segunda-feira, 7 de setembro de 2009

AS MUITAS FACES DE FOZ DO IGUAÇU (Por Danilo George e Eliseu Pirocelli)



DJ CAÊ E a Cena Underground Iguaçuense.



Carlos Eduardo Traven, mais conhecido como Caê, tem 27 anos, nasceu em Foz do Iguaçu e cresceu no bairro Jd. Tarobá que antigamente era chamado de Cohapar I. Teve uma infância normal, muito contato com terra, por causa do quintal em casa, brincava na rua, sempre ia no domingo na casa dos primos que moravam em outro bairro. Andava muito de bicicleta, subia em árvore, no pé de ameixa que tinha em sua casa, em pé de goiaba. Foi uma infância como a das demais crianças da época, fazia guerra de mamona, ia no mato pegar laranja, roubar melancia em uma chácara que tinha perto de sua casa.

Seu primeiro emprego foi de atendente de locadora, trabalhou numas três. Trabalhou também de atendente de fliperama vendendo fichas. Mais tarde foi trabalhar no Paraguai de vendedor numa loja de videogame e quando retornou pra Foz trabalhou na Pernambucanas por um tempo, depois no PTI, na Web rádio do PTI. Teve contato com a música quando trabalhou na pirataria no Paraguai, vendendo cd pras lojas. Levava pra casa os cds que lhe interessavam e começou a montar o seu acervo. Caê trabalhou ainda por um ano no Amarelo Skate Boards como vendedor, uma loja que vendia roupas e artigos para skatistas. Isso o influenciou a mais tarde montar a sua própria loja, a UHURU que vendia roupas e acessórios, atendendo a galera underground de Foz.

Caê começou a ouvir rap quando tinha uns 14 anos e uma proximidade com o skate: “Uma galera andava de Skate e o pessoal gostava muito de Rock e eu também, e ouvia muito Hardcore. Aí tivemos contato com as músicas do Cypress Hill, Beast Boys, que era um som de Skate anos 90 e a partir daí eu conheci o Rap. Passando um tempo mais, através dos meus primos que eram mais velhos eu tive contato com um cedezinho Holocausto Urbano do Racionais. E a partir daí as coisas foram se dando, foi tendo grupos nacionais, Thaide e Dj Hum, o próprio Planet Hemp na época não era Rap mas teve uma grande influência por causa dos Djs, tudo. Então foi a partir dessas influências que eu fui construindo a base, pesquisando, e aí veio o bum do rap nacional também, então a gente foi pegando um pouco de cada coisa e foi ouvindo”.

Ele acredita que o Hip-Hop na cidade começou no final da década de 90. “De 1996 a 1998 foi quando a gente começou a criar as raízes pra ser o que é hoje”. “Rap nessa época não tinha, mas tinha bandas de amigos Skin of Rate que fazia um lance Rapcore, assim, era a banda do Titi, do Adriano, Toninho. Eles tinham mais essa pegada Rap, mas não era o Rap propriamente porque tinha banda, mas é daí que veio até o próprio contato com o Cypress Hill, que eu te falei, essas coisas assim. E aí isso foi começando, tinha uma galera que fazia Funk, até o próprio Kanibal que era meu parceiro do 0.1, eu sabia que ele cantava Funk, esses funks que fizeram muito sucesso antigamente”.

Seu envolvimento com o Hip-Hop deu-se nessa mesma época através do contato com essa galera. “O Hip-Hop veio pra mim como uma salvação, porque eu andava no meio da galera que tinha banda, o pessoal, a maioria tocava algum instrumento, cantava, eu sempre tava no meio mas eu nunca tive muita vontade de aprender a tocar instrumento. Eu sempre via nos clipes de Rap o lance do Dj, desde pequeno eu sempre ouvi muito som em casa, samba, música sertaneja, minha mãe tinha uns discos, então eu sempre brincava nos toca-discos de casa assim. Na época da escola quando tinha festinha eu sempre levava um 3 em 1 da CCE que eu tinha pra fazer um som, então já veio uma coisa meio que natural. A partir do momento que eu tive a oportunidade de participar de um grupo que era o Enquadro Verbal, aí tinha o Rafael, um brother que comprou 2 toca-discos Gemini lá do Paraguai, aí todo mundo queria cantar, ninguém queria tocar, aí eu falei 'não, eu vou ser o Dj' aí comecei a comprar discos, pude ir pra São Paulo algumas vezes, trazer discos de base, ensaiava alguns scratches assim. A partir daí eu decidi: 'vou ser um dj, Dj Caê'. Nunca gostei de ser Dj na verdade, porque Dj eu acho que é uma palavra que é assim muito forte, né meu, mais tarde eu adotei o Selector”.



Através de seu trabalho no Paraguai, na época que trabalhou com pirataria de cd, teve acesso a muitos sons, o que ajudou muito em suas discotecagens. Aprendeu a mexer nos equipamentos vendo vídeos e apostilas. “No começo começou a Noite do Hip-Hop no Amarelo que a gente fazia lá também, tinha um toca-discos, um mixer e usava disc-man pra discotecar, então tinha muito cd e pouco vinil. Acho que até hoje o problema que a gente encontra na cidade é isso, não tem uma loja especializada em vinil pra galera que é adepta assim poder ta comprando vinil de base, vinil de grupo. A gente fazia com disc-man, mais tarde, claro a gente conseguiu adquirir CD J, um equipamento um pouco mais profissional, mas no começo era 2 disc man, um toca-discos pra fazer scratches, um mixer, e vamos embora, vai que vai”.

Caê acredita que o Skate e o Rap sempre caminharam lado a lado. No ano 2000 em Foz teve o show do SNJ e do Da Guedes pra inaugurar a pista de Skate. “Então, não só aqui em Foz, mas no resto do Brasil todo até nos Estados Unidos o Skate tava bem rap, que até era chamado Skate Rap, assim, calça larga, o movimento Street tava bem forte, então vários grupos influenciavam a galera que curtia skate. Mas é bom lembrar que o Skate sempre foi ligado com o Rock, é o que a gente mais vê hoje em dia, mas o Rap e o Skate foi o que direcionou pra gente ser o que é hoje, as influências tanto nas vestimentas quanto na sonoridade”.

No ano 2000 cria junto aos parceiros do Hip-Hop o MH2I. A sigla significa Movimento Hip-Hop Iguaçuense e nasceu da necessidade de organizar o Movimento Hip-Hop da cidade. “A intenção era juntar os 4 elementos que faziam parte da cultura mas que no momento não estava presente na cidade e era promover a ação da cultura Hip-Hop, né meu, fazer com que aparecesse mais DJs, mais MCs, Grafiteiros, B. boys e organizar uma parada mesmo pra fazer o negócio funcionar. Era uma coisa que fazia parte quem queria, a gente passou a idéia pra algumas pessoas, algumas pessoas vinham com a gente na idéia”. A partir do MH2I foram organizados alguns zines explicando o que era o Hip-Hop em si, a sua origem e foram organizadas muitas festas. Outra iniciativa foi os programas de rádio: “Tivemos a sorte de aparecer as rádios do Paraguai aí mesmo com horário pago, coisa que as rádios de Foz nunca fizeram. Não foi por falta de procurar, a gente procurou AM, FM, mas nunca se teve um espaço pra se fazer um programa de Rap. Rádio Comunitária a gente até tentou uma vez através do MH2I buscar umas parcerias mas é uma coisa que por causa das rádios FM é uma coisa praticamente impossível. No Brasil na verdade é praticamente impossível você começar uma rádio comunitária, porque a rádio comunitária ela atende primeiramente a comunidade que é mais carente de informação e que não tem acesso aos meios. Então quem tem acesso não quer permitir jamais que o povo consiga chegar a um canal como é uma rádio, um canal de radiodifusão, uma televisão, porque se a gente conseguir chegar a gente vai revolucionar e não é isso que eles querem. Então o MH2I veio com esse intuito de promover a cultura, a gente organizou algumas ações, shows, festas, zine, era pra isso assim. Na verdade uma semente que foi lançada e ela floresceu em algumas pessoas e em alguns locais, de repente em outros nomes mas que vinha com aquele radical que vinha da vontade de difundir a cultura Hip-Hop em todos os seus expoentes aqui em Foz do Iguaçu”. Os encontros do MH2I se davam nos sábados a tarde na praça Naipi, nas Quinta do Hip-Hop no Verdega, nos ensaios na casa do Kanibal, onde a galera se reunia pra ouvir som e trocar idéia, na rua, na Pista do Amarelo e na Pista pública de skate.

Juntamente a isso tudo surgiu o grupo Zero Ponto Um. “Então, o Zero Ponto Um é um grupo que veio na minha vida assim, meio que como um presente mesmo. O começo era em 10 pessoas, a gente montou o Enquadro Verbal, um grupo que tinha 10 pessoas, várias influências, naquele momento a gente queria fazer, não sabia como e reunimos todo mundo pra fazer. Na verdade o Zero Ponto Um antes de ser Zero Ponto Um ele foi Atitude Consciente, que era o Kanibal e o Caê, no caso eu. A gente ficou com esse nome, depois a gente descobriu que existia outro grupo em outro lugar do Brasil usando esse nome. A gente tava no ano 2000 indo pro ano 2001 e a gente com várias idéias na cabeça, virada de século, a gente falou 'meu, vamos pegar esse 0.1 aí, 2000, 2001, esse ponto vai ser a divisão de quando a gente se encontrou pra gente poder fazer essa história'. E é legal também, uma pira assim, o lance do ano 2000 todo mundo falando muito de informática, a nova febre do momento, linguagem binária, o computador até hoje é 0 e 1, a gente queria ser alguma coisa que quebrasse esse sistema, por isso o ponto, porque o computador não lê o ponto, ele lê só o 0 e o 1, intervalo e repetição. Então a gente falou 'vamos colocar esse ponto que é uma coisa que vai quebrar o sistema' mas não é quebrar no intuito de causar o mal, é colocar o sistema pra trabalhar em uma outra velocidade, pensar nas coisas, né. A gente vinha retratando e relatando o nosso cotidiano aqui na cidade, né. Tinha umas coisas que a gente via ao vivo e as coisas que a gente ouvia chegavam de fora, a gente sempre teve essa preocupação de fazer uma música Rap voltada pra Foz do Iguaçu, nunca tivemos a pretensão de estourar nacionalmente, mas a gente teve a idéia de levar o som pra galera que tava do lado da nossa casa, que tava no ônibus com a gente, na escola. Daí que veio o Zero Ponto Um, dessa vontade de fazer um rap com a cara de Foz. Aqui por exemplo nesse lugar que a gente ta agora (Praça Naipi) foi um dos muitos lugares que a gente começou a fazer o ensaio aberto, né. A gente trazia a caixa de som, o Kanibal morava na Vila Cláudia, eu moro aqui perto, a gente vinha, trazia a caixa, trazia uma mesa, toca-discos, fazia uma roda de freestyle, fazia o ensaio dos nossos sons, a galera sentava aí. E foi daí que começou o Zero Ponto Um, essa época aí”. Em 2002 entra no grupo o Rodrigo Mc. Mais tarde entra o Fábio quando o Kanibal vai embora pra Argentina. Durante a sua trajetória o grupo se apresentou na Fartal, em rádios, em várias quebradas, em Campo Mourão, Cascavel, Curitiba. e gravaram um Cd com 4 músicas. Foi o primeiro grupo da cidade a gravar.

Hoje Caê mora em Curitiba, sobre sua saída de Foz ele diz: “O que me fez sair de Foz é a vontade de continuar com meu trabalho. Eu gosto de discotecar, em Foz já fiz muita festa, o pessoal conhece o trampo, mas não é a mesma coisa, não dá pra você sobreviver com isso. E eu particularmente quero sobreviver com isso, através da música, pesquisando a música em um lugar e tocando a música em outro lugar, fazendo com que as pessoas conheçam, assim. Então hoje eu to em Curitiba, amanhã não sei onde eu vo ta, eu vou pelo som, selecionando sempre o som, por isso Caê Selector. E se tiver que ta aqui, vo ta aqui, já é”. “Então, pra falar a verdade eu nunca procurei viver só do Hip-Hop, do movimento, nunca fiquei nessa ilusão de viver só disso. Porém hoje em dia eu toco, não só Rap, mas outras músicas e vivo só disso, mas no passado eu nunca tive a ilusão, apesar de querer muito eu nunca larguei as bets e fui só mexer com Rap pra sobreviver porque é muito difícil, eu tive essa ciência”.

Pra Foz melhorar.

“Pra Foz melhorar o que falta é a adminis-tração pública direcionar mais as ações pro social, né. Pra cultura, pra saúde, pra infra- estrutura da cidade, de uma maneira que fique bom pro morador de Foz, não pra quem vem pra Foz, porque até então eles se preocupam muito em deixar a cidade boa pro turista, mas não se preocupam tanto pra quem ta aqui, né. Eu acho que uma melhor infra-estrutura pras pessoas, mais informação, mais cultura, investir na qualidade de vida dos moradores, dos diferentes bairros. Fazer com que as pessoas sintam e gostem de ta morando aqui, tenha aqui como realmente seu lar, a extensão da sua casa. Aprendendo o lance do lixo na rua, o lance da educação, respeito, fazer com que a qualidade de vida da cidade melhore, assim. Isso vai fazer com que a cidade fique, com certeza, melhor habitável”.

Integração Latino-americana.

“Eu tenho muitos amigos no Paraguai, mais no Paraguai do que na Argentina, mas o que a gente tinha que fazer aqui na tríplice fronteira é o triângulo virar um círculo, fazer com que as pessoas do Paraguai saibam o que ta rolando na Argentina e o que rola em Foz e o que rola lá. Porque até então, assim desde pequeno é passado pra gente que o Paraguai é uma cidade onde você compra tudo pirata e que é só aquilo ali, e não, é um país muito rico de cultura, o povo é muito hospitaleiro, assim. É só as pessoas se ligarem e fazer o triângulo virar um círculo mesmo, né. A mesma coisa pra Argentina que é um puta país também. Essa integração vai partir da sociedade, da mocidade, da juventude, porque as pessoas mais velhas infelizmente já viveram seu tempo e já não tão mais preocupados. Então a gente que ta aí que pode fazer alguma coisa tem que procurar integrar, procurar fazer o intercâmbio e fazer com que a fronteira seja só uma fronteira no nome, assim, mas que não haja fronteira pra gente poder ir, voltar e eles virem e conhecer a riqueza cultural dos três países que é muito grande. Então tem que fazer o triângulo virar um círculo mesmo. Aí já é”.

2 comentários:

Caê Traven disse...

valeu familia !

muito obrigado pelo espaço !!!

paz e positividade sempre !

é nóis de foz !

alan disse...

Só oque falta em foz mesmo é uma boa infra-estrutura... e trampo pra nois de foz...
infelizmente eu sai de foz por causa disso TRAMPO MANO... ta foda..

saudades desse lugar ae...
minha casa, meu lar...

abraço ae a galera de foz...