segunda-feira, 11 de agosto de 2008

CÓRREGOS, ASSASSINATOS E URNA ELETRÔNICA.

Eu nasci no finalzinho da década de 70. Em abril de 1980, quando eu completava um ano de idade, meus pais pisaram em solo iguaçuense, na esperança de trabalhar na Usina Hidrelétrica de Itaipu, que atraiu para Foz milhares de emigrantes. Não conseguindo emprego, foram morar no Jd. Paraná, uma ocupação, às margens do Rio Almada. Sem luz elétrica e sem água encanada, as mulheres reuniam-se no rio para lavar roupa e louça e ficar conversando. Não conversavam sobre novela, como nos dias atuais, porque naquela época não tinha nenhuma televisão no bairro. A globalização ainda não tinha dado uns rolê por aquelas bandas. Fui crescendo e me envolvendo com as demais crianças da vila. Vivíamos no rio, nadando, pescando, fazendo fogueira, armando arapuca e centenas de outras brincadeiras que a liberdade de uma criança de favela pode desfrutar. Íamos para o meio do mato, arrancar bambu para a armação das pipas que fazíamos com sacolinhas de supermercado cortadas ao meio. A linha nós tirávamos de sacos de cebola vazios, que buscávamos na feira. Arrancávamos fio por fio e amarrávamos uns aos outros até encher um carretel.

Assim como o Jardim Paraná, em Foz do Iguaçu tinha dezenas de outras ocupações, margeando os rios que na época eram limpos e sua água era usada até para preparar os alimentos. Com o crescimento dessas ocupações, começaram as visitas de políticos em época de eleições. Um futuro prefeito de Foz visitou o Jardim Paraná na época e conseguiu que a Sanepar colocasse uma torneira pública, com água potável. Os moradores apelidaram de “tornerão” e foi a primeira vez que eu senti o gosto do cloro. A torneira era usada por todos os moradores, que buscavam água com baldes e dividiam a conta no fim do mês.

Alguns meses depois da instalação da torneira aconteceu um showmício no Jd. Paraná, que reuniu pessoas dos bairros em volta. O som na maior altura, a música pulsando forte, as performances de palco da banda contratada; os adesivos, santinhos e botons que garotas bonitas colavam na roupa das pessoas. Eu pirei com tudo aquilo. Ficava na boca do palco só esperando os artistas jogarem camisetas e bonés para o público. Não raro eu caia no soco com algum moleque que tentava roubar o boné que eu tinha pegado. Foi a primeira vez que usei um boné. Nesses comícios que seguiram naquele ano eleitoral, subiam dezenas de políticos ao palco, falavam forte, com emoção, palavras bonitas que eu não entendia direito, mas que sempre arrancavam muitos aplausos das senhoras de roupas humildes e pele negra - entre elas minha mãe. Que eu me lembre, foi a primeira vez que bati palmas, já que naquela época, em nossa favela, não faziam festas de aniversário, devido a situação precária. E foi um bom treinamento, pois nos anos que se seguiriam eu e meus irmãos bateríamos palmas na casa das pessoas de outros bairros para pedir comida.

Aqueles políticos ganharam a eleição, foi o boato que correu no bairro. E durante muitos anos ninguém viu a cara deles por ali. Além de um calçamento, na rua onde começou a passar um ônibus, anos depois, nada se viu de obras públicas naquela favela. Nenhuma creche, nenhum colégio, nenhum centro cultural, nenhuma biblioteca, nenhum posto de saúde e nem nada foi construído. Eu e meus irmãos atravessávamos pelo meio de uma fazenda para ir estudar, fugíamos dos búfalos e dos cachorros que o fazendeiro deixava soltos. A miséria batia forte na comunidade e começou a surgir os primeiros assaltantes e ladrões, que assim como os políticos que colavam ali, causavam admiração nos moleques mais novos. Três conhecidos meu foram assassinados pela polícia ali no carreiro que pegávamos para ir à escola. Foi a primeira vez que vi um assassinato.

Estamos no ano de 2008, o mundo não acabou no ano 2000 como muitos acreditavam e nem melhorou muito. Os rios que eu brincava, hoje já não existem mais; são esgotos. O Jd. Paraná continua sem colégio e sem posto de saúde e os políticos continuam a visitá-los em anos estratégicos. Cada casa tem uma televisão, mas às vezes não tem o que por na panela. De quatro em quatro anos aqueles mesmos políticos, ou seus filhos, aparecem na tela, falando palavras bonitas. Todas as casas têm água encanada e energia elétrica - muitas no gato, por não ter dinheiro para pagar as contas. Da minha época, sou um dos poucos que sobreviveu, a maioria dos meus amigos de infância foram assassinados. Primeiro mataram, depois morreram.

Hoje eu tenho 29 anos e minha mentalidade é outra. Entendo tudo o que um político fala. Já fiz um curso de formação política, já li muitos livros, já militei, fui a muitos comícios e já vi na minha frente uma urna eletrônica. Minha mentalidade é outra, mas continuo acreditando nos políticos. Não em todos, mas sempre acredito em algum. Continuo acreditando na mudança. Cada vez mais. E sempre me decepciono.

(Lizal, Foz do Iguaçu).

Lizal é militante do Movimento Hip-Hop em Foz do Iguaçu. Já morou em diversos bairros de Foz e do Paraguai e em todos os lugares que habitou viu a miséria de
perto. Viu rostos cansados, olhares tristes, cabeças baixas, pessoas sem esperanças.
Lizal é mais um ingênuo que ainda acredita na política, e as vezes, (pasmem) até nos
políticos. (É foda!!!).

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