segunda-feira, 15 de junho de 2009

AS MUITAS FACES DE FOZ DO IGUAÇU (Por: Danilo George e Eliseu Pirocelli).

Aluízio Palmar e a sua trajetória de luta (Continuação da edição 48)

Segundo Aluízio Palmar não foi somente a história brasileira que foi silenciada, nossos vizinhos e irmãos paraguaios também passaram por um cruel processo de esquecimento, acompanhe:

“Em 1980 eu estava voltando ao Brasil, eu recebi informação que em Caguaçu-PY explodiu um movimento guerrilheiro, ninguém sabia o que acontecia, naquela época era um país fechado neh, mas eu tinha alguns canais e fiquei sabendo, e detonei essa história pro mundo. Primeiro mandei pro correio de notícias, falei com o Fabio Campana, disse a novidade e falei faça a matéria urgente, aí depois juntei as informações que eu tinha e fui pro correio. Cheguei e fui direto pro telex, nunca havia mexido no telex, escrevi lá maior dificuldade e mandei, foi capa do correio de notícia. Aí o Estadão manda repórteres aqui para a região e desmente a notícia, mas aí o Le mond publica a notícia e explode na Europa e tudo isso aconteceu”. “Mais tarde quando eu olho nos arquivos da PF, eu descobri que essa ação repressiva teve participação do serviço secreto da ITAIPU, que investigou o Sento Lyon que foi líder do movimento da guerrilha do Paraguai, que eles tomaram um ônibus, tiveram confrontos com um exército na região de Caguaçu, morreram doze que até hoje não foram descobertos os corpos, são os desaparecidos do Paraguai”. “Uma menina de doze anos foi presa como uma agente internacional do comunismo, ela mora aqui em Hernandarias-Py, não sei quantos anos tem hoje, eu tenho a ficha dela, fichada com a fotinha com a carinha de criança. Por que ela participou de um movimento e ITAIPU investigou toda essa movimentação um ano depois. Veio aqui pra Foz um repórter da ISTO É, e foi lá no serviço de relações públicas de ITAIPU pedir por uma pessoa, um funcionário da ITAIPU, aí o repórter falou que esse funcionário tinha envolvimento no movimento de Caguaçu dizendo que ele conhecia o que aconteceu lá, essa simples visita de um repórter para falar com esse funcionário, gerou um inquérito e esse cidadão que foi procurado, sofreu uma baita investigação, investigaram ele a família dele, todas gerações, ele foi exonerado. E ele não tinha envolvimento nenhum com o negócio, o que aconteceu, ele era ligado a Igreja progressista, e por esse envolvimento foi transferido a cacete pelo serviço secreto da ITAIPU”. “Toda essa história está documentada no arquivo aqui da Polícia Federal, em plena ditadura surgiu um movimento bem forte aqui do lado, e ninguém aqui falou desse movimento, mas no Paraguai hoje esse movimento é história, o arquivo do terror tem bastante documento sobre esse fato, eu acredito que o arquivo de ITAIPU no Paraguai está inteirinho lá, tem certeza do documento desse fato, é um fato histórico!”.

Ao falar da sua geração é nítida a emoção em seu semblante.

“Minha geração passou por momentos difíceis, veja bem, nós tínhamos um farol que era a União Soviética, mas de repente em 1966 nós tiramos todas as nossas dúvidas em relação à União Soviética, tivemos grandes decepções com o bloco socialista. Quando teve a Primavera de Praga, nós éramos internacionalistas, quando as tropas da União soviética invadem a Tchecoslováquia e o povo Tcheco é reprimido pelas tropas da União Soviética, e quem saiu as ruas para protestar fomos nós, quem pichou os muros de solidariedade com os Tchecos fomos nós dissidentes. Por que nós éramos antes de tudo libertários, e foi essa visão libertária que nos conduziu, a gente não tinha uma formulação teórica a um regime que iria substituir a ditadura, nós sabíamos que pra substituir a ditadura teria que ser um governo socialista, mas um governo socialista onde se implante a liberdade, justiça e paz para os trabalhadores, e que os funcionários da ditadura, toda essa elite repressiva não teriam essa liberdade, a liberdade era pra avançar, progredir e pra distribuir renda; liberdade para democratizar a saúde, educação e a terra, essa era a nossa visão de formulação, mas pra chegar lá era preciso passar por muita luta, difusão, levaria muitos anos pra chegar ao estado que a gente tinha idealizado”. “Nós tínhamos consciência, pelo menos às dissidências, e mais tarde o PCR adotou a mesma postura, nós não queríamos para o Brasil um regime segregado igual o da União Soviética, nós buscamos um socialismo real, nós não éramos seguidores do Partido Comunista Soviético, nós éramos seguidores da nossa consciência. Não fomos financiados em momento algum nem pela Coréia, Cuba, União Soviética, nem por ninguém; pelo contrário, parte do dinheiro do cofre do Ademar de Barros que eram 12 milhões de dólares, foi para a Argélia ajudando o movimento Argelino a erguer a Argélia que tinha recém se libertado da França, a gente aqui estava passando por uma derrota violenta então passamos o dinheiro pra lá”. “A gente quando precisava de dinheiro pra financiar a Revolução, fomos buscar o dinheiro dos bancos, fomos expropriar bancos, nós fomos tomar lá o cofre do corrupto governador de São Paulo, essa era a nossa visão da época, nós não queríamos dependência em hipótese alguma, essa era a visão da dissidência, não era a visão do partidão, nem do PC do B. O PC do B tava atrelado à China, Albânia e não sei o que, nós não, nós éramos uns bichos meios esquisitos sabe, nós éramos, sobretudo rebeldes, mas com causa, não com concepção teórica e sabíamos que não queríamos nenhum tipo de atrelamento com algo do exterior, nada disso”.


Aluízio desabafa ao falar como a grande mídia põe os jovens e lutadores que enfrentaram a “ditabrava” Brasileira.

“A idéia que a direita brasileira tenta fazer é de que os comunistas eram terroristas, a tirania sempre nos chamam de terroristas, são assim com todos que se levantam contra ela, nós éramos taxados de terroristas, você pega manchetes de jornais noticiário da imprensa que ta isso ai lá”. Ao ser questionado sobre a revolução ele aponta o corte que foi feito naquele período analisando a América Latina como um todo, e diz acreditar que hoje essa parte do continente está mais próxima da luta do bem estar social. “A ditadura foi um corte na história, por que olha bem, isso aconteceu também na Guatemala, isso o Che Guevara conta nos diários dele, ele assistiu a queda do Chacoy na Guatemala e isso foi muito importante para o processo de Revolução do Che, que foi um movimento antiimperialista na Guatemala. Aí teve o ataque na Nicarágua depois foi Cuba, esses processos na América Latina e aconteciam também na Ásia. Esses tipos de exércitos na guerra pela libertação nos países, teve uma influência muito grande na formulação de uma doutrina, de uma visão Terceiro-mundista, que era a emergência de países como o nosso aqui em busca de um regime de bem estar social. Claro que alguns privilégios teriam que ser abolidos, pra você chegar ao bem estar social. Não tem como chegar ao bem estar social num regime capitalista, é preciso eliminar a ganância dos bancos, é preciso que se distribuam terras, é preciso que se melhore a previdência social, a massa salarial, se não... pra chegarmos ao bem estar social tem que melhorar a universidade pública, saúde pública, então o bem estar social significa cortar privilégios das elites, mas é um cacete... Então essas idéias viraram Comunismo, mas não era comunismo era a busca de um bem estar social, não só aqui mais em outros países da América latina”.

Nesse contexto de América Latina ele cita a presidência de Jango como um exemplo, sentia na sua concepção que uma mudança estava próxima de ocorrer no país.

“João Goulart tinha uma profunda sensibilidade pra isso aí, o discurso do Jango na central do Brasil no dia 13 de março de 1964, que vai fazer 45 anos. Ele deixou bem claro que pra você chegar à democracia social era preciso abolir privilégios, ele não tinha dúvida disso e estava decidido a fazer isso. Mas um homem sozinho não faz, quem faz é a massa, ele era porta voz do movimento, do movimento operário, estudantil, Camponês, movimento do baixo escalão, do exército, marinha e aeronáutica e dos intelectuais”. “Discutia-se isso sabe, se buscava uma transição e ele, o Presidente, era o porta voz disso daí, e o país estava vivendo nessa coisa absorvendo essa ruptura. Revolução é ruptura e era um momento revolucionário, aonde os marinheiros foram fazer motins nos navios e fizeram assembléia no sindicato dos metalúrgicos, aonde os fuzileiros foram prender os marinheiros, aí os fuzileiros jogaram as armas no chão e aderiram a luta dos marinheiros, para se ter uma idéia”. “Então era um momento revolucionário, mas não era um movimento para implantar um comunismo, era um momento pra se implantar a democracia social, mas era um perigo para o bloco americano estávamos na guerra fria, 'opa!!! Brasil ta saindo da órbita, da disciplina, ta pendendo pro outro lado', o medo deles é que o Brasil virasse uma segunda Cuba. Aí a elite já começou a financiar manifestações contra o Goulart, começou haver escassez de alimento como acontece hoje com a Venezuela, já aconteceu com o Allende no Chile, foi se criando um clima favorável ao golpe, até que veio o golpe e a ditadura”.


Quando questionado sobre o MR8 ele faz questão de frisar que iniciou sua luta como dissidente de partidos.

“Nós éramos a dissidência do estado do Rio de Janeiro, naquela época o estado do Rio era separado do ex-distrito federal, esse virou o estado da Guanabara quando a capital foi para Brasília. Então de um lado da Bahia de Guanabara era um grupo e do outro lado era estado do Rio. Criaram o estado da Guanabara eu não sei por quê, deve ter sido para darem o governo para o Lacerda, só pode ser. Aí depois o estado da Guanabara começou a votar em candidatos para a eleição de governador e depois eles mesmos acabaram com a eleição de governador por que o povo queria o governador que não era do grupo que estava no governo. Nós tínhamos uma revista chamada Oito de Outubro, nós não éramos MR8, nós éramos dissidência. A gente tentou fazer articulação com a Guanabara, mas nós tínhamos uma certa divergência, por que nós éramos foquistas (praticantes da ideologia de luta armada de Che Guevara) ou seja, a gente decidiu não esperar mais, não discutir mais, não construir partidos pois era urgente, as coisas estavam acontecendo, a ditadura se consolidava e construir partido é demorado, a discussão leva anos, séculos e nunca chega. Por que a esquerda por causa de uma vírgula passa por noites debatendo, a gente não podia mais esperar e mesmo assim a gente tentou unificação com o Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul e optamos por outro caminho”. “O Rio Grande do Sul optou pelo caminho do Partido Operário, São Paulo e a dissidência de lá foi toda com o Marighela e a União Nacional, e o Rio continuou como dissidência da Guanabara e nós continuamos como dissidência do estado do Rio e assim ficamos”. “Quando vim pra Foz do Iguaçu vim como dissidência e não como MR8, vim para ser do foco guerrilheiro do Oeste do Paraná que era urgente. Nós fomos a primeira organização do Rio de Janeiro a fazer expropriação, e nós fizemos um desfalque num banco e o dinheiro desse desfalque veio parar aqui em Cascavel – PR e fizemos esse desfalque de cara aberta, panfletando dentro do banco, gritando palavras de ordens e ainda não éramos MR8”.

Aluízio explica a distinção de dois estados no período revolucionário, Paraná e Rio de Janeiro.
“No Paraná eu conheci uma realidade bem diferente do Rio, aqui era campo. Trouxemos a liga dos camponeses do Rio de Janeiro, vieram com a gente um camponês analfabeto de pai e mãe, chegavam aqui para cuidar dos nossos sítios e eles achavam que aqui era estrangeiro por causa do sotaque, era impressionante. Plantamos pessoas de uma realidade em outra, foi um erro nosso mas... (silencio). Vieram muitos da cidade de Campos - RJ de uma realidade Canavieira e aqui era mato não havia planta, soja, nada, era só mato, milho e feijão. Então fizemos um acampamento na região de Ramilandia-PR e lá começamos a nós organizar”.

A recruta de Guerrilheiros

“Nessa época fizemos vários recrutamentos e um deles foi o Bigode Branco que era o Bernardino Jorge Velho, que era sargento do exército reformado. Ele tinha um sítio em Santa Terezinha-PR, esse sitio foi tomado por latifundiários, ele teve a casa queimada e ficou na rua, ele era bastante consciente, ele era o mais velho, nós tínhamos vinte e poucos anos e ele estava com quarenta, nós jovens urbanos do Rio de Janeiro e ele mateiro do interior do Paraná. Ele foi muito útil por que com ele conhecemos a realidade do Paraná e descobrimos essa realidade caminhando, andávamos de Foz do Iguaçu a Guairá-PR, observamos tudo e ficávamos no meio do Parque Nacional em São Alberto, uma vila que acabou, que era uma colônia de imigrantes de Alemães e Italianos. Andávamos por dias, não tinha mochilas, eram sacos de farinha, dormíamos no mato, nas plantações, o dinheiro entrou quando o Mauro Silas saiu do banco e limpou o caixa e trouxe dinheiro com ele. Aí nós compramos um jipe e fizemos todo levantamento topográfico da área. Fizemos mapas perfeitos, o primeiro mapa da cidade de Medianeira-PR foi nós que fizemos, com a localização do quartel, da casa do dono da serraria, do açougue, de tudo. Íamos nas cidades, ora como topógrafos, outra vez
como geógrafos e éramos recebidos pelas autoridades, prefeitos, vereadores (risos) ficávamos hospedado,s éramos verdadeiros artistas”.

A triste realidade do Oeste do Paraná, A luta pela terra.

“Eu não vou dizer que eu conheci toda realidade do Oeste do Paraná, mas uma parte geral eu conheci, e uma realidade cruel, uma verdade de atrocidade a luta pela terra foi extremamente violenta, a posse. Por que as colonizadoras ocupavam de forma organizada a terra, ocuparam com a conivência do governo do estado e da polícia, a polícia era a força do latifúndio. Interessante que no estado de uma forma clara e evidente a polícia era o braço armado do latifúndio, de forma descarada e assim foram ocupando as terras da região, não existia lei”.

“Entramos uma vez numa fazenda em Matelândia e tinha uma indústria lá, e o pessoal vivia sem dedo, braço, não existia direito, eles não sabiam de direito algum, não havia quem falasse com eles sobre seus direitos, Ministério do Trabalho era conivente. A única fez que esse ministério interviu aqui no oeste foi no governo Jango quando o ministro era o Amauri Silva, um paranaense que tentou organizar os primeiros sindicatos rurais da região”.

“Aí o exemplo do seu Stanislaw que morreu no Cidade Nova ano passado. Ele foi preso em Cascavel, foi o primeiro sindicalista rural e não era comunista, ele era um pequeno sitiante e organizou os trabalhadores e quando teve o golpe ele foi preso, o sindicato foi fechado, encheram ele de porrada. Ele foi parar em Piraquara, ficou três anos preso sem processo e foi libertado depois sem julgamento. Stanislaw perdeu o sítio, perdeu a mulher que ficou doida e se matou, e ele morreu indigente no Cidade Nova. Bom... é a luta pela terra”.

Um comentário:

Pablo Braga Machado disse...

Cada vez melhor esse zine. Gostaria de parabenizá-los pela excelente matéria. Admiro muito o Aluizo Palmar. É desses bravos lutadores que morreriam pelo Brasil e por uma sociedade mais justa. Parabéns Danilo, Lizal e Aluizio.