quinta-feira, 21 de maio de 2009

NOVELA DA VIDA REAL

Mais um Cidadão José Cap. 38


- Fecha o vidro aí rapaziada, gritou o paraguaio!!!

José até tentou fechar o vidro, mas não deu tempo. Uma bexiga cheia de água suja acertou em cheio o seu rosto. Olhou pra trás e viu várias crianças correndo e dando risada da cara dele. O pessoal do carro não se agüentou e caiu na gargalhada. Ele não entendeu nada. O paraguaio começou a explicar que nos dias de carnaval o povo paraguaio tem essa pira de jogar água um no outro. As mulheres enchem os baldes e jogam nos vizinhos e nas pessoas que passam na rua. As crianças enchem balões ou usam pistolas d'água. Geralmente usam água limpa, mas o José estava com azar de ser alvo de crianças arteiras e foi presenteado com uma granada de água suja. Dizem que algumas crianças fazem xixi dentro de latas, sobem em árvores ou lugares altos e jogam na cabeça das pessoas que passam.

Eles pararam em um mercado para comprar os mantimentos. Compraram carne para assar, se caso não pegassem nenhum peixe, não passariam fome. Compraram ainda cerveja, gelo, refrigerante, farinha e pão. Na hora de fazer a vaquinha para pagar a conta José estranhou a falta de dinheiro em sua carteira. Tinha menos de 50 reais, dos 2.000 reais que tinha pegado com o Mano Gê. Ficou olhando para seus companheiros e desconfiou deles. “Aproveitaram que eu estava bêbado para fazer um cinco-cinco na minha grana”. – pensou indignado. Nem lembrou da loira que ele morfô na boate e que aproveitou o seu cochilo pra furtar quase todo o seu dinheiro.

O carro cortou as ruas ladeadas por uma bela paisagem. A natureza naquela região do Paraguai ainda é bem preservada. Ali de onde estavam já podiam ver o Molle lá embaixo. Centenas de carros, ônibus, táxis, motos e pessoas dividiam aquele espaço de lazer.

- Olha que loka essa vista rapaziada. – disse o mano Pio todo empolgado.

Encostaram o carro numa grande calçada onde a galera leva os veículos para lavar. O domingão estava ensolarado e o local tava lotado, famílias, crianças, jovens e adultos se jogavam nas águas do Rio Paraná. O Mano Gê foi buscar água com um balde para dar uma geral no carro, um paraguaio começou a juntar algumas pedras para improvisar uma churrasqueira e o outro chirá foi procurar galhos secos para fazer o fogo.
Enquanto preparavam a carne, José e mano Branco foram pescar em um canto onde não tinha muita correnteza. Sentaram em uma pedra, armaram os molinetes e ficaram por ali trocando idéia enquanto fumavam um baseado made in Paraguai e tomavam uma breja. Vários carros estavam com o som ligado e o porta malas aberto. As músicas se misturavam, cumbia, reggaeton, kachaca, polca, samba, rap, música eletrônica dos anos 70, uma mistura de ritmos que formava uma babel musical.

- E aí Zé, cê ta morando onde mesmo meu bom? - perguntou o Mano Branco.

- Saí do barraco onde eu tava morando de aluguel. O dono vendeu a casa. Quando eu voltar pra Foz vou procurar outro lugar. – mentiu José.

- Boto fé.
- Eu ganhei um terreno lá na Favela do Lodo, o mano Dé arrumou pra mim. To juntando dinheiro pra construir um barraco lá. Ta difícil, mas se Deus quiser, logo eu me mudo pra lá.

- Ele quer, ele quer!!! – falou Mano Branco com otimismo.

O mano Gê acabou de lavar o carro e foi ajudar os malucos a colocar a carne pra assar. O Mano Pio tava apanhando pra passar o sal grosso. Próximo dali, os motoristas do transporte público paraguaio lavavam seus ônibus. Os micros são dirigidos pela mesma pessoa todos os dias, assim muitos motoristas personificam e decoram o veículo a seu gosto. As cabines são todas enfeitadas, algumas com seu time do coração, outros com santos, crucifixos, terços, cartazes com salmos de acordo com sua crença e religião. Os patriotas colocam bandeiras do Paraguai e objetos simbolizando a cultura e as tradições nativas. Alguns motoristas colam fotos da família, esposa e filhos. O Molle é um lugar de encontro da galera onde podem tirar um lazer tranqüilo sem gastar dinheiro. No passado funcionava no local um porto fazendo fronteira com o Porto Meira do lado brasileiro. Hoje está desativado e no período noturno serve para a travessia de drogas e contrabando do Paraguai para o Brasil.

- A nossa próxima jogada é tomar essa quebrada. – disse o Mano Gê, apontando para o outro lado do lago.

- Boto fé. Vai ser tudo nosso!!! – Respondeu com firmeza o Mano Pio.

- Já to arquitetando com os manos do Remancito, vai ser daquela forma.

Próximo dali José soltou uma gargalhada sinistra, havia pegado o primeiro peixe do dia. O primeiro de muitos outros que iria pra grelha naquela tarde.
O sol já estava se pondo, o local estava quase vazio e os malucos continuavam por ali. Num canto um paraguaio sintonizava um radinho a pilha. Colocou na rádio 103.5, uma rádio underground onde nos domingos a tarde toca reggae, rock e rap. Começou a tocar o som do Charlie Brown Jr, a música chamada Quinta-feira.

“Ainda me lembro bem daquela quinta feira
Cinco malandro em volta da fogueira
Ouvi o grito de dor de um homem que falava a verdade
mas ninguém se importava
Botando pra fora tudo o que sentiu na pele
Mas ninguém lhe dava ouvidos não

Deixou a marca da fogueira que acendeu
pra se livrar do frio que mata
Miséria impune, notável,
sincera, não acaba nunca a ira ”.

Ao som do Charlie Brown, Mano Branco e o Mano Gê saltaram na água.

“O difícil é desviar de quem tá sempre querendo
Ela mantém a porta aberta ela te faz de instrumento
Vai te dominar, se já não dominou (...)”
Nadaram pra longe de onde estava os companheiros, se agarraram numa pedra e ficaram trocando idéia.

- Qual a relação com os manos da Favela do Lodo? – perguntou Mano Branco.

- Temos parceiros por lá. Estamos pensando em ter um ponto naquela quebrada.

- Então, o José ganhou um terreno lá e ta sem dinheiro pra construir. O que você acha se...

(Lizal, na próxima edição mais um capítulo)

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