sexta-feira, 12 de setembro de 2008

NOVELA DA VIDA REAL

Mais um Cidadão José Cap. 30

- “Carái”!!! Que fita!!! - pensou José.
O gambé Farias estava ali na sua frente. Vai revista-lo e encontrar o envelope com suas fotos e seus dados. Como José vai explicar isso ali. Certamente será algemado, levado pra um lugar sombrio e torturado até falar a verdade, ou até a morte. José pensou que se estivesse com o revólver talvez atirasse contra a viatura e correria pra quebrada novamente em busca de reforço. Mas ele estava descalço, nem canivete tinha. Só um envelope e 3.000 reais na carteira. Só tinha uma opção, subornar os policiais e não deixar que eles vissem o envelope. O policial que estava junto com o soldado Farias desceu da viatura gritando:
- Não precisa nem falar, né?
Engatilhou o revolver apontou pra cabeça de José e gritou novamente enquanto caminhava até ele:
- Mão na nuca. Não se mexe, não tenta nada.
A sacola que estava na mão de José, agora estava nas suas costas e os policiais podiam vê-la. O gambé chutou suas pernas afastando-as e começou a revistá-lo. Enquanto revistava falava asperamente:
- Cadê o fragrante vagabundo? O que você jogou ali na grama quando viu a viatura? Porque você tentou fugir? Vamos, fala.
A cada pergunta dava um soco em uma parte do corpo de José. Ao ver que ele estava desarmado, deu um soco forte na barriga e voltou a perguntar?
- Cadê o canhão? Onde você dispensou?
Ele pegou a sacola da mão de José. Sentiu que estava leve. José abriu a boca para falar algo, tentar fazer um acerto, mas a voz não saiu. O policial pediu sua carteira para pegar seus documentos e puxar sua capivara. José tirou a carteira do bolso
“Porque pediu a carteira e não os documentos? Que filho-da-puta”, -
Perguntou-se José. “Agora o coxinha vai ver o dinheiro na carteira”.

Entregou a carteira para ele. Nesse momento o celular do Soldado Farias começa a tocar. O toque do celular era a trilha sonora da abertura do programa policial Naipi Aqui Agora. José ficou imaginando no dia seguinte a manchete do programa: Bandido é morto após entrar em confronto com a polícia. Em Foz do Iguaçu, manchetes como essas são comuns nos jornais. Mas ninguém comenta o fato de esses assassinatos cometidos pela polícia serem praticados por tiros a-queima-roupa, tiros na nuca à alguns centímetros das vítimas, tiros nas costas, etc... Nos noticiários sempre aparece como confrontos. Segundo esses noticiários, os supostos “bandidos” a maioria entre 18 e 25 anos de idade e muitos sem antecedência criminal são abordados pela viatura da polícia; sacam armas e saem em fuga efetuando dispapros. A polícia atinge os “ladrões” em “legitima defesa”, para salvar a própria pele. Os tiros são em regiões letais, cabeça, tórax, regiões do peito. Nos laudos do IML mostra que os assassinatos foram cometidos com tiros a-queima-roupa, pois deixam área de chama, com marca de pólvora e áreas de esfumaçamento. Essas marcas só aparecem no corpo dos cadáveres quando o tiro foi a uma distância de no máximo 20 cm. Resumindo: “a maioria foi executada” e não morta em confronto como diz a polícia.
O gambé estava abrindo a carteira de José quando o Soldado Farias atende o celular:

- Fala que eu te escuta.

- Aquela lá já ta encima.

- Entendeu. To indo praí.

- Firmeza, vou ficar no aguardo.

Farias chamou o seu parceiro e disse olhando pra José:

- Deixa esse merda aí. Bora lá, temos coisas mais importantes pra resolver.

O policial jogou a carteira de José no chão, entrou no carro e saíram em disparada. José pegou sua carteira e tirou dinheiro pra pagar a passagem, o ônibus estava encostando no ponto. Quando sentou no banco sentiu um alívio, mas logo passou, percebeu que o gambé havia levado a sacola.

Dentro da viatura, o soldado jogou a sacola no banco de trás. Nem quis ver o que tinha dentro. Poderia ser documentos importantes para José, currículos ou qualquer outra coisa que pra outra pessoa não teria serventia nenhuma. Ele até devolveria a sacola, mas esqueceu e não voltaria ali só para fazer um favor pra “um merda qualquer”. Pegou a sacola do banco de trás, deu uma olhada pra ela e jogou pela janela.

José desceu do busão na sua quebrada. As ruas ainda estavam vazias, em alguns minutos estava em casa. Tirou o pisante e a camisa, foi até uma gaveta e tirou o treizoitão. Enquanto manuseava a arma ele lembrava do policial falando: “deixa esse merda aí”. Viu nos olhos do gambé a face mais sombria do ódio. Como eles podem ter tanto ódio de quem eles nem conhecem? Pensou José, enquanto girava o tambor do calibre. José lembrou que uma mão dentro do busão havia dois rapazes conversando sobre repressão policial. “Eles prendem os malucos, mas na verdade quem está preso são eles mesmos. Presos dentro de um sistema, dentro de uma viatura, de uma farda. Enquanto os seres-humanos normais estão por aí vivendo, namorando, jogando futebol, curtindo, eles estão nas ruas levando tiro; matando e morrendo”. “Eu sou a favor da desmilitarização da polícia. Esse negócio de botar terror na população está errado. Polícia militar é treinada pra agir contra terroristas, sua escola é a mesma escola da ditadura militar que fez tanta desgraça. Torturou pessoas inocentes, matou e criou uma legião de desaparecidos, queimados, mortos e enterrados em cemitérios clandestinos. O povo não é terrorista. Essa polícia treinada para agir contra terroristas, está nas ruas e usam seu treinamento pra agir contra o povo”. “Eu concordo. Pra mim polícia tem que ser é psicólogo. Segurança é igualdade Social”. “A coisa mais digna que um policial faz é botar fogo na viatura, queimar a farda e ir pra casa cuidar da mulher e dos filhos, abandonar essa vida criminosa e procurar um trabalho que seja útil pra população”.
José estava deitado na cama olhando
pro teto, mergulhado em seus pensamentos. Pegou no sono, a arma escorregou da sua mão caindo sobre o colchão.

Os policiais entraram na quebrada com a viatura. Encostaram na beira de uma rua sem calçamento. O gambé Farias pediu pro outro coxinha ficar por ali que voltaria dois palito. O policial saiu da viatura e ficou olhando pra quebrada lá embaixo e pro labirinto de vielinhas que davam acesso aos barracos. De uma goma próxima dali, um maluco curtia som num volume alto demais pra potencia do aparelho e o som se distorcia com o batidão do Rap. Mesmo assim conseguia-se entender o que a música dizia:
“Falsidade, ambição, maldade aqui é mato / na madruga, barulho de coturno pode crê que é os fardados / na função da missão bem sucedida / troca de tiro com os bandidos, apavora várias famílias / no dia seguinte é desespero, mãe que chora desesperada / vendo seu filho morto pela RONE na calçada” (...).

A canção Zona Sul em Guerra é de autoria do grupo Inimigos da Guerra de Foz do Iguaçu, grupo de rap que narra as crueldades da guerra para que o povo entenda que isso não pode continuar. O gambé ali fora ouvia o som e fazia de conta que não fazia parte daquela história.
O Mano Japão esperava na entrada de um beco.

- Salve, salve chefia.

- Onde tá grana?

- Muita calma, vamos lá buscar.

O gambé Farias seguiu o Japão até um barraco no fim da viela. Entraram no barraco e o Japão pediu para ele sentar-se que ia buscar a maleta em um dos quartos. O Japão entrou no quarto, pegou o celular e deu um toque pra um maluco. Alguns segundos depois dois homens armados enquadram o gambé que ficou do lado de fora. Farias percebeu a demora do Japão e se levantou. Antes de sacar a arma sentiu o cano de uma doze roçar sua nuca.

(Lizal, na próxima edição mais um capítulo).

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