segunda-feira, 15 de junho de 2009

NOVELA DA VIDA REAL

Mais um Cidadão José, Cap. 39 (Por: Lizal).

- Então mano, podemos ajudar o doido a construir o barraco lá, aí construímos junto um galpão pra guardar as mercadorias.

- Pode Crê. Tem o 21 do Mano Dé aí?

O Mano Gê ligou pro Mano Dé e pediu pra ele auxiliar na construção do barraco do José, depois ligou pra um parceiro que é dono de uma empresa de Materiais de Construção. Ligou ainda pra alguns malucos amigos seus que trabalham na construção civil e combinou tudo. As obras começariam na próxima semana. Aquele mês passou num disparo, José já estava se acostumando com a vida no campo. Nem percebia, mas já estava totalmente envolvido com o tráfico de drogas. Nesse tempo que esteve ali conheceu muita gente, colombianos, bolivianos, chilenos, venezuelanos, argentinos, uruguaios, paraguaios, chineses, coreanos, árabes, hindus, todos interligados na rota internacional do tráfico de drogas e armas. José buscou uma proximidade com os paraguaios que trabalhavam na colheita e preparo da maconha. Ficou chocado ao saber que muitos deles trabalham o dia todo para ganhar 5 reais. Várias crianças somam ao número de trabalhadores e passam todo o dia trabalhando no sol, para ajudar na renda familiar.

O Paraguai é um país muito pobre onde seu povo vive de forma muito precária. O país também sofreu com a invasão européia e a colonização que quase dizimou os indígenas que habitavam essas terras. Sofreu ainda com uma guerra que iniciou-se em dezembro de 1864 e foi até março de 1870 onde o país foi aniquilado. A guerra ficou conhecida como “Guerra do Paraguai”, como se fosse só o Paraguai que tivesse guerreado. Na verdade o país foi atacado covardemente, Brasil, Argentina e Uruguai uniram-se para derrotar o Paraguai, o país mais desenvolvido na América latina da época. A população paraguaia quase foi dizimada, os homens quase todos mortos. Na fase final da batalha o Paraguai usava suas crianças no combate. Mais de 40% de seu território foi tomado por Brasil e Argentina. Na década de 70 o Paraguai vivia uma ditadura comandada por Stroessner e o Brasil vivia a ditadura militar do governo Médici (o período mais repressivo da ditadura brasileira). Esses dois governos assinaram o tratado de Itaipu para a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu (a maior usina hidrelétrica do mundo na época). Ficou acordado entre os dois países, que toda a energia que o Paraguai não consumisse – dos 50% que tem direito - deveria vender para o Brasil a um preço abaixo do preço do mercado. Nos dias de hoje os paraguaios ligados a movimentos de esquerda protestam pela renegociação do tratado de Itaipu.

José estava tirando um bom dinheiro naquele trampo, mas gastava quase tudo nas curtições dos fins de semana onde ele e o Mano Branco desbravavam as casas noturnas paraguaias. Durante esses rolês colaram em algumas quebradas. Conheceu mais de perto o Remancito, os bairros do KM4, o Porto Franco. Nos domingos de muito calor iam no Molle ou nos balneários, onde curtiam uma piscina e tomavam vinho ouvindo as bandas que tocavam Kachaca ao vivo. A cultura indígena ainda é muito presente naquele povo, a começar pelo idioma guarani que preservaram e que hoje é ensinado nas salas de aula dos colégios municipais do Paraguai. Além de falar o guarani – que os pais já ensinam pros filhos em casa – as crianças aprendem a ler e escrever. José pegou o hábito de tomar tererê, uma espécie de mate gelado que os paraguaios tomam diariamente. Algumas senhoras que trabalham ali nas plantações ensinaram-lhe quais as ervas e plantas que poderiam ser misturadas na água, que servem de remédio. Em dois meses José já conseguia identificar umas dez ervas diferentes. Já estava muito fã da culinária paraguaia, comia diariamente empanada, chipa, mariñera, sopa paraguaia, ensalada de poroto e mandioca (essa a mais consumida entre os paraguaios). Ficou triste quando teve de se despedir da galera para voltar ao Brasil. Na última semana ele e o Mano Branco passaram na casa de todos os conhecidos que fizeram nesses dois meses. José prometeu voltar pra visitar a galera sempre que possível.

Quem veio buscar José foi o Mano Pio. Ele despediu-se do Mano Branco e combinaram de qualquer dia desses dar um rolê pela Argentina. Mano Pio e José saíram lentamente pela estrada de terra que dava acesso ao centro de Hernandárias. Do vidro do carro José via as plantações ficando pra trás, os pássaros, as pessoas trabalhando, o casarão. Já sentia saudades daquele lugar e prometeu pra si mesmo que assim que pudesse se mudaria para uma área rural. Pensou em entrar pro MST para conquistar seu pedaço de terra onde pudesse viver, plantar e colher, longe da babilônia que é a cidade. Assim que encontrasse a Preta convidaria a entrar com ele nessa luta e conquistar um lugar onde poderiam criar o neguinho longe dos problemas da quebrada.

Em Ciudad de Leste o trânsito estava tumultuado, muito movimento no comércio e muitos carros e pessoas nas ruas. Centenas de camelôs amontoavam-se e disputavam os fregueses nas ruas, nas portas das lojas. Algumas pessoas empurrando carrinhos com dezenas de caixas de mercadoria, outras catando papelão pelo chão, alguns paraguaios, próximos a casas de câmbio, trocando dinheiro na rua, engrossando o caldo dos trabalhadores informais. A fila de sacoleiros tomava toda a Ponte da Amizade. Demoraram mais de uma hora para atravessar. Os dois quase não conversavam, o Mano Pio estava de cara fechada e José resolveu não puxar assunto. O carro estava sem toca-cd, o que dava um clima de cemitério, apesar do barulho externo que invadia pelo vidro. Assim que atravessaram a ponte Mano Pio rompeu o silêncio:

- Pra onde você quer ir José?

- Falar a real. Eu to sem onde morar. Tenho que procurar um barraco pra alugar.

- Lá na Favela do Lodo, pode ser?

- Certeza. Será que lá eu acho alguma goma pra alugar?

- Vamos pra lá que o Mano Gê tem uma surpresa pra você.

(Na próxima edição mais um capítulo).

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