terça-feira, 3 de novembro de 2009

NOVELA DA VIDA REAL

Mais um Cidadão José Cap. 44

- E essa aqui? - Perguntou Luci.

Na fotografia aparecia os dois encima do palco, as viaturas encostadas na lateral, os policiais olhando com ódio.

- Essa vai pro encarte do CD. - Disse o Mano Guina.

- É verdade!!! Imaginem só na capa do CD “Facção do Crime – Fragmentos do Ódio”. Vai ficar muito doido.

- Boto fé!!! O sistema vai tremer.

Os três se abraçaram e começaram a cantar desafinadamente o refrão da música de Geraldo Vandré “Vem vamos embora que esperar não é saber / quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.

A música de Vandré foi gravada na década de 60 e ficou em segundo lugar no III Festival Internacional de Cultura, em São Paulo. A música que já era conhecida pelo nome de "Caminhando" logo tornou-se um hino da resistência contra a ditadura militar. Os estudantes presentes no festival dirigiram vaias para os jurados em descontentamento com o segundo lugar. Geraldo Vandré na época era militante do movimento estudantil e fazia parte do CPC (Centro Popular de Cultura), uma organização que defendia a arte engajada e militante, que valorizasse a cultura nacional e que tivesse junto ao povo trabalhador. A música não demorou muito para ser proibida pela censura e em pouco tempo Vandré foi preso, torturado, e partiu para o exílio no Chile. O golpe militar de 64 foi tramado pela burguesia brasileira, com o apoio dos Estados Unidos, e visava dizimar a tendência revolucionária do povo, que crescia muito nessa época.

Nos primeiros anos a ditadura conseguiu sufocar o levante popular e o movimento operário e estudantil. A cultura do final da década de 60 acompanhou essa pira revolucionária. A arte estava a serviço da população, artistas usavam de sua criatividade para protestar contra aquele regime. Já em 64 a censura era forte encima dos artistas que tinham que usar de artifícios como parábolas e metáforas para driblar a censura. Em 1968 o movimento de massas tenta se reorganizar, o movimento estudantil reagia e era constante os conflitos entre o povo e o governo. Em 1973 Geraldo Vandré grava seu último álbum. Nesse ano grava também alguns programas de televisão que são censurados. Depois disso ele silencia-se por muitos anos e só volta a se apresentar em 1982, no Paraguai.

Atualmente, Geraldo Vandré continua no isolamento. A galera das antigas estranhou quando no início dos anos 90 ele gravou uma canção chamada “Fabiana” onde ele homenageia a FAB (Força Aérea Brasileira). Mais estranho ainda foi quando ele foi questionado sobre sua militância política, e negou ter feito músicas políticas de protesto. Afirmou ainda que nunca teve nenhuma richa com os militares. Alguns afirmam que isso deve ser alguma reação às torturas que ele sofreu na época, quando foi preso pelos militares. Mas ele nega que tenha sido torturado e que tenha sido forçado a deixar o país.

A música de Vandré ficou conhecida entre a galera do Hip-Hop através do grupo Face da Morte, que usou o refrão e fez uma colagem em uma de suas músicas. Os três companheiros desciam cantando alegremente pela rua de calçamento em destino às vielas escuras que vão sair em suas casas. O canto é interrompido por uma trilha sonora nada desejável por moradores de favelas. Uma viatura vinha em sua direção e a luz alta quase lhe cegaram. Os três tiveram que colocar o braço sobre a testa para poder enxergar. O carro parou em sua frente obstruindo a passagem. Quatro policiais desceram da viatura com armas em punho. Era a viatura da Rone Preta.

Há algumas semanas começou na cidade mais uma edição da 'Operação Foz Tranquilha' e a cidade ta cheia de policiais vindo de outras cidades. Apesar do repúdio da população local, a administração pública municipal insiste em investir nesse projeto. Dezenas de denuncias foram feitas, pois muitos desses policiais que vieram de outras cidades estavam agindo em desacordo com a lei. Não que os policiais da cidade também não agem, mas como esses gambés ficam pouco tempo na cidade e depois voltam para suas casas, esses abusos se intensificam. Houve denuncias de abuso de autoridade, execuções, roubos, tráfico de drogas e armas, extorsão e até estupro, praticados por alguns soldados.

- Não precisa nem falar nada, né, seus vagabundo.

Os três ficaram parados olhando para os policiais, tentando identificar se eram os mesmos policiais que tizoraram o evento.

- Mas, cês tão de brincadeira mesmo. Vamos lá, todo mundo com as mãos na viatura.

O Guina e o Bira colocaram a mão sobre a viatura, a Luci se negou.

- Vocês não vão encostar a mão em mim não.

Só nesse momento que os gambé perceberam que era uma mulher. A Luci estava vestida com roupas largas, o cabelo escondido dentro do boné e nesse momento estava usando óculos escuros.

- O que nós temos aqui, uma vagabunda. Ta vestida igual homem porque, você é sapatão?

- Eu me visto do jeito que eu quero e eu não sou vagabunda. Me respeite.

- Cala a sua boca.

O policial tirou o seu boné e segurou-a pelos cabelos, levando ela até a viatura, junto dos parceiros. Jogou-a com tudo de encontro com a viatura, machucando a sua mão. O Mano Bira não agüentou ver o gambé fazer aquilo com sua mina e pulou pra cima dele. Conseguiu acertar um soco no peito do policial, mas outro gambé segurou seus braços e o policial devolveu um soco na cara que lhe tirou sangue do nariz. Chegou mais um e deu um soco na barriga, deixado-o quase sem ar. Voltou a encostá-lo na viatura, deu uns bicudos nas suas pernas e esfregou seu rosto no carro. O Mano Guina tentou reagir, mas sentiu o cano do revólver encostado na sua nuca. Enquanto um policial pegava suas carteiras e a bolsa da Luci, eles perceberam que dentro da viatura estava tocando uma música do Racionais. A música Homem na Estrada soava baixinho dentro da viatura. A letra faz duras críticas ao aparelho repressivo do Estado.

“A justiça criminal é implacável, tiram sua liberdade, família e moral, mesmo longe do sistema carcerário te chamarão pra sempre de ex-presidiário / não confio na polícia raça do caralho / se eles me acham baleado na calçada, chutam minha cara e cospem em mim / eh, eu sangraria até a morte, já era, um abraço / por isso a minha segurança eu mesmo faço”.

(Lizal. Na próxima edição mais um capítulo)

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