terça-feira, 15 de julho de 2008

Mais um Cidadão José, Cap. 28

Mais um Cidadão José, Cap. 28

José sentou-se nos tijolos no chão, cumprimentou os malucos e ficou em silêncio. Havia mais de trinta pessoas na casa. Alguns desconhecidos para ele. “Deve ser os loko que trampam no outro turno” pensou. Quem começou a reunião foi o Mano Branco, pois o Mano Gê ainda não havia chegado. Dois malucos seguraram um mapa aberto na parede, e ele com uma régua na mão começou a explicar novamente a rota do tráfico. Dessa vez o mapa trazia mais detalhes e alguns dados. A quantidade de droga, armas e contrabando que passam aproximadamente por toda a fronteira. Em outro mapa mostrava todo o trajeto do Rio Paraná e os futuros portos clandestinos que serão abertos. Disse quantos homens trabalharão em cada região somando um total de 400 loko, 50 em cada porto. Quando o Mano Branco falava, seus olhos brilhavam cifrões. Um maluco bolou um baseado e começou a fumar. Outro acendeu um cigarro. Logo tinha vários lokos fumando e a fumaça tomou toda a casa (tipo nas reuniões de Marx, Engels e Bakunim, quando trabalhavam num jornal clandestino e reuniam-se em uma pequena sala). Mas a revolução ali era outra. Dali não sairia as escrituras do Manifesto Comunista. Não sairia as idéias anarquistas de Bakunim. Dali não sairia homens espalhando a ideologia socialista. Jornais independentes distribuídos clandestinamente. Cartazes colados nas paredes das fábricas. Muros pichados com frases revolucionárias. A conversa era outra. Dali sairia armas de destruição: toneladas de drogas pra abastecer esse gigantão chamado Brasil. Metralhadoras, granadas, revólveres de diversos calibres e munição que não acaba mais (carro sem gasolina não anda). Quando o Estado é falho, o crime se organiza e José, o simples cidadão José, caiu de pára-quedas. O destino é frio e calculista e faz tricô com a vida dos malucos. Se o seu caminho não é bordado a fé, você pode cair numa das armadilhas desse jogo mortal. Ali estava José, sem estudo, sem escudo, sem proteção e com duas opções: Se apoiar nessa nova família e buscar um cargo no mais alto escalão do tráfico, quem sabe viajar e conhecer outros países da América Latina, Colômbia, Bolívia; ou poderia abandonar tudo e se exilar em outra cidade, se mocosar numa cidadezinha do interior e tentar vida nova, trabalhando na roça.
Um carro estaciona próximo dali e interrompe seus pensamentos. O som estava ligado e a música alta atrapalhou a reunião. A música atravessou as paredes de madeira e os loko puderam ouvir: “revolução, vem do coração / preste atenção, se liga ladrão”. Os malucos saíram pra fora pra ver quem estava chegando. O som tava bem alto, o porta mala aberto mostrava as cornetas e os alto-falantes novos que o Mano Gê tinha colocado em seu carro. Em um canto ele conversava com um chinês e a música continuava: “Entre as dez mais violentas do Brasil, Foz ta na fita / E se tu se orgulha disso a sua estupidez me irrita / Campeã da venda de maconha coca e brita / Sempre no disbaratino se não a PIC complica / Ladrão de apetite por aqui tem de monte / Tipo aqueles que ganharam o Banco do Brasil da ponte (...)”.
- Carái!!!! Que sonzêra!!! disse um maluco que segurava um baseado. - É o som daqueles malucos que cantaram aqui na quebrada aquela mão, no show do rap. Lembra? Falou outro maluco.
- Do show eu lembro, do som não, eu tava muito chapado. Ahahahah...
- Então você tava normal. Ahahahahhaah.
Mano Gê desligou o som, entrou na casa e fez um gesto pedindo pros malucos entrarem. Dois lokos que estavam com ele trouxe uma caixa cheia de envelopes e colocou no chão. O chinês ficou no carro. Mano Gê tirou uma quadrada prateada da cintura e colocou sobre a mesa. De dentro da caixa tirou um livro: A Arte da Guerra, de Sun Tzu. Leu em voz alta um trecho do livro:
- A guerra é de vital importância para o Estado; é o domínio da vida ou da morte, o caminho para a sobrevivência ou a perda do Império: é preciso manejá-la bem. Não refletir seriamente sobre tudo o que lhe concerne é dar prova de uma culpável indiferença no que diz respeito à conservação ou à perda do que nos é mais querido; e isso não deve ocorrer entre nós.
Enquanto falava, estufava o peito, como um general a exibir suas medalhas.
- Na guerra vocês tem que ser rápidos como o trovão, que retumba antes de que possam tapar os ouvidos e velozes como o relâmpago que brilha antes de que possas piscar.
Largou o livro e ergueu a caixa com os envelopes sobre a mesa. Continuou a falar:
- Os guerreiros superiores atacam enquanto os inimigos estão projetando seus planos. Logo desfazem suas alianças. É imprescindível lutar contra todas as facções inimigas para obter uma vitória completa, de maneira que o beneficio seja total. Esta é a lei da estratégia.
Continuou a falar e dessa vez olhando fixamente para o Mano Branco.
- Para o êxito positivo de uma batalha é imprescindível a ajuda de espiões. Os espiões devem fidelidade total aos seus generais. Se algum assunto de espionagem seja divulgado antes que o espião seja informado, este e o que o divulgou deve ser eliminado.
Após declarar isso, acenou com a cabeça para os dois rapazes que estavam aoseu lado e eles foram até o Mano Branco. Seguraram ele pelo braço e saíram porta á fora seguindo à caminho da barranca. José não botava fé no que estava acontecendo. Logo o Mano Branco que era o seu truta de trampo mais chegado. E se estava fazendo aquilo com ele, que era de confiança, imagina o que poderia fazer com os demais.
- Trairagem não será tolerada nesse exército. Todos aqui são importantes, mas ninguém é insubstituível. disse Mano Gê, com tom ameaçador.
Quando acabou de falar, ouviu-se quatro tiros seguidos, fazendo eco lá na barranca do rio. O corpo de José estremeceu, uma lágrima quis sair de seus olhos, mas ele a conteve, para evitar desconfianças. O Mano Gê, com a ajuda dos dois malucos que voltaram, distribuiu um envelope para cada pessoa presente na reunião. Pediu para que prestassem bem atenção que não explicaria uma segunda vez.
- Nossos inimigos são esses que estão dentro desses envelopes. Quando zerarmos eles, não teremos mais preocupações, o caminho estará aberto para executarmos o nosso plano. O controle do tráfico será nosso e será o fim da miséria. Dentro de cada envelope tem todas as informações sobre a pessoa que vocês terão de zerar. Nome, endereço, telefone, local de trabalho, fotos, locais que freqüentam, horários etc... Tem também uma quantia em dinheiro de 3.000 reais para poderem executar o serviço com segurança. Das 40 pessoas que teremos que dar fim a princípio, 6 são policiais. E quem teve a sorte de pegar o envelope que está um gambé, depois do serviço feito vai ganhar uma gratificação extra de dois mil reais. O prazo pra fazer o trabalho é de 15 dias. Boa sorte pra todos.

(Lizal. Na próxima edição, mais um capítulo)

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