segunda-feira, 15 de junho de 2009

CONTOS, CONTAS, CANTOS E CRÔNICAS (Por: Danilo George)

Vida Nossa de Todos os Dias

Mikael é um jovem norte-americano, oriundo de uma família de classe média daquela terra, estudou Ciências Sociais e Artes Cênicas pela Harvard, apontado por muitos como o grande modelo universitário do mundo. Além dessas formações ele pratica teatro e escreve poesias, esse perfil parece típico de um Nobel, ou daqueles modelos de inteligência e superação liberal, mas podem se tranqüilizar caros leitores, pois o gringo Mikael foi além desse blá blá blá positivista.


Ele chegou ao Brasil em 2005, conheceu o Rio de Janeiro, morou um ano no Recife e lá começou seu trabalho com o teatro, com a convivência com o povo brasileiro foi aos poucos se encantando com aquele país. Ele já não se sentia pertencente a seu país de origem, como um crítico da sociedade capitalista logo percebeu que aquele país do terceiro mundo precisaria do seu trabalho. Assim fez contato com um amigo paulista e decidiu morar inicialmente em São Paulo, conheceu o hip-hop, era freqüentador assíduo dos saraus de poesias da Cooperifa, se envolveu e batalhou para aprender a confusa língua portuguesa. Passado esse tempo vendo que todos o chamavam de gringo, ele se denominou “o gringo que fala” uma vez que boa parte dos estrangeiros que se instalam no Brasil não conseguem falar português, ou simplesmente não se interessam por aprender aquela língua uma vez que consideram o inglês uma língua universal, ele até mesmo nesse sentido pensava diferente pois o público que ele queria conhecer, conversar e se relacionar muitas vezes não sabia ler e escrever sua própria língua quanto mais falar outro idioma.

O gringo que fala sentia vergonha das atrocidades e da política imperialista do seu país, era comum as pessoas virem querer atacar sua nação, imaginando assim que iam provocá-lo, mas na realidade as mais severas e sinceras críticas que o EUA recebera viera do próprio gringo, suas críticas eram leais de quem conhece aquele país por dentro e sabia perfeitamente do que estava falando, a análise do gringo rompia com os jargões e o denuncismo barato, ele explicara a contradição do seu país desde a relação com os imigrantes até o processo eleitoral no qual ele votou via fax paro o presidente negro Obama, dizia que esse presidente não mudaria muito, seria um mais do mesmo, mas por não suportar a política republicana optou por Obama. O gringo surpreendia também quando as pessoas vinham elogiar seu país geralmente com aquela retórica de país livre e desenvolvido ele respondia com ironia “desenvolvido é o preconceito daquela gente. Liberdade nós não temos, o EUA tem a maior população carcerária do mundo”. Quando o gringo que fala não gostava da pessoa ele dizia “vai pro EUA é legal”, quando ele achava que a pessoa era gente fina ele dizia “nem vai pra lá, tu não vai ser bem tratado”, passado um tempo resolveu ir para o Rio de Janeiro trabalhar com o Teatro do Oprimido.

Gringo às vezes era severo nas críticas e não perdoava nem o fundador do Teatro do Oprimido Boal, para ele o teatro estava muito centralizado nele, preso as dificuldades enfrentadas durante a ditadura militar, então seu método seria ultrapassado, o falador gringo explicara que o teatro do oprimido necessitava de se adaptar as mais diversas realidades como prisão, hospitais, favelas, clínicas de recuperação entre outras, e não só tratar da opressão sofrida da cruel ditadura brasileira. Partindo desse princípio ele começou a desenvolver trabalhos nas carceragens de Nova Iguaçu-RJ, em hospitais e em algumas favelas cariocas. Realizou um brilhante trabalho, se sentia realizado, seu trabalho começara a transformar a vida de muitas pessoas no Brasil, mas seu sonho será interrompido uma vez que seu visto estava com os dias contados, sendo assim ele tentou várias possibilidades de permanecer no seu país de coração, mas todas tentativas foram sem sucesso.

Deprimido tivera que retornar a seu país infame - em suas palavras - em sua despedida gringo escreveu um Rap de protesto e cantou emocionado. O Rap se chama “A Puta Língua que me Pariu” e diz assim:

“Eu vou buscar um jeito de esquecer
Esse lugar horrível que eu to erradicado, que achou razão
Em fazer guerra através da mentirosa invasão
Vida Brasileira já é diferente
Eu deixo a língua portuguesa invadir minha mente
Vou fazer a tentativa de escrever algumas rimas
Para o público que se anima, quando ponho a mão pra cima”

(gesto dos panteras negras).

“Tem gringo que se mete na vida dos outros
Tem gringo que rouba o que deve ser nosso
Tem gringo que enriquece com corporação
Mas também tem gringo bom de carne e osso
Eu já falo não olho para trás
Pois só sei escutar o que vale mais
Deixei meu País escolhi outro que vale bem mais
Só olho pra frente,
Mas pense nenhum gringo é inocente
Tem gringo brincando de ser fuzileiro
Tentando “gringar” o Planeta inteiro
Acham se dez, mas é nota zero
Bem melhor seria se eu fosse Brasileiro
Eu vou agora escutar e aprender
O gringo que fala é para valer
Eu to aqui e não vou embora
Para arrumar as minhas malas eu sou assim...”.

“O Gringo que fala!”.

Repetiu três vezes essa última frase levando a galera ao delírio.
Ali estava mais uma representação desse norte-americano que encantou os brasileiros que o conheceram, e nos deixou uma grande lição. De que não existe fronteira de língua quando o interesse é coletivo e para um bem comum, e a escolha de nação muitas vezes se dá por afinidade, por identificação com a mais verdadeira sintonia que faz com que busquemos um outro modo de vida.

“Danilo George – Historiador, é pesquisador das camadas populares da cidade de Foz do Iguaçu, afirma que 99% das histórias narradas no Fanzine serão verídicas, o 1% é fruto da sua imaginação”.

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