segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

TEMPLO DO HIP-HOP

Hoje o Templo é a Rua (Por: Eliseu Pirocelli)


Wesley e Deley de Acari na antiga sede do Templo do Hip-Hop

Numa tarde de sábado de sol forte em Acari, RJ, militantes do movimento Hip-Hop carregavam as caixas de som e os equipamentos para o evento que aconteceria logo no final da tarde, a partir das 19:00hs. O evento intitulado “Tudo Isso na Rua” faz parte de uma série de atividades organizadas pelo Templo do Hip-Hop em Acari. A noite prometia muito som de preto com Rap, Reggae, Funk, Soul, a presença dos funkeiros Mc Pingo e Mano Teko do Movimento Funk é Cultura e APA Funk e dos Mcs DelírioBlack e Mano Zeu do Movimento Hip-Hop.

O Templo nasceu com o intuito de ser um espaço físico com a prioridade de produzir e difundir a cultura Hip-Hop na comunidade de Acari. Com o projeto Quinto Elemento passou a oferecer oficinas de Grafite, Break, Dj, Ritmo e Poesia. O projeto visa a integração cultural e artística com as mais variadas artes e culturas, sejam elas populares ou eruditas e conta com três campanhas permanentes: Prevenção de DST/AIDS, Direitos Humanos e da Mulher, Meio Ambiente. Na apresentação do projeto lemos: “Almejamos que o Templo do Hip-Hop seja um espaço de valorização e constante busca pela emancipação da juventude favelizada, para isso pretendemos a curto, médio e longo prazo ter em nossas instalações uma biblioteca, uma videoteca e um tele centro comunitário, uma pequena galeria de artes, um estúdio de produção musical, e uma produtora de eventos e serviços para que assim possamos gerar renda e tornar-mos auto-sustentável”.


Grafite nos muros de Acari

O idealizador do Templo foi Wesley, morador de Acari, conhecido no meio musical e artístico como DelírioBlack. Em 2003 ele realizava junto com Deley (poeta e animador cultural em Acari) um programa de Hip-Hop em uma rádio comunitária da favela. O programa ia ao ar de segunda a sexta e se chamava 5º Elemento. Quando essa rádio foi fechada os dois passaram a realizar palestras e oficinas da palavra nas escolas localizadas no entorno da comunidade. Com a falta de recursos o projeto ficou com as oficinas comprometidas e passaram a realizar somente palestras e mostras de Hip-Hop. Daí nasceu a necessidade de se criar o Templo.

Wesley é natural de Pirapora e passou boa parte da sua vida transitando entre Rio e Minas. É envolvido com o Hip-Hop desde criança, suas primeiras letras de Rap datam do ano de 92/94, mas só em 1997 começou a levar o movimento mais a sério. “Em 2002 foi o ano que tomei uma decisão na minha vida, depois de perder dois irmãos de sangue e centenas de irmãos da rua, hoje o Hip-Hop é a minha religião, ele que me fez ser quem eu sou, ele quem realmente fez minha cabeça, e eu sou eternamente grato a ele, embora tenha sido difícil me dedicar a um trabalho musical”. Atualmente, Wesley está cursando graduação em cinema e militando no Coletivo de Hip-Hop LUTARMADA, um coletivo que busca o Hip-Hop engajado com a luta social. Através do coletivo está se integrando com os movimentos sociais que estão na luta, como o MST, Rede de Comunidades Contra a Violência, organizações de direitos humanos e muitos outros.



Apresentação dos alunos das oficinas em Acari

O Templo sempre teve dificuldade de espaço e apoio, por falta de recursos, inúmeras vezes as oficinas ficaram paralisadas, mas continuaram com atividades aleatórias. Uma delas é o evento Tudo Isso na Rua. Nessa edição, além das apresentações musicais, teve uma exposição do artista plástico Eduardo Marinho, um arteiro que busca com seus desenhos conscientizar e sensibilizar o povo para uma tomada de consciência e libertação contra o sistema capitalista. Contou ainda com exibições de curtas metragens. Recentemente o Templo do Hip-Hop se instalou na Escola de Samba Favo de Acari onde realizou um projeto de cinema intitulado: “Mostra da Favela” que visa discutir e debater como a favela é mostrada no cinema nacional. “O Favo é uma escola de samba nova, um bebê, ainda não tem nem 10 anos mas, já ganhou todos os títulos que disputou, como é uma escola que ainda ta fora da mega-industria, ela é comunidade pura, e trabalha nos seus enredos temáticas significativas”, diz Wesley, que vê no Samba e no Funk a maior identidade cultural do povo favelado do Rio. “Lá no Favo tem um pequeno cinema, assim como a música, o cinema é comunicação pura, só que ele tem sido usado pela lógica do capital, precisamos fazer o nosso cinema, contar as nossas histórias do nosso ângulo, com o nosso ponto de vista, e mais, protagonizar a nossa história, isso é mais que formação, é democratização e informação circulando na horizontal, e a serviço do povo, pois só a comunicação liberta”, conta Wesley que atualmente trabalha como correspondente da Metrópolis, uma televisão alternativa da Holanda.


Oficina da Palavra

É da Holanda que veio a dupla de Djs “Pum Pum Punani Dj's” para participar do evento. A dupla holandesa Crista e Marth são conhecidas na comunidade pelos projetos sociais que desenvolveram em Acari, e aprenderam a arte da discotecagem através das oficinas de Hip-Hop ministradas pelo Dj Izaías no Templo do Hip-Hop. O gênero musical que elas escolheram foi o Reggae, bastante difundido na Holanda e que faz a cabeça da juventude.
Apesar do nome, Wesley diz que o Templo não tem nenhuma relação com o Rap Gospel ou com a igreja.
Ele não discrimina os irmãos, mas tem críticas às igrejas neo-pentecostais por sua passividade diante dos problemas sociais. O Templo já teve suas instalações na Associação de Moradores de Acari e no Favo, mas atualmente está sem nenhuma sede. “Quando o Templo era um espaço físico, tinha eu, o Deley, e mais uma galera do LUTARMADA, agora geral faz parte, desde o barraqueiro que empresta uma escada pra ligar a luz, da tiazinha que costura um tecido pra servir de tela, a menorzinha que cola na banca as altas da madruga pra participar das atividades e orar o santo rap nosso de cada dia”, conta Wesley.


Pum Pum Punani Dj's

O evento Tudo Isso na Rua teve a organização do Templo e o apoio dos coletivos de Hip-Hop LUTARMADA e Cartel do Rap. Foi em um clima de muita união entre as culturas diversificadas que a luz do sol deu lugar à luz da lua e as apresentações rolaram madrugada à fora. Pudemos observar os moradores na rua, alguns sentados do lado de fora de suas casas desfrutando do que a rua em movimento pode nos oferecer. Como disse o “missionário” Wesley:

“Hoje o Templo é a rua. Na verdade a rua sempre foi o templo dos loucos e do Hip-Hop”.

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