu uma viatura vindo a milhão em sua direção. Distraído, José não dispensou o canhão, continuou andando de encontro com a viatura. Ela vinha de farol alto que dificultava a visão das pessoas que andavam na rua. Virou a esquina e seguiu em alta velocidade. Desta vez deu uma olhadinha para José e as demais pessoas que caminhavam pela rua. Algumas quadras pra cima outra viatura enquadrava alguns malucos que estavam de moto. José estranhou a movimentação da polícia naquela noite, tudo indicava que aconteceu algo, um grande assalto ou o assassinato de alguma pessoa “importante”. Quando é um favelado que é morto, a polícia só aparece na hora e depois já arquiva o caso e deixa quéto. Os bares já estavam vazios, o que é raridade na periferia. Caminhou tranqüilo até perto da sua goma. Antes de chegar em casa passou num barzinho pra comprar um litro de vinho.

- Us bar ta tudo vazio hoje Seu Pedro, que que aconteceu?

- Mataram dois polícia e cortaram a orelha de um. Todo mundo que eles tão achando na rua tão enquadrando e levando preso como suspeito.

- Vich, que fita!!! Vou vazar pro meu barraco.

- Daqui a pouco já vou fechar, hoje ta cabuloso.

José triou pro seu barraco. Decidiu que só ia viajar no dia seguinte. A rodoviária devia ta um formigueiro de tanta polícia. Abriu a garrafa de vinho e pegou seu Mp4, que ele comprou de um maluquinho. Pagou 10 reais e o aparelho já veio carregadinho de música. No começo apanhou para aprender a mexer nas funções do menu, mas depois pegou o jeito. Tomou um gole de vinho e foi pra pasta de Rap Nacional. Apertou o play na música A Bússola, do grupo União Racial. O som é bem pra cima e José escuta direto: “O Rap nasceu pelo motivo / pra ser contra o preconceito e também contra o racismo (...) ô maloquêro, o maloquêro, maloquêro sô / quem te ensinou a rimar? / ô maloquêro sô / ou o sistema que te pariu / ô maloquêro sô / ou a vontade de mudar / ô maloquêro sô (...) Hip-Hop direciona a luta / pra quem ta perdido rap é a bússola / indica o sentido no caminho que eu sigo / sempre atrás do que me faz ter paz e equilíbrio”. José adormeceu com o fone no ouvido, nem escutava o barulho da sirene da polícia que insistia em entrar e sair da favela madrugada à fora.

Em uma quebrada perto dali, o Mano Pio estava em frente ao seu barraco num pequeno bequinho, fumando um baseado. Estava ali sozinho, olhando pro céu carregado de estrelas e a lua que insistia em brilhar, contrastando com a escuridão da favela. Estava ali solitário, pensativo, imaginando mil fita. O Pio já tem 30 anos de idade e 15 anos que mora sozinho e faz seus próprios corre pra sobreviver. Se emancipou porque não agüentava mais as brigas em casa. Sempre foi correria nos trampos. Trabalhava o dia inteiro de servente de pedreiro e chegava à noite em casa cansado, queria descansar, mas as brigas e discussões eram constantes. Seu pai bebia todas no bar e brigava diariamente com sua mãe. Quando começava os xingamentos, palavrões, coisas voando pela casa, quebrando, choro, gritos, ele saia de rolê e ia pro bar. Uma mão num barzinho ficou sabendo de uma quitinetizinha que tinha pra alugar ali perto da quebrada. Nunca mais voltou pra casa. Dali foi morar em outras casas alugadas até conseguir comprar seu próprio barraco em uma favela do outro lado da cidade. Foi ali que conheceu uns malucos e se envolveu com o crime.

Um maluco desceu correndo o beco e foi até onde estava o Mano Pio.

- Salve irmão. Se moca aí no barraco que ta chovendo viatura na favela.

- O que que aconteceu?

- Zeraram dois polícia.

- Vich!!! Chega aí tio.

Os dois entraram no barraco e o maluco disse que mataram o gambé Farias e cortaram a orelha dele.

- Deixaram os corpos no porta-malas da viatura, na entrada da quebrada, e um bilhete provocando os gambé.

- Você lembra quem tinha pego o envelope com os dados do Farias?

- Acho que foi o Zé.

- O José? É verdade.

Mano Pio pegou o celular e fez uma ligação.

- Salve Mano Gê.

- Fala Mano Pio.

- Cê não sabe o que aconteceu.

José acordou 8:00hs da manhã, escovou os dentes, lavou o rosto, colocou uma bombeta e saiu com sua mala de muambeiro. Pensou em chamar um tx, mas achou muito flagrante. Caminhou até o ponto de ônibus e ficou esperando. Começou a olhar sua quebrada e ficou triste. Estava saindo sem se despedir de ninguém e não sabia quando poderia retornar. O ônibus estava demorando e José começava a ficar nervoso, impaciente. Todo o carro que passava parecia que era de policiais disfarçados. Um carro estava virando a rua, voltou e foi até o ponto onde José estava. O rapaz da boléia estava de boné e óculos escuro, o carona também. Fez um sinal pra José entrar no carro. “ O Mano Gê quer falar com você”.

Pela voz, José percebeu que era o Mano Pio, o carona ele não conheceu. Entrou no carro e ficou ali no banco de trás com a sacola cheia de roupas do seu lado. O carro seguiu lentamente em direção a Ciudad Leste, Paraguai. Atravessaram a ponte tranquilamente e deixaram o carro no estacionamento de um shopping. O dia estava movimentado, milhares de compristas andavam pra lá e pra cá entrando e saindo dos shoppings. Funcionários abordavam as pessoas na rua entregando panfletos e tentando convencer os clientes de que sua loja tem os melhores preços. O capitalismo se mostra forte naquele lugar. Milhares de lojas com tudo o que você pode Imaginar. “Chegou Mp7”, gritava um vendedor. Numa pequena loja de DVD pirata um senhor comprava 10 DVDs por 10 reais. Os vendedores da rua disputavam os fregueses.
Ofereciam barbeadores, perfumes, meias, bonés, roupas. Um rapaz que vendia massageadores a pilha, ligou um e esfregou nas costas de uma mulher que tomou um tremendo susto. Quase que o vendedor apanha. Na frente de uma pequena lojinha tinha um rapaz fazendo propaganda com um microfone ligado em uma caixa amplificada. “Vamos chegar freguesia. Aqui é o Mercadão da Economia!!!”. Uma mulher viu o tamanho da lojinha e brincou com ele: “Mercadão? Uma lojinha dessa?”. O rapaz devolveu: “a loja é pequena porque o depósito é grande. E você já ouviu falar que os melhores presentes estão nas menores caixas?”. Ele se aproximou da mulher e falou algo em seu ouvido. A mulher sorriu e entrou com ele na loja. Os três malucos caminhavam entrando em bequinhos e pegando atalhos que o Mano Pio parecia conhecer muito bem. Vez ou outra os vendedores os abordavam: “Camisinha musical. Compra aí...”; “Batata frita. Barato, barato”. Um vendedor de perfumes ficou seguindo eles. “Perfume? Tenho o melhor preço”; “Lança-perfume?”; “e maconha vocês querem?”; “farinha? A mais pura do Paraguai”. O vendedor continuou seguindo os malucos e entraram em um bequinho. “Quer comprar um 38?”. O maluco que estava com o José e o Mano Pio ergueu a camisa e mostrou pro paraguaio o cano do revólver. “Eu já tenho um”. O maluco voltou de ré e sumiu no meio da multidão.

O Mano Pio pegou o 21 e ligou pro Mano Gê perguntando onde ele estava. Ele deu as coordenadas, uma lanchonete em um shopping próximo dali. Os três adentraram o shopping que estava bem movimentado; lá no fundo estava a lanchonete e podiam ver o Mano Gê comendo um lanche junto com um paraguaio. Os três sentaram. O Mano Gê pegou um jornal e colocou sobre a mesa. A matéria de capa trazia os dois policiais mortos, um deles sem orelha.

- Já viu o jornal, Zé?

José pegou o jornal pra ver mais de perto e reconheceu o soldado Farias.

(Lizal, na próxima edição mais um capítulo)

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