segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

OCUPAÇÕES URBANAS: Terra de alguém


No Rio, sem-teto se mobilizam por moradia digna

A bandeira do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) esticada em três janelas do prédio número 20 da Rua Alcindo Guanabara não deixa dúvidas: estamos diante de uma ocupação urbana de ex-moradores sem teto. Situada ao lado da Câmara dos Vereadores do Rio, a Ocupação Manoel Congo é um retrato da distância entre o poder legislativo e a necessidade real dos trabalhadores: ter uma casa para morar.

Por Júlia Bertolini e Tatiana Lima

Ocupar prédios públicos abandonados tem sido uma das soluções encontradas por dezenas de famílias da região metropolitana do Rio. O Ministério das Cidades estima uma demanda de oito milhões de novas casas no Brasil. Somente no Rio, faltam 450 mil casas. Ao mesmo tempo, existem cerca de cinco mil prédios abandonados na cidade e em seu entorno, segundo o engenheiro Maurício Campos, da Rede Contra a Violência.

Ocupação Manoel Congo

Hoje, 42 famílias vivem nos dez andares da ocupação Manoel Congo. Antes de conquistar este espaço, foram expulsas de dois outros prédios, também no Centro. Além da dificuldade de pagar aluguel, as famílias viviam em locais que sofriam com a falta de serviços públicos, como escolas e hospitais. “O Centro do Rio é uma boa opção. Oferece mais escolas e é mais fácil de ganhar algum dinheiro. Muita gente trabalha como camelô”, conta Lurdinha, moradora da ocupação desde outubro de 2007.

“Não foi fácil. Decidimos que só sairíamos desse prédio carregados”, admitiu Lurdinha. A ocupação sofreu forte repressão da Polícia Militar e da Polícia Federal. O poder judiciário carioca piorou a situação das famílias. “A suspensão da reintegração de posse já tinha saído em Brasília. Depois de muitas idas e vindas, conseguimos achar o documento e entregá-lo a tempo de evitar o despejo. Estava guardado numa gaveta”, conta indignada a moradora.

Vitória conquistada

Hoje, o medo do despejo parece estar longe. A Manoel Congo, em uma negociação histórica, conseguiu que o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) declarasse o prédio ocupado como bem de interesse social. O INSS é o maior proprietário de imóveis abandonados no país. O próximo passo será a compra do prédio através da verba no valor de R$916 mil do Fundo Nacional de Habitação. Serão usados
mais R$700 mil na recuperação das instalações. Hoje existem apenas dois banheiros e um tanque coletivo em cada andar.

Chiquinha Gonzaga: 70 famílias com casa para morar

“Durante cinco meses a rua foi o nosso lugar de organização, onde fazíamos as reuniões. Às vezes chovia, às vezes as pessoas se dispersavam, porque a fome era grande. Mas nós conseguimos”, conta o pedreiro Manoel, morador, desde 2004, da ocupação Chiquinha Gonzaga. Após anos de negociações, a Chiquinha, que abriga 70 famílias no Centro do Rio, conseguiu a cessão de uso do prédio do INCRA, que estava abandonado há décadas. Agora, os moradores da Chiquinha e da Manoel Congo aguardam o começo das obras. Lutam para empregar, na reforma, a mão-de-obra disponível dentro das ocupações. “Aqui tem muita gente que trabalha com construção civil. Por que chamar pedreiro de fora?”, comenta Manoel. Mas Maurício Campos adverte: “até que as famílias tenham um documento assinado que garanta o seu direito e sua permanência, nada está realmente

Poder público usa violência contra as ocupações

Recentemente, poder municipal, estadual e federal se uniram em uma ação de despejo. O prédio da Avenida Gomes Freire 510 estava ocupado há quase 30 anos de forma desorganizada. Em 2009, diante do impacto do interesse imobiliário na região e do “choque de ordem” do prefeito Eduardo Paes, os moradores decidiram fortalecer sua organização e se nomearam “Os Guerreiros”. Mutirões para a limpeza e até uma biblioteca foram criados. Em maio, porém, um incêndio atingiu cinco andares do prédio, causando a interdição pela Defesa Civil. “Existe a suspeita de que o incêndio tenha sido consequência de algum tipo de suborno pago pelos donos do Hotel vizinho à ocupação”, revela Elaine, participante do movimento. Depois do despejo, os moradores se organizaram e, após dormirem 40 dias na rua, ocuparam o prédio nº 234 na Rua Mem de Sá. A polícia militar ameaçou entrar à força, sem ordem judicial durante a primeira madrugada “Segundo informações, a prefeitura interveio diretamente para manter o prédio desocupado, para que ele recebesse outra função a partir do projeto de revitalização do centro”, conta Elaine. As famílias se uniram e ficaram acampadas na frente do prédio, mas acabaram expulsas. Guarda municipal, polícia militar e conselho tutelar pressionavam diariamente as famílias, inclusive com carros para levar as crianças para abrigos. Hoje, a Ocupação dos Guerreiros não existe fisicamente, e as famílias se dispersaram. Alguns estão em situação de risco, morando nas ruas. Outros estão de favor na casa de parentes ou amigos. Os governos municipal e estadual se recusaram a pagar aluguel social, mesmo com pedido de pagamento expedido pela justiça.

O crescimento econômico dos centros metropolitanos, aliado a uma “política de limpeza urbana”, expulsa as classes pobres das áreas centrais da cidade, e revitaliza locais antes esquecidos. O projeto de revitalização da Lapa, a perspectiva de reforma do Cais do Porto e o calendário de eventos da cidade,
como Copa e Olimpíadas, são alguns dos motivos para o endurecimento da ação do poder público frente às ocupações. (JB e TL).

Fonte: Revista Vírus Planetário nº 06

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