segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

1º FESTIVAL CULTURAL FALA FAVELA (Por: Eliseu Pirocelli)

As vozes da Favela dentro da universidade.


Grafite realizado pelo Coletivo Raízes em Movimento

Na quinta feira, 19 de novembro, véspera do feriado do dia da Consciência Negra, aconteceu em Niterói o 1º Festival Cultural Fala Favela. Foi o resultado do projeto de Extensão Universitária e do Curso de Formação de Agentes Culturais Populares. O curso teve seu início em abril na UFF - campus Gragoatá - e visou identificar, capacitar e qualificar jovens e adultos moradores de favelas que já desenvolvem atividades no campo da arte e da cultura. Segundo Adair Rocha do Minc, “só se pode falar de direitos quando se dá o acesso”, então o curso além de estimular essas iniciativas, propicia o conhecimento para que os agentes possam se beneficiar dos editais para a captação de recursos públicos ou privados.

O Festival de finalização do curso aconteceu na UFF com o intuito de apresentar a diversidade da produção cultural popular, na contra-corrente das visões estigmatizantes e das políticas criminalizantes que hoje se voltam para o povo favelado. A historiadora Adriana Facina, coordenadora do curso diz que “a favela é muito mais do que a mídia apresenta. Queremos que as políticas públicas de cultura dialoguem com essas práticas de produção cultural nos meios populares”. Acentuou ainda que apesar de toda essa violência promovida pelo Estado na favela a arte pulsa.

O evento contou com o debate “Cultura é Favela, Favela é Cultura”, Oficinas e Apresentações Culturais. O debate teve início as 10h da manhã com a participação de Adair Rocha (MinC), Deley de Acari (poeta e animador cultural), Victor Hugo Adler Pereira (UERJ), Severino Honorato (Agente Cultural Popular). Muito produtiva, a troca de idéia mostrou como as pessoas estão dispostas a discutir as mazelas e as contradições dessa sociedade e a quebrar conceitos pré-estabelecidos. Severino Honorato disse que a favela é fruto da coerção das políticas do Estado e Adair Rocha completa que a existência da favela é a própria violência instituída. Falou do processo de resistência dessas comunidades, acentuando que o local onde a expressão da vida está mais presente é na favela e que a grande possibilidade de mudança revolucionária é a cultura. Victor Hugo mostrou como estamos num terreno escorregadio. Enquanto as políticas de cultura impõem um padrão de cultura nem sequer investiga as culturas praticadas na favela. “Ocupam as pessoas em atividades inofensivas, para que não se envolvam em atividades culturais que denunciem, que busque um novo mundo”. Falou com emoção de que não devemos perpetuar a subalternidade e devemos combater a cultura bastarda e lazeroza. O poeta e animador cultural Deley de Acari agradeceu a oportunidade, uma das poucas oportunidades que ele como morador de favela teve de poder falar dentro de uma universidade. Deley focou a discussão na cultura africana e mostrou como falamos bem mais palavras de origem africana do que européia. Disse dos cientistas neo-racistas e intelectuais criados pela elite com o papel de desinventar as raças em uma época de políticas de ações afirmativas e movimentos de reparação. “Valendo-se das pesquisas e conhecimentos “científicos” de seus cientistas que validaram cientificamente a superioridade de uma raça sobre a outra, a burguesia branca justificou e justifica até hoje a dominação, a exploração, a escravidão e o genocídio de bilhões de não brancos”.


Abel Luiz e amigos

As oficinas iniciaram-se às 14h com Circo, B.boyng, Literatura, Fotografia, Música e Grafite. O Coletivo Raízes em Movimento, que ministrou as oficinas de grafite, grafitou uma enorme parede em frente ao palco onde rolou as apresentações culturais dos alunos do curso. As apresentações começaram às 20h com a Troupe Circense Orilaxé. A coordenadora Dirce Galvão comandou a apresentação dos alunos mostrando o resultado das oficinas que a Troupe desenvolve. Na seqüência houve apresentação de capoeira com o Grupo Kabula de Capoeira Angola, sobre o comando do mestre Leandro Bicicleta. Um dos momentos altos do evento foi a apresentação do Coral Sacro N'Korin Olóôrum. Sobre o comando do Maestro Claudecir Francisco o Coral louvou os orixás com cânticos em Yorubá.


Grupo Kabula e Capoeira Angola

Depois as apresentações aconteceram em blocos. No bloco 'Raízes' apresentaram-se o cordelista Don Severo e o sambista Abel Luiz. No bloco 'Outros Caminhos' apresentou-se Ludi Um e o grupo de Break CJ Hip-Hop. No bloco 'Nossa Voz' teve apresentação de Rap com Mano Zeu e Roda de Funk com a ApaFunk.

Em 11 anos 10.000 pessoas foram assassinadas pela polícia a título de “auto de resistência” no Rio de Janeiro. Festivais como esse tem um papel importante para denunciar as atrocidades desse Estado que criminaliza e extermina o povo pobre e para criar e propagar uma cultura de não violência. Severino Honorato enfatizou em sua fala que o povo favelado deve ser entendido como criatura criadora e criativa. Disse que não vale aprender e guardar para si, é preciso disseminar e partilhar o conhecimento.


Severino Honorato

A socialização dos saberes é um passo importante para a emancipação e libertação do povo favelado.

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