segunda-feira, 11 de agosto de 2008

ELICÍ (Por Ferréz e Edvaldo Quirino)

Ele se levanta e toma um copo de café preto como a sua pele.
Elicí sim é criança cedo, e a precocidade na infância interfere.
Tem a vida tão corrida.
Trabalha seis dias por semana.
Entrega roupas de pessoas bacanas. No final do dia paga as bebidas que o pai toma.
Se senta sempre sob a copa da grande árvore após o almoço.

Elicí ainda hoje eu ouço. O galo já cantou e o relógio despertou. Levanta e vai encarar a mais pura realidade.

Naquela manhã a mãe lhe disse:
“Filho, vai com Deus”.
Ele voltou, pegou sua mão e a beijou, pediu bênção e partiu.
Entrou no ônibus, encarou o cobrador, disse bom dia, sem resposta. Desceu no paraíso (o paraíso dos ricos), Pegou o metrô, desceu na Marechal, subiu a Angélica correndo. A menina olhou, mas ele não podia parar.
Chegou um pouco atrasado, quando a patroa lhe olhava se sentia escravo. De manhã havia muita entrega, e era sempre assim.

Quanto melhor para a patroa, pior para Elicí. Sempre agradeceu pelo pagamento.
Entregava em casa de bacana e de prostituta. Quando tinha entrega na casa de madame, algumas atendiam seminuas.
Perua exibicionista que lhe dava gorjeta e sorriso falso.
Um dia, um executivo parou o carro, lhe ofereceu dinheiro, Elicí mostrou o dedo. Era meio-dia e a fome
estava chegando. Almoçou rapidamente em vinte minutos, tinha quarenta para descansar.

Na grande árvore, Elicí foi se sentar. Elicí e o helicóptero levanta vôo. Fecha os olhos, e começa a viajar.
Talvez um tratamento para o pai, uma bicicleta para o irmão.Talvez tirar a mãe do sufoco, melhorar a casa. Aquele beijo quente,
Elicí com os olhos fechados não vê o pesadelo dobrar a esquina. Um carro importado, vermelho, um casal bem-nascido se tocando.
Tanto afeto, tanta bolinação que esquece adireção. Elicí ouve as folhas da árvore e o grito estridente dos pneus no asfalto.
Ouve o estrondo. A notícia vai correr no jornal.
“Menino negro morre prensado ao tronco.”

A história se repete. O resgate é acionado, socorro de gente rica é mais rápido e vem pelo alto. O helicóptero na pista, os curiosos aplaudem. Médicos, bombeiros, polícia e até voluntário. Socorreram o casal endinheirado.
O helicóptero decola, e agora já era.
O menino tá morto mesmo, e morto espera.
Elicí e o helicóptero levanta vôo. Elicí ainda hoje eu ouço.

(Ferréz e Edvaldo Quirino)
Fonte: www.ferrez.blogspot.com

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