terça-feira, 3 de novembro de 2009

A Conexidade Desconexa. (Por Lizal)

Uma breve análise sobre a peça: Mal Secreto

Num primeiro momento, a peça me despertou ódio, depois frustração. Ódio por estar diante de uma situação em que não sabemos como lidar e frustração por não saber como resolver essas questões que ali foram encenadas e que estamos cientes de que existem na vida real, no cotidiano . Eu sou militante do Movimento Hip-Hop e sempre narro em letras de Rap o cotidiano e as mazelas da sociedade. Por muitas vezes escrevi músicas falando de amigos, parentes ou conhecidos que foram assassinados. São coisas difíceis e dolorosas pra cantar em uma música, mas que precisam ser contadas. Precisamos tirar o bandeide, mostrar a ferida e procurar o remédio.

A peça me deixou vários pontos de interrogação e talvez essa seja a sua pretensão.

• Qual a fronteira entre o bem e o mal?
• Como se quebra essa barreira?
• Como se atravessa a ponte entre a sanidade e a insanidade?
• Como se desenvolve as patologias?
• Todo assassino tem uma patologia?
• Todo aquele que tem uma patologia é assassino?

As cores e as luzes têm um papel central na minha interpretação dos fatos.

Os dois lados da moeda, a escuridão e a luz.

O que simboliza a luz? Não é só a luminosidade, a iluminação, mas também a clareza, a tomada de consciência, quando passamos a enxergar claramente o que nos cerca, o que está à nossa frente. E quando o personagem consegue enxergar, o que ele vê? Percebe que acabou de cometer um crime. A luz passa a ser indesejável, melhor ficar na escuridão e se ausentar da culpa. A escuridão da bebedeira, do cigarro, das drogas. O sangue vermelho na roupa branca. A cor branca simboliza a paz. Na peça a paz com voz, mas a voz autoritária. Tudo é muito intenso e está muito próximo, o assassinato, o desejo, a loucura, o sexo, a força, a fraqueza. Tudo se mistura e ao mesmo tempo contrasta. É a conexidade desconexa. É a realidade irreal. Não sabemos se de fato tudo aquilo está acontecendo.

Os dois lados da moeda, o grito e o silêncio.

Muitas pessoas comentaram sobre a trilha sonora da peça. Eu que trabalho com música e que deveria ter prestado atenção total nesse detalhe confesso que não ouvi muito bem a trilha sonora. Acho que porque prestei demasiada atenção nos momentos de silencio. O que simboliza o grito? A quebra do silencio, o desespero, a dor, a loucura, o sofrimento. Mas na peça o grito me soou silencioso e o silencio ensurdecedor. O grito de dor que ninguém quer ouvir, que tapam os ouvidos ou fingem que não estão escutando e o silencio da dúvida, da indecisão, da impotência, da imobilidade.

Eu sempre levo o debate para o palco da luta de classes. Um velho “defeito” de um “velho” anarquista. Até me questionei se a divisão entre o bem e o mal em nosso cérebro é representado por um lado direito e um lado esquerdo. O lado direito o mal, e o lado esquerdo o bem. Pelo personagem principal ser um rapaz de classe média eu tiro algumas conclusões. Dentro da divisão de classes a classe média é a mais confusa de todas e talvez isso explicaria a confusão mental do personagem. Ela não é nem classe pobre e nem classe dominante, está encima do muro. Ao mesmo tempo em que tem um funcionário pra mandar, tem um patrão de quem recebe ordens. Ele assassina seu funcionário porque não consegue ou não tem coragem e força suficiente para assassinar seu patrão. Ou, pela competitividade do mundo capitalista, mata seu funcionário com rapidez, antes que seu patrão lhe mate. O desejo de consumo, ele tem - ou deseja - várias amantes, apesar de ser casado e ter dois filhos. Isso o incomoda. Como negar e reprimir nossos desejos quando consideramos que isso é errado? A rapidez com que mata suas amantes, em seu cérebro, é a tentativa de acabar com estes desejos.

Os dois lados da moeda, a traição e a confiança.

A confiança só existe porque existe a possibilidade de uma traição, de um erro, de uma falha. “Você está com alguma mulher aí?”. “Sente o cheiro aqui no travesseiro”. “É cheiro de perfume de mulher”. “Não, é o cheiro da morte”. Quando vem a traição morre a confiança.

Os dois lados da moeda, o amor e o ódio.

“A forma mais covarde de se matar é matar com um beijo”. Mas, dentro das covardias, essa é a covardia mais corajosa. O beijo nunca vem sozinho, ele sempre vem junto de sentimentos. Se ele matar com o beijo corre o risco de nunca mais voltar a beijar essa pessoa. E se é a pessoa amada, ou que ele pensa que ama?
Enfim, são vários pontos de interrogação.

(A peça Mal Secreto foi encenada pela Cia de Teatro Menades e Sátiros de Presidente Prudente – SP, no estacionamento do Shopping Boulevard no dia 27 de outubro).

3 comentários:

Cida Arte disse...

Ficamos todos muito felizes com seu comentário. A sua visão do espetáculo mostra um envolvimento sério e com muitos questionamentos, o que na verdade nós também fazemos.
Um grande beijo.

Cida Camargo
(Mênades e Sátiros Cia de Teatro)

santiago disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
santiago disse...

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