terça-feira, 9 de dezembro de 2008

NOVELA DA VIDA REAL

Mais um Cidadão José Cap. 33

Os cinco malucos estavam sentados e olhando para o jornal sobre a mesa. José reconheceu o soldado Farias na capa do jornal. O crime teve repercussão internacional e a gazeta paraguaia exibiu sem pudor na capa o policial morto, todo sujo de sangue e com a orelha cortada. José esfregou os olhos, queria estar sonhando, acordar na sua goma e ver que tudo não passou de um pesadelo. Mas o jornal estava ali na sua frente e José pensou em falar que não foi ele que fez aquilo. Contar toda a verdade, que nunca pensou em se envolver com o crime e só aceitou o trampo de passar cigarro porque estava muito necessitado. Só pensava em trampar uns dois meses para saldar suas dívidas, não sabia o mundo que estava adentrando. Queria falar que está indo embora de Foz e vai levar seu filho e sua ex-esposa. Dizer que quer procurar um trampo digno e se jogar dessa babilônia, que isso ali não é a sua pira, que não se sente a vontade, que sente medo, que tem medo de morrer e de matar. Mas, certamente o mano Gê, o Mano Pio e os outros malucos rirão dele. “E nóis também acreditamos em Papai Noel”, imaginou o Mano Gê falando e dando risada. José estava com o jornal nas mãos tentando traduzir o que estava escrito em espanhol. De canto de olho viu que o Mano Gê estava sorrindo. Não um sorriso de alegria, mas de malícia; um sorriso de malandragem.

- Zé, eu tenho uma parada aqui pra você.

Ele abriu o zíper da pochete lentamente e José se arrepiou todo. “Carái, dentro de uma pochete dessa cabe um oitão batatinha, será que o doido vai subir meu gás”. Depois do que fizeram com o Mano Branco, José não desacreditava mais de nada, vindo daqueles malucos. O Mano Gê jogou na mesa um maço de dinheiro. O plaquê tinha 100 notas de 20 reais amarrados com uma borrachinha. José olhou pro monte de Mico Leão Dourado sobre a mesa e de cara não entendeu o que estava acontecendo.

- Dois mil reais extras, como o combinado. – disse o Mano Gê.

- Quem diria, hein Zé, ninguém dava nenhum real pra você. Cê é foda memo!!!
Ahahahahahha... colocou o gambé em seu devido lugar. Amigos se guardam a sete chaves e inimigos a sete palmos. Ahahahahahah. – brincou o Mano Pio.

- Cara, você foi periculoso!!! O lance de cortar a orelha do porco e deixar um salve ainda... isso foi uma jogada de mestre. – complementou o Mano Gê.

- Então Zé, já que cê ta com a paia, paga um café pros seus irmãos de cruz.

- É só pedir. – disse José com a voz meio trêmula.

O Mano Pio pediu empanada de carne e de frango – que foi servido junto com uns pedaços de mandioca – e um copo gigante de café com leite. José pediu uma esfiha de carne e uma sopa paraguaia; pra tomar pegou um chá gelado. O outro loco pediu duas marinera, uma de carne e uma de frango, que vieram acompanhadas por dois pedaços de pão. O maluco perguntou, num portunhol meio arranhado, se o pão que acompanhava o salgado era de graça ou se tinha que pagar. A moça disse que o pão era de graça, e ele brincou:

- Então eu só quero o pão. Ahahahahahahah!!!

Sobre as gargalhadas dos amigos ele pediu uma cerveja pra acompanhar o lanche.
José estava comendo e pensando no que iria fazer. Com os malucos elogiando a atitude dele, se sentiu diferente, com uma sensação de bem estar. Nunca foi tratado tão bem, tão elogiado quando praticou boas ações como está sendo tratado agora, por ter “supostamente” executado um policial. Em sua consciência sabia que não cometeu esse crime, que era incapaz de tirar a vida de outra pessoa e que não queria seguir adiante nesse caminho sombrio onde não se vê nenhuma luz no fim do túnel. Mas, por um momento se sentiu valorizado, sentiu conforto na companhia daqueles malucos, e já não sabia se queria esclarecer tudo.
Depois do lanche saíram andando até o Shopping Mercosul. Desceram as escadas até um auto serviço localizado no subsolo do prédio. A loja parecia um formigueiro de tanto cliente. Filas e filas de carrinhos lotados de brinquedos made in China esperavam a vez. A loja era uma fortaleza cheia de grades e câmeras por todos os lados. Ao lado do caixa tinha uma sala bem ampla com a porta de aço fechada com uma grade. Um chinês que estava no fundo da loja olhando para as mercadorias viu o Mano Gê e caminhou até lá. Ele era gordo e caminhava meio desajeitado.

- Salve China.

- Quem são eles?

- São família. Ta com nóis.

- Vamos entrar.

Ele digitou uns 30 números num aparelhinho que tinha na parede e a porta se abriu. Entraram na sala e a porta se trancou. A sala era bem ampla com ar condicionado e isolamento acústico com paredes duplas. Um aparelho de multimídia projetava na parede as imagens que vinha das câmeras espalhadas pela loja. Cada corredor tinha uma câmera, além de uma no caixa e outra do lado de fora da loja. Só não tinha câmera no banheiro dos funcionários. Em uma gaveta o chinês pegou uma pequena caixa e de dentro dela tirou um pacote transparente.

- Essa é a mercança nova? – perguntou Mano Gê.

- Pensa numa farinha boa!!! – disse o chinês, com um sotaque engraçado.

Ele esticou várias carreiras na mesa e enrolou uma nota de 100 dólares em forma de canudo. Meteu o nariz e passou o canudo pro próximo maluco e assim sucessivamente até chegar no José. Ele se recusou e os malucos não insistiram.

- E aí, aprovado? Hoje a noite vem o carregamento.

Os malucos consentiram.

Chegaram no estacionamento, o mano Pio e o outro maluco foram em um carro, José e o paraguaio foram no carro do Mano Gê.O paraguaio ligou o som. O aparelho era programado pra continuar a música da parte que parou quando foi desligado. O som que continuou rolando era rap, uma coletânea gravada independente por uns malucos de Foz do Iguaçu. A música do grupo Profecia da Fronteira pulsou forte nos alto falantes do carro do Mano Gê.

“Você não sabe como aqui a vida é maldita
Passar cota, 10 reais, humilhação a luz do dia
E os PF nem se fala, os vermes que da nojo
Os guardiões da ponte deixam a gente no sufoco
Vem tomar mercadoria, o sustento do outro dia
Tirou o pão da boca de uma mãe na correria
Tão ali trabalhando e são chamados de laranja
Melhor que ta roubando, já garantiu sua janta
E a de seus filhos que tanto a ajuda
Vendendo paçoquinha, catando latinha na rua
Mas parece que o governo não ta nem aí
Ô seu Paulo McDonald, para de dormir
Será que você não enxerga nada
Invista nas favelas e não lá nas Cataratas (...)”.

- Zé, vou te levar pra ver um loco.

Seguiram em direção a Hernandárias, conhecida pelos puteiros e plantações de maconha. Os carros entraram em uma estrada de terra que corta o matagal. O vidro aberto deixava entrar a poeira e o vento suave trazia uma calmaria típica de área rural. De vez em quando se via uma habitação, uma pequena casa de madeira onde morava uma família que criava porco e galinha e plantava mandioca. Umas meia hora depois, mata a dentro, já podiam avistar as plantações de maconha. “Sente o aroma Zé, isso aqui é tudo nosso”, disse o Mano Gê alegremente. Estacionaram o carro em uma pequena fazenda. Os cinco malucos caminharam até um galpão localizado na entrada do lote e José ficou pálido com o que viu. O Mano Branco vinha caminhando em sua direção.

(Lizal, na próxima edição mais um capítulo)

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