sexta-feira, 9 de outubro de 2009

CONTOS, CONTAS, CANTOS E CRÔNICAS (Por: Danilo George)

Vida nossa de todos os dias

Antonio Marcos é um morador da favela de Acari, um imenso complexo habitacional que se localiza na zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Acari é tido pela mídia sensacionalista como um lugar povoado de marginais, cujo os índices baixos de IDH (índice de desenvolvimento humano) chocam qualquer sociólogo. Mas Acari como uma grande favela traz consigo a lei da dialética aonde se vive com muita alegria e dor. Antonio Marcos não é um morador comum, ele se intitula revolucionário. Acredita que o povo favelado está nessa situação devido a sua alienação. Dessa forma busca conscientizar o povo de forma muito peculiar.

Um dos seus métodos é percorrer aos domingos a favela, pelas 4 horas da tarde, quando as “biroskas” estão lotadas, e geral fica na frente da televisão vendo os jogos de futebol transmitidos pela rede Globo. Ele encosta na porta do bar e começa a questionar, pedindo a escalação do time que está jogando, após saber quem é o goleador, o zagueiro ou o melhor do time ele rebate: “Me diz o nome do presidente do senado, me fala o nome de um deputado federal”. Por essas manias Antonio Marcos se tornou uma figura folclórica em Acari. Em algumas ocasiões ele parece possuir uma doença perigosa altamente transmissível, ele tem o dom de chegar nos lugares e esvazia-los. Muitos moradores quando avistam Antonio Marcos parece que estão vendo o caveirão do Bope, metem o pé imediatamente.

Entre suas manias está o de provocar pastores evangélicos da comunidade, o som alto das igrejas o incomoda. Assim ele caminha com uma caixinha de som no último volume com o som do grupo de rap paulista Facção Central que pauta questões de classe e afronta a passividade das religiões. Ele pára na porta da igreja e vai para o debate “vocês educam os pobres para serem ovelhas, deveriam criá-los para serem leão”. Assim muitos Evangélicos o vêem como um ser demoníaco e se benzem quando passam por ele. Antonio Marcos ficou ainda mais maluco quando passou a cursar direito através de um programa populista do governo federal. Seu alvo passou a ser os policiais que ficam na entrada da favela, dando dura em morador e mordendo um dinheirinho dos mesmos.

Seu ritual era simples, ele chegava no viaduto encarava os policias e começara a debater os direitos do cidadão partindo do principio do direito de ir e vir. Assim vira e mexe ele se metia em alguma presepada. Andava com um cartaz na bicicleta com o telefone da corregedoria da polícia, gritando para que os moradores ligassem fazendo denúncias. Uma vez um policial cansado das perturbações de Antonio Marcos, partiu para cima o ameaçando. O policial portava uma pistola nove milímetros e ele portava uma marmita que carregava diariamente, resultado: quando o policial ameaçou de sacar a arma, ele deu uma marmitada na cabeça do policial, após uma luta corporal com o sargento ficou algumas semanas preso por desacato. Pagou uma fiança no valor de 600,00 reais e foi solto.

Mas Antonio Marcos não saiu do seu “front”, sua revolta com a policia ficou ainda maior.

Um dia resolveu dar a volta por cima. Após esse embate ele foi perseguido severamente por policias do 9º batalhão da policia militar, a corporação que mais mata no Rio de janeiro. Era só descer do metrô que lá estavam os policiais o provocando, “olha o valentão aí”, aquilo mexia com seu ego. Em uma noite de insônia pensou “vou dar uma volta nesses policiais”. Antonio Marcos bolou um plano mirabolante. Defecou, embrulhou com um jornal, colocou o troço em uma pasta e partiu para o metrô. Lá se encontrara com seus algozes. Começou a caminhar de um lado para o outro com aquele embrulho de modo que chamaria a atenção dos policias, após cinco minutos de andança um policial falou: “hei chega aqui” .

Antonio Marcos caminhou tranquilamente, o Policial perguntou o que carregava ali, ele respondeu: “lixo”. O policial intrigado foi checar o embrulho, e meteu a mão na merda. Após sujar as mãos de bosta ele gritou: “você é maluco! Corre daqui rapaz” Antonio Marcos tranquilamente seguiu aliviado, e com um ar de cinismo respondeu: “eu te avisei que era lixo”.

Questionado por outros moradores se ele não tem medo da morte, ele responde friamente:

“Há dez anos atrás eu perdi o medo de falar, falo tudo o que penso. E há três anos perdi o medo de morrer”. Dessa forma Antonio Marcos sai provocando a vida. E dizem em Acari que até a morte foge dele.

(Danilo George é historiador e contador de histórias, garante que 99% das suas
narrativas são verídicas, o 1% é fruto da sua imaginação).

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