terça-feira, 15 de julho de 2008

Salveeeeee!!! O Fanzine do Cartel do Rap presenteia a favela com essa loca entrevista com o mano Will Capa preta, de Curitiba, Paraná. Oilson Antonio Alves (Will), 31 anos, natural de Água Doce, cidadezinha do interior de Santa Catarina, mudou-se para São Paulo ainda criança e hoje mora em Curitiba. Como toda criança pobre de periferia, já sofreu muitas mazelas: morou na rua, passou fome, apanhou da polícia... Conheceu o Movimento Hip-Hop em 1989 e completou em 2008, 17 anos de correria por essa cultura. Hoje faz parte de diversas organizações: FRF (Frente Revolucionária das Favelas), Associação 4 Elementos, Nação Hip-Hop Brasil e é candidato a vereador em Curitiba.


Z - Como foi a sua infância?

Will - A minha infância foi como a maioria dos irmãos negros ou pardos pobres do Brasil que nasceram e tiveram o inicio da sua infância no final dos anos 70 e inicio dos 80, ou seja, em um momento onde o Brasil estava ainda respirando o período da ditadura. De um lado a classe média sufocada pelo regime militar que proibia setores jovens de manifestar seu pensamento político, do outro lado os negros que não tinham nenhum direito constituído e respeitado. A minha infância até os dez anos foi marcada pela desestruturação familiar, e muita fome. Eu acredito que apesar do sofrimento de ver a minha mãe sendo espancada todos os dias pelo meu pai, carregando um sentimento de impotência, que só foi parcialmente superada quando eu atirei um copo de vidro em cima do olho do meu pai, para salvar a minha mãe que tinha uma faca pressionada no seu pescoço. Apesar desses acontecimentos, tive uma infância criativa, típico de criança da minha idade. Com 8 anos de idade fui preso inocentemente pela primeira vez e torturado pelo delegado da cidade, acusado de ter roubado um relógio de um menino da mesma idade que eu, a diferença que ele era rico e branco, e eu pobre e preto. O delegado me bateu com um arreio de cavalo e com muito ódio nos olhos. Apesar dessas circunstâncias eu sempre desenvolvi alternativas de sobrevivência, desde catar frutas silvestres, escalar pinheiro para derrubar pinha, e depois vender pinhão na cidade, roubar melancia e galinha da roça dos italianos, e vender maçã do amor no circo, quando visitavam a cidade. Posso dizer que eu e meus coleguinhas, todos pobres como eu, tivemos uma infância bem alimentada graças à natureza. Nós vivíamos caçando algo para comer e tomando banho de rio, afinal em casa não tinha comida e nem água encanada. Tudo isso aconteceu até os meus 10 anos de idade, quando minha mãe foi embora eu não vi mais nenhum sentido de continuar vivendo com o meu pai. É daí que começa o segundo capitulo da minha infância, “A Rua”, muito frio, muita fome, muita droga e sofrimento. Uma viagem de Água Doce até São Paulo, de uma pequena cidade de 10 mil habitantes para uma das ruas mais caóticas do mundo, fria e sem sentimento. Como cheguei em São Paulo? R: Trabalhei para um vendedor de abacaxi, com um caminhão Chevrolet velho, esse foi o meu passaporte.

Z - Como se deu seu envolvimento com o Hip Hop?

Will - Então eu tenho isso muito marcado e forte na minha vida. Em São Paulo eu era menino de rua, morava na Praça da Sé. Fazia parte de uma gangue de molecada, todos com corrente de cachorro no pescoço. Nós pedíamos dinheiro para comer, as vezes fazíamos uns “cavalo loko” nas velhinhas que passavam pela praça, ou ia procurar comida dentro das latas de lixo dos restaurantes. Tínhamos um tempo para fazer tudo, porque as 8:00hs começa os desenhos do programa da Xuxa. Não podíamos entrar na loja, então ficávamos na vitrine do lado de fora, tentando adivinhar o que os personagens diziam, porque o áudio era sempre desligado pelo gerente da loja. Em um dia desses eu vi um vídeo clip, com uns negrão cantando com muita raiva, cheios de correntes no pescoço, então comentei com um camarada, olha esses caras são como nós. Eu não sabia o que eles estavam fazendo, muito menos que aquilo era rap. Passado dois anos vim saber que aqueles negros com aquelas correntes eram o Public Enemy. “Aí meu já era, tudo dominado.” Nessa época eu tinha uns 12 anos de idade, ou seja em 1989, mas somente com uns 14 anos eu conheci (ouvi) os primeiros rappers nacionais, Thayde e Racionais. Mas somente com 16 anos comecei a entender a filosofia do Movimento Hip Hop e desenvolver a minha militância.

Z - Você faz parte da F.R.F (Frente Revolucionária das Favelas), é uma organização do Hip Hop? Em que área atua?

Will - Eu sou o idealizador da F.R.F, e acredito que deve ser uma organização não só do Movimento Hip-Hop, mas de todos os moradores de favelas, periferias e cortiços do Brasil. Eu parto do princípio de que ninguém cria ou constrói nada sozinho, nós precisamos sempre que outras pessoas sintam a necessidade de mudança, enxergar a sua própria realidade. Todos os Movimentos Sociais que surgiram no Brasil, a exemplo do MST, e agora com a FRF que tem a sua bandeira, construída aqui no Paraná, foram criados partindo de uma necessidade. Hoje o MST tem frentes no Brasil inteiro e desenvolvem um trabalho fundamental na luta pela Reforma Agrária. O mesmo queremos da FRF, o MST não tem o dever de sair do campo para promover a Reforma Urbana na cidade. Essa luta nos compete. Muitas pessoas acham que o Hip-Hop é um movimento simplesmente para ser artistas de periferia, mas esquecem que temos muitas outras necessidades básicas como moradia, trabalho, saúde, escola e qualidade de vida. A FRF vem para direcionar as lutas da periferia, mudar a visão do povo de que apenas os prefeitos das cidades e a burguesia mandam na cidade e dizem como e onde devemos morar. Queremos morar nas áreas que permitam uma maior mobilidade e acessibilidade a cidade. Não queremos mais ser empurrados para longe dos centros das cidades, apenas para os playboys construírem seus condomínios de luxo, seus shopping center. Vamos lutar pela Reforma Urbana, ocupar prédios e terrenos que não estejam desempenhando sua função social. Pressionar os prefeitos das cidades para elaboração de políticas públicas e investimentos pesados em moradias no sentido de suprir o grande déficit habitacional no Brasil inteiro.

Z - Qual é o envolvimento da FRF com a Nação Hip Hop Brasil e com outras organizações sociais?

Will - Tudo, e sou um militante da Nação Hip Hop Brasil. No final de 2006 teve um encontro nacional da Nação Hip Hop em Belo Horizonte. Eu apresentei essa bandeira para o Aliado G, ele não entendeu muito bem, pensava que era uma espécie de ONG igual a muitas outras. Então depois de muita conversa ele entendeu. A FRF é muito maior do que imaginamos, sabemos que teremos muitas dificuldades como ataques de setores conservadores, da burguesia brasileira, porque vamos meter o dedo na ferida. Temos um projeto de reconstrução da cidade para atender a todos, mas muitas pessoas não vão aceitar que o povo da periferia decida o seu destino, isso pode soar como uma grande ousadia para eles, mas para nós será a garantia dos nossos direitos, na forma de pressão popular. Nós temos apoio dos principais Movimentos Nacionais que trabalham diretamente com as questões de moradias como MNLM, CMP, CONAN, UMP, e outros movimentos. A maioria deles são compostos pelos próprios moradores das favelas, mas acreditamos que a FRF pode trazer a juventude e fortalecer a rebeldia das lutas populares.

Z - Como é a cena do Movimento Hip- Hop Curitibano hoje?

Will - O Hip-Hop Curitibano tem muitas coisas boas como por exemplo o Expresso da Rima, que há 4 anos organiza eventos, no coração de Curitiba, onde vários grupos se apresentam. Mas é importante ressaltar que não temos apoio de nenhuma estrutura do governo, seja Secretariaou Fundação Cultural. Hoje temos em Curitiba aproximadamente 200 grupos só de rap, o mais importante de tudo é que cada grupo tem características próprias. Mas de outro lado temos um grande problema com o inchaço do Hip-Hop. Temos muitos adeptos, mas na mesma proporção vários alienados, muitos se vestem como se fosse do Movimento, ou seja, calça larga, bombeta, peita de grupos de rap como Racionais, Facção Central, Sabotage, mas não entendem nada e não conhecem a historia do Hip-Hop. Hoje nosso problema não é fazer o Movimento Hip-Hop crescer, mas dar conta dos que já fazem parte, politizar e formar novos militantes.

Z - A CUFA (RJ) tem um núcleo em Curitiba? Qual é a ajuda dessa organização no Movimento Hip-Hop Curitibano?

Will - A Cufa, todos sabem, é uma ONG. O seu fundador é ex policial da Rota de São Paulo, o Celso Athaíde. Todos nós sabemos o que a Rota representa para os mano de São Paulo. O Mv Bill é um músico, um puta músico, mas é apenas um mascote da Cufa. Na verdade quem comanda essa entidade são pessoas que não tem nada haver com o Hip-Hop. Em Curitiba é o Davi o responsável, mas a sua equipe vai de universitário, professor de capoeira, a qualquer um que gosta de tudo que aparece na Globo. Em Curitiba só piorou porque eles tentam comprar tudo sempre dizendo que tem muito dinheiro, os manos cabeça fraca cresce o olho e “vão cegos de joelhos”. A Cufa não é um Movimento Social, apenas entrega a favela de bandeja para a Globo. Por fim quando alguém fala com entusiasmos da Cufa em Curitiba vira piada... (Risos).

Z - O que o Hip-Hop significa para você?

Will - Porra irmão muitas coisas. Não é algo tão simples, eu canto solo e todos me conhecem por Will Capa Preta, tenho muito respeito pelo Movimento Hip-Hop, porque tenho certeza que se não tivesse o encontrado, eu já não estaria mais vivo. O Hip-Hop para mim vai além do imaginável, é transcendente, é onde eu busco a minha força e orientação para a vida. Eu devo muitas coisas para o Movimento e não aceito a falta de compromisso de alguns rappers preocupados apenas com dinheiro e fama, mesmo porque tenho uma outra visão do Hip-Hop. Eu acredito muito no potencial transformador. Gostaria que todos se sentissem como guardiões desta Expressão Sociocultural.

Z Hip-Hop e Política... É a “mão e a luva” ou “água e óleo?

Will - Lógico que é a mão e a luva, nós temos que entender que existe política em tudo que fazemos, a nossa própria relação em casa com a família. Quando acaba o gás por exemplo e você tá desempregado, não tem dinheiro, tudo que passa pela cabeça nesse momento é como fazer para resolver o problema. Como e com quem vai conseguir dinheiro, você vai emprestar, vai fazer um assalto, ou comprar fiado? O processo de convencimento do amigo ou mesmo o dono da empresa de gás a vender fiado, é política. Tudo que inclui planejamento e estratégia é política. Acontece que na política convencional nós é que sempre estivemos distante. A rejeição pela política por parte do povo se deve ao fato que deixamos sempre os nossos destinos nas mãos daqueles que sempre nos exploraram. Analisando de forma mais crítica fica fácil saber por que nada muda para nós, não é verdade? Temos que construir uma unidade de força popular, fortalecer os irmãos do próprio Movimento Hip-Hop, e começar a disputar esses espaços de poder econômico, não para si mesmo, mas para o coletivo. Nós temos capacidade de conquistar muitas coisas, mas da forma que fazemos é errada, não representamos uma ameaça de fato para ninguém. Se quisermos estabelecer as nossas conquistas somente da forma que o sistema nos empurrou, já sabemos qual será o nosso fim. A revolução precisa de financiamento e devemos brigar pela fatia do mercado econômico, que por muitos anos está na mão dos nossos inimigos. E o que eles não querem que saibamos, é que a Política é o caminho mais rápido e fácil para nossa ascensão.

Z - Em Curitiba tem o prêmio de Hip-Hop chamado 5 Elementos. Qual a importância deste prêmio e do Hutus?

Will - Na verdade o premio 5 Elementos não existe mais, eu poderia dizer que era uma coisa boa, mas não foi. O premio 5 Elementos fazia parte de uma vaidade individual, eram sempre os mesmos que ganhavam e acabou caindo na rejeição dos irmão. Eu particularmente no início achava legal, mas depois percebemos que só dividia a rapaziada, depois não acho que alguém pode julgar se essa musica é legal, ou aquela é ruim. Cada irmão escreve música da forma que vê o mundo. Sobre o Hutus a minha visão é a mesma, perdeu a essência e acabou premiando sempre os mesmos.

Z - Finalizando, deixe uma idéia pros leitores do fanzine.


Will - Eu gostaria de elogiar o seu Fanzine que é uma iniciativa extremamente importante, é um material alternativo que chega aonde os meios de comunicação convencional não chegam. A prova disso é que eu conheci o trabalho do Lizal e a cena do Movimento Hip-Hop de Foz do Iguaçu pelo seu Zine. Eu não sou muito bom para conselho, mas gosto de por o meu ponto de vista. Eu acho que a rapaziada do movimento Hip-Hop precisa ampliar o seu conhecimento, somente assim vamos ser ouvidos, temos que ter conhecimento de causa e ousadia. As iniciativas como essa que veiculam informações verdadeiras e críticas fortalecem mais elementos para a conscientização e mobilização da juventude. Quero mandar um abraço para todos os irmãos que conheci em Foz, e dizer que temos que trabalhar em sincronia afinal o Movimento Hip-Hop não tem Fronteiras.

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