sexta-feira, 11 de julho de 2008

JÃO EM: A ÚLTIMA CEIA (Por Lizal)

Jão parou no ponto de ônibus. Era uma tarde de sábado como outra qualquer e os pontos estavam cheios de pessoas voltando do trabalho. Distribuiu alguns papéis para as pessoas. Pedia uma ajuda para comprar alimentos.

A tarde estava fria e Jão estava enrolado em um cobertor velho, sujo e rasgado. O cobertor não segurava o frio nem o mau cheiro de dias sem tomar banho. Uma mulher devolveu-lhe o papel e se afastou, para não vomitar. Alguns deram-lhe moedas, torcendo para que ele saísse logo dali. Outros o ignoraram e nem pegaram o papel. Do lado do ponto de ônibus um restaurante e do outro lado da rua uma churrascaria. As carnes já estavam sendo assadas para a noite. Todo sábado a churrascaria fica lotada de clientes. O cheiro invadia a rua e embrulhou o estômago de Jão, que estava o dia inteiro sem comer nada. Saiu andando, para alívio das pessoas no ponto. Contou as moedas e parou em frente a um mercadinho. O dono do estabelecimento tentou impedir sua entrada, mas ele já estava lá dentro procurando algo nas prateleiras. Comprou um pacote demacarrão dos mais baratos e uma garrafinha de pinga Javá. Saiu do estabelecimento e caminhou pela rua dando uns goles na garrafinha.

O frio aumentava e logo teria que se recolher em um canto, para se esconder dele. Mas, antes foi até o CEASA para pegar alguns legumes. Revirou as latas de lixo e encheu uma sacola com chuchu, cenoura, batata e tomate, estragados.

Jão chegou ao seu esconderijo na boca da noite. Era um terreno baldio no centro da cidade. O mato tomava conta do lugar e uma montanha de lixo dificultava a entrada no terreno. Sacolas, vidros e potes abrigavam água parada onde possivelmente se proliferará o mosquito da dengue. Num canto havia um papelão que queria ser cama e dois tijolos no chão que queriam ser fogão. Ele recolheu alguns galhos secos e acendeu um fogo colocando sobre ele uma velha panela, que de tão preta de fumaça, parecia panela com teflon. Em um litro de coca-cola descartável pegou a água que encheu a panela. Colocou o macarrão e cortou os legumes com casca e tudo e misturou o sal que guardava em um pequeno vidro sem tampa. Até a sopa cozinhar já tinha tomado toda a pinga. Com uma colher comeu na panela mesmo, não tinha com quem dividir a sopa e nem a solidão.

Depois da ceia guardou a panela e colocou mais lenha na fogueira, a noite prometia ser gelada. Jão deitou no papelão, enrolou-se no cobertor, fechou os olhos e dormiu. Nessa noite fez zero grau em Foz. Jão dormiu para não acordar mais; ou para, quem sabe, acordar em um lugar melhor, em um mundo mais justo. Os jornalistas indagaram se Jão morreu de frio. Ele estava com o cobertor e de manhã, quando um rapaz que voltava da balada entrou no terreno para urinar, na fogueira ainda restavam brasas acesas.

Ninguém conseguiu explicar a morte.

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