sexta-feira, 9 de outubro de 2009

SANTIAGO - Hip-Hop, Política e Sociedade



Tiago Egea Berrido tem 25 anos de idade. Nasceu em Curitiba no Boqueirão e veio pra Foz com 3 meses de idade. Sua mãe chegou em Foz com um pedaço de colchão em um braço e ele no outro braço e foi morar de aluguel numa casa de chão batido. Enquanto sua mãe trabalhava em dois empregos e só chegava em casa de madrugada, Tiago cresceu livre pelas ruas das quebradas de Foz. Teve uma infância de muita dificuldade, faltava muitas coisas, mas vivia pelas ruas brincando e aprendendo a se virar sozinho. Estudou em escola pública e concluiu até o terceiro ano. Prestou vestibular pra pedagogia, passou mas não fez o curso, queria mesmo estudar turismo.

“Eu tinha uma pira de fazer turismo pela cidade e tal. Poder me envolver assim com as paisagens. E também as pessoas que vêm, eu queria conversar com elas, queria aprender inglês, espanhol, queria falar com os alemães, falar com os chineses. Eu tinha essa pira de ser poliglota, e mostrar também a beleza da cidade e se possível também ir conhecer outras cidades”.

Quando entrou para o Movimento Hip-Hop adotou o pseudônimo de T.A. e mais tarde mudou para Santiago, o nome que sua mãe tentou registra-lo mas não conseguiu na época por ser um nome estrangeiro.

Santiago começou a ouvir Rap na sua adolescência e isso influenciou em sua vida. “O Rap caiu como uma bomba na favela, quando eu vi meus amigos já estavam cantando as músicas, a gente se identificava. Isso há mais de 10 anos atrás, o pessoal curtia muito na Vila Miranda, Racionais, Face da Morte. As músicas falavam do cotidiano, tipo assim, os cara brincavam, né 'liga nóis, qualquer coisa liga nóis', como se o Racionais tivessem falando. 'Liga nóis, qualquer coisa você pode ligar nóis que nóis ta preso, mas não ta morto não, nada se acabou, qualquer coisa liga nóis que nóis ta sempre aí em contato'. É isso aí, o cotidiano.

Já morou na favela da Marinha, Pólo Centro, Jd. Carimã, de aluguel em aluguel ia pra todo lugar da cidade. O bairro que morou por mais tempo foi na Vila Miranda. “Eu já saí várias vezes, morei no centro pra tentar ser independente, aqui é a casa da minha mãe. Tentar ter independência financeira, ter onde morar, ter mais liberdade, né, como homem. Saí por 3 anos, voltei, saí de novo, voltei. A primeira vez que saí tive mais contato com outras pessoas do centro e não quis mais morar aqui. Lá tinha mais liberdade, né, liberdade social e questão de horário, namoro, podia namorar a vontade sem muito problema. Depois de 14 anos morando aqui eu saí e nessas voltas, idas e vindas eu ficava pouco tempo aqui. Me estabelecia, conseguia dinheiro, emprego de novo e voltava pro centro morar. Questão também por causa do ônibus, demorava muito e tal, poder ter mais tempo pra dormir, pra se agilizar, né. Aqui você tem que ser o cara que não dorme, você morar aqui em Três Lagoas, você perde muito tempo com transporte”.

Morando no centro ele começou a se envolver nas ocupações urbanas, primeiro ocupou um terreno próximo à Favela do Cemitério e depois uma mansão próxima do centro da cidade. “Eu não queria uma mansão, eu queria uma casa, se fosse 5 metros quadrados tava ótimo, só pra mim guardar minhas coisas e mais próximo do centro que eu queria proximidade ao centro. Eu não pensava numa mansão, eu pensava em uma casa qualquer onde fosse mais próximo ao centro por questão de trabalho e estudo, só isso. De repente caiu a mansão, eu tinha dois lugares pra ocupar, daí acabou ficando a mansão”. Ele ficou morando lá por quase quatro anos até que teve a reintegração de posse. Não pretendia ficar morando mais por lá, mas sim transformar o local numa associação. “Lá era muito grande, você perde o contato com a realidade, que é essa realidade aqui. Você perde noção do tempo. Eu queria fazer uma ONG daquilo lá, de início eu pensei em morar, mas falei, nossa é muito ruim. Eu não sei como um rico se suporta dentro duma casa dessas, que é muito grande e ele nem utiliza todos aqueles espaços, né”.

Na casa já funcionavam alguns projetos como reuniões, ensaios dos grupos de Rap, oficinas de Break e de Dj. Pensava-se ainda em uma Estamparia e um Estúdio Comunitário. Santiago acredita que a cidade dispõe de poucos espaços que abriguem projetos voltados à população. “Vou te dizer a real, tem alguns espaços, poucos, devia ter mais. Só que é muito aquele jogo político, né, eles querem o fantoche deles lá dentro. Prefeito tal ganha a prefeitura e vai dominar a cidade por 4 anos, ele quer pessoas do meio dele, pessoas que sejam cofiáveis dele dentro daquele espaço, controlando a cultura a favor dele, não a favor da sociedade, a favor de uma mudança de pensamento, a favor de um cidadão mais consciente, e culto, né”.

Se envolveu com o Movimento Hip-Hop no início de 2004 quando conheceu o Cartel do Rap e viu no movimento uma válvula de escape pra poder expressar seus pensamentos, angústias e sentimentos. “Expressar sentimento, expressar o que eu penso, tentar mudar, tentar ter voz, né, tentar se achar, se encontrar, tentar ser útil pra uma mudança social, assim. Basicamente é isso, tentar ter uma voz, falar pra mais de duas, três pessoas, mais que sua família, tentar abordar mais gente. Quando eu conheci o Movimento Hip-Hop eu achei demais, eu queria fazer tudo, só que tudo de uma vez não dá pra fazer. Durante os eventos com a Banca CDR eu tentava dançar pra tentar incentivar alguém, eu fazia isso. Comecei a desenhar pra tentar incentivar alguém que também desenhasse durante os eventos, durante nossa permanência num evento numa quebrada. E cantava também porque eu comecei a escrever e tal, tinha umas idéias legais que eu imaginava que eu pudesse transmitir uma mensagem mais positiva, uma idéia de política, alguma coisa nesse sentido que mudasse alguma coisa na sociedade”.

Antes de se envolver com o Hip-Hop, Santiago já era envolvido com política, com o tempo se distanciou, mas recentemente voltou a militar politicamente. Sobre o Hip-Hop se envolver politicamente ele pensa: “Isso é complicado, né, de comentar. Seria útil se a política fosse útil pra população em si, pra sociedade, pro contexto social mesmo, pra melhoria. Eu conhecendo a política, participando também a gente vê erros, a gente vê falhas, a gente vê favorecimentos. Se a política fosse honesta, né, mesmo o pessoal de esquerda, tivessem boas intenções, se estivessem mesmo realmente interessados em ajudar o social, em ajudar a comunidade, seria bom esse direcionamento. Mas apenas direcionamento, não querer dominar, não querer influir muito, deixar o movimento Hip-Hop livre, como é, como eles conquistaram essa liberdade de pensamentos e de atos. O Movimento Hip-Hop sabe o que quer, mas não sabe como agir, como realmente interferir nesse contexto”.

Sobre os militantes do Hip-Hop que estão se candidatando para cargos políticos ele acha que: “Eles não sabem no ninho de cobra que estão caindo. Eu mesmo tenho uma pira assim de querer entrar, mas você raciocina muito antes de qualquer coisa. Se candidatou, beleza, ganhou, depois que ganhou ele com certeza vai ser influenciado, vai ter os braços atados, porque você fica restrito em qualquer ação, em qualquer pensamento, é acordo atrás de acordo e é isso, é um ninho de cobra”.

Movimentos sociais e governo Lula.

“O próprio Lula, ele tinha um pensamento de mudança, teve boas idéias, teve boas ações, teve boas parcerias assim, digamos do pessoal de esquerda, mas acabou se corrompendo, acabou se invertendo as coisas. Ele pensava que sendo presidente ele teria mais voz dentro da política, mas desde os vereadores os interesses deles até os senadores e vai do baixo pro alto um jogo mesmo de mesquinhagem, de dinheiro mesmo, interesse de quem vai ganhar mais daquela fatia daquele bolo que eles estão distribuindo. Foi um governo bom, não que seja o ideal, mas foi um governo que se atentou mais pro lado social, fez melhorias, tanto é que o melhor governo, considerado o melhor presidente do país até então.”.

Foz vai mudar?

“A esperança é a última que morre, né, a gente se desilude, eu mesmo to num momento de desilusão total, de reflexão, a gente dá um passo pra frente e dois passos pra trás. Tem todo o potencial para que seja alto sustentável no turismo. Vai ter o tráfico e tal. Não sei te dizer a influência assim, isso é triste de falar, o tráfico vai ficar na cidade, mas a cidade poderia ter auto sustentabilidade na questão do turismo, na questão do próprio comércio e tal”.
“O mal da cidade é o ser humano que vive nela. O sistema, ele se enraizou de tal forma que inverteu totalmente os valores e poucas pessoas tem o pensamento de 'Pô, isso aí ta tudo errado. O que mais vale é o meu sentimento, meu olhar perante a você, a minha idéia de amizade, não a minha idéia de interesse, de amizade pelo que você tem, eu vou ser seu amigo'. Isso pra mim não são valores, o que é valor é o sentimento, é o aperto de mão verdadeiro, então o sistema se enraizou duma forma que hoje as crianças já sabem 'vou ter meu amiguinho porque ele tem um vídeo game, o amiguinho que tem umas bulitas, né, eu não vou ser amigo, porque pra mim não é interessante ser amiguinho dele, vou ser amigo de quem mais me interessa', é questão de interesse. Em todas as cidades o grande problema é que está enraizado o sistema mesmo, não que seja o ser humano em si, mas é a porra do sistema agindo diretamente no pensamento, no raciocínio, na forma das pessoas viverem, na forma das pessoas agirem”.

Morar em Foz

“Gosto, é uma cidade legal, uma cidade que eu me adaptei, uma cidade que eu conheço os lugares, uma cidade que eu me conheço nela, eu me reconheço. É agradável caminhar pelas ruas que você sabe os nomes e sabe onde ta, sabe o nome dos bairros, o caminho de todo lugar, vielas, sabe onde vai dar, qual amigo ta naquele bairro”.

Continua na próxima edição do fanzine...

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